sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

BRAZILIAN LITERATURE - AN OUTLINE, DE ÉRICO VERÍSSIMO

A literatura de Érico Veríssimo (1905 - 1975) é abissal, uma vez que se constitui de contos, romances, novelas, literatura infanto-juvenil, narrativas de viagens, biografias, autobiografias, traduções e ensaios. Mas
Érico Veríssimo
se fosse apenas pela quantidade, provavelmente não estaríamos aqui discorrendo sobre a seu trabalho. O que sustenta sua obra é aquilo que dá sustentação a um clássico, ou seja, a qualidade, que é, por sua vez, o que faz com que uma obra se torne tanto atemporal quanto universal.

Era a década de 40 e mundo vivia um caos generalizado. Em meio às atrocidades do período, Veríssimo produz boa parte da sua obra. Em 1938 publica Olhai os lírios do campo. Em 1940, publica o romance Saga, tido por ele como o seu pior romance. Em 1943, publica O resto é silêncio e, em 1949, publica “O continente”, a primeira parte de O tempo e o vento. Note-se que, aqui, fazemos referência somente aos romances, uma vez que nesse mesmo período o autor também se dedica à produção de outros gêneros.

Nenhum autor escapa do contexto histórico no qual está inserido. Se isso, de uma forma ou de outra vai estar presente na produção literária da época, aí já é outro questionamento. O que afirmamos é que nenhum artista pode se manter neutro perante os acontecimentos do seu tempo. Você, como afirma o historiador norte-americano Howard Zinn (1922-2010), não pode ser neutro em um trem em movimento. E o que é a História se não um trem em movimento? E o que é a literatura se não um imenso vagão no trem da Cultura, também um trem em movimento? Ou podemos ainda retomar o filósofo Walter Benjamim (1892-1940), quando afirma que o artista que não pode tomar posicionamento deve se calar.

Lembremos que é na década de 40, período que vai de 40 a 49, que o mundo é assolado, de forma mais tenebrosa, pelos conflitos armados que tinham começado na década anterior. Tem-se o Nazismo, o Fascismo, a Segunda Guerra Mundial, as bombas em Hiroshima e Nagasaki e, mais para o final, o surgimento da chamada Guerra Fria. No Brasil, tem-se o governo ditatorial de Getúlio Vargas (1882-1954), o qual se estende de 1937 até 1945. Insatisfeito com os desmandos da ditadura Vargas e, aproveitando o convite que lhe fora feito pelo Departamento de Estado, dos Estados Unidos, no ano de 1941, Érico Veríssimo mora por três meses nos Estados Unidos, onde, devido a chamada “política da boa vizinhança” do governo de Franklin Roosevelt (1882-1945), profere algumas conferências.

No ano de 1943, o convite é refeito e Veríssimo volta aos Estados Unidos, onde ficará por dois anos. Dessa vez, ministrará aulas de Literatura Brasileira na Universidade da Califórnia, em Berkeley. O tempo que Érico Veríssimo passou no exterior resultou na produção de Gato preto em campo de neve (1941), A volta do gato preto (1947) e Brazilian Literature - an outline, de 1945. Parte das suas observações acerca do período em que esteve fora do Brasil, também pode ser lida na sua obra memorialista Solo de clarineta, de 1973 e 1976, especialmente a parte denominada “Velho mundo sem porteira”, que trata das suas andanças por terras portuguesas.

Mas voltemos a Berkeley. Como já dissemos, a estada de Érico Veríssimo na Universidade da Califórnia resultou no livro Brazilian Literature - an outline, escrito em inglês e publicado nos Estados Unidos no ano de 1945, tendo sido traduzido para o Português apenas no ano de 1995, por Maria da Glória Bordini, com o título de Breve história da literatura brasileira, publicado pela Editora Globo, sendo livro original  considerado, hoje, uma obra rara.

O livro é uma coletânea de ensaios resultantes das palestras ministradas pelo autor sulino. Contudo, mais que uma coletânea de ensaios, Breve história da literatura brasileira deve ser compreendido como um longo ensaio dedicado a não apenas apresentar a literatura brasileira aos alunos norte-americanos, mas também questioná-la e discuti-la dentro de um espectro mais amplo, ou seja, a Cultura. E aqui poderíamos fazer uma extensa abordagem do que deva ser compreendido por “cultura”, quando traríamos ao palco questões apresentadas e defendidas por Manuela Carneiro da Cunha, Raymond Williams, Homi Bhabha e Zygmunt Bauman; por exemplo. No entanto não é esse o objetivo do presente texto, e o viés de cultura ao qual se refere Érico Veríssimo pode muito bem ser compreendido em trabalhos de menor fôlego, como O que é cultura, de José Luiz dos Santos (1983) e Cultura – um conceito antropológico (1986), de Roque de Barros Laraia; para ficarmos apenas em alguns.

Breve história da literatura brasileira está dividido em 12 partes ou 12 capítulos, mas como já aludimos aqui, também poderíamos dizer tratarem-se de 12 ensaios que, em conjunto, constituem um único e longo ensaio. As origens do ensaio, enquanto gênero literário podem ser identificadas nas mais remotas manifestações do ser humano, quando do exercício da oralidade. Sistematizado por volta de 1612, com Bacon ( 1561 - 1626  ), o ensaio alcança melhor nível de organização com Montaigne (1533 - 1592), quando afirma que um ensaio precisa ser de linguagem rica, demonstrar um estilo preciso, e ter densidade de pensamento aliada a uma expressão que possa garantir a perenidade dos textos.

Sobre o ensaio, Pedro Paulo Montenegro (2010) afirma:

O ensaio contém a discussão livre e pessoal de um assunto. O ensaísta não busca provar ou justificar as suas ideias, nem se preocupa em lastreá-las com erudição, nem esgotar o tema escolhido. Escreve para divisar melhor o que pensa e saber se pensa corretamente. Daí que o ensaio se constitua numa manifestação de humildade e faça da brevidade e da clareza de estilo os seus esteios máximos. (...). O ensaio deve oferecer antes de tudo uma sensação de beleza da forma, porque o ensaísta, por definição, deve ser um bom escritor e procurar menos persuadir que comover (...). O Ensaio é um texto escrito com os olhos voltados, ao mesmo tempo, para a beleza da expressão literária e a beleza da verdade que exprime, porque a verdade intelectual do Ensaio jamais se dissocia da perfeição da forma. (MONTENEGRO, 2010: 113).

Apresento essas considerações apontadas por Montenegro, para mostrar que todas as observações feitas pelo crítico podem ser identificadas pontualmente nos ensaios de Érico Veríssimo. A humildade a qual se refere Montenegro pode ser observada ao longo de todos os textos, mas já na apresentação do seu trabalho, o autor afirma que não é, ele mesmo, um crítico, mas um contador de histórias. E afirma: 

Esta não é uma versão sem preconceitos da literatura brasileira. Ao escrever este livro não tomei o lugar de Deus; contentei-me com o de um leitor comum, que às vezes pode estar errado, mas que não pretende jamais trair seus próprios gostos e desgostos. (VERÍSSIMO, 1995:14)

O primeiro ensaio do livro chama-se “Tão boa é a terra”, no qual Veríssimo traça um panorama (lembre-se que o termo outline em português é “guia”) da literatura produzida no Brasil no período colonial, pós-descobrimento, logo, ele está tratando da literatura de informação, tomando como ponto de partida a Carta de Pero Vaz de Caminha. No entanto, o autor não se limita apenas ao aspecto literário do período, mas dá conta de todos os outros elementos culturais, constituintes da então sociedade local. E assim, tal como faz no primeiro ensaio, Veríssimo vai discorrendo sobre cada um dos períodos literários brasileiros, escolhendo um autor e uma obra que considera mais representativa, passando a tecer comentários mais detidos a respeito. 

Como um bom pesquisador, Veríssimo também se detém em obras e autores menos conhecidos e que, até hoje, não compõem o cânone da nossa literatura, como Botelho de Oliveira (1636-1711), autor do poema A ilha de Maré (disponível em http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=27992)  , por exemplo. A acuidade intelectual, o trato com a língua, a crítica mordaz e a recorrente ironia são elementos observáveis nos ensaios em questão. Além disso, Érico Veríssimo demonstra vasto conhecimento da história e da cultura brasileira, e em específico, da literatura.

Chama-nos atenção o ensaio intitulado “uma literatura chega à maioridade” (p.119), texto no qual o autor discorre sobre a geração de 30 sem, no entanto, citar os grandes nomes dessa geração, incluindo o dele. Por outro lado, prefere discorrer sobre os trabalhos de Sérgio Buarque de Holanda (1902 - 1982), Gilberto Freyre (1900 - 1987), Caio Prado Júnior ( 1907 - 1990), Vianna Moog (1906 - 1988 ), Anísio Teixeira ((1900 - 1971) e Oliveira Viana (1883 - 1951);  por exemplo, bem como apontar ficcionistas mais à margem.

Sobre o comprometimento político do escritor brasileiro,Veríssimo afirma:

Posso dizer que, depois de 1930, os escritores em meu país começaram a se interessar pelos problemas sociais e filosóficos de seu tempo. Os horizontes da crítica se expandiram. A maioria de nossos romancistas agora escrevem suas histórias em torno de problemas sociais. E aqueles que pensam não serem capitais os fatores econômicos aderem ao romance psicológico. De qualquer modo, sabem que um romance é mais do que um enredo inteligente ou uma série de eventos contados com graça só para fins de entretenimento. (VERÍSSIMO, 1995:120)

O último texto de Breve história da literatura brasileira chama-se “A colcha de retalhos”, expressão muito usada em língua inglesa para dar ideia de algo que ainda não se mostra de forma clara, mas confusa e em desalinho, apesar das suas micro partes se mostrarem em união. E é com essa imagem metafórica que o autor define a literatura brasileira em finais do ano de 1944, mostrando da impossibilidade de se apontar qual o romance mais representativo do Brasil. No referido ensaio, o autor apresenta escritores que até hoje ainda são grandes “desconhecidos” para a maioria dos leitores brasileiros. Entre os já conhecidos,  tece elogios aos trabalhos de Rachel de Queiroz (1910 -2003) e Clarice Lispector (1920 - 1977), e reafirma Gilberto Freyre como o principal intérprete da sociedade brasileira, especificamente a nordestina. Érico Veríssimo conclui o capitulo, afirmando: 

(...) Quanto à literatura de meu país – seu traço proeminente nos últimos dez anos é que os escritores brasileiros deixaram de ser meros malabaristas verbais, imitadores esnobes das modas literárias européias ou tíbios elfos, habitantes da torre de marfim; pisaram na terra e deram as mãos ao homem comum nessa cruzada universal por um mundo melhor de paz, fraternidade e liberdade. (VERÍSSIMO, 1995:153)

De forma bem sucinta, eis uma noção dos ensaios presentes em Brazilian literature, an outline. E foi assim que a Literatura Brasileira foi apresentada por Érico Veríssimo, na década de 40, em Berkeley, na Califórnia


Leituras:

MONTENEGRO, Pedro Paulo. Euclides da Cunha - o ensaísta. In: Academia Cearense de Letras: José de Alencar e Euclides da Cunha. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2010.

VERÍSSIMO, Érico. Brazilian literature, an outline. New York: The Macmillan Company, 1945.

______________.Breve história da literatura brasileira. Trad. Maria da Glória Bordini. São Paulo: Globo, 1997.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O QUE LER, RELER OU IGNORAR, EM 2016



1. Gregório de Matos – Poemas atribuídos – Códice Asensio-Cunha(cinco volumes)
Edição e estudo: João Adolfo Hansen e Marcello Moreira
Editora Autêntica

2. Biografia e narrativa do ex-escravo afro-brasileiro
Mahommah Gardo Baquaqua
Tradução: Robert Krueger
Editora da UNB

3.  Submissão
Michel Houellebecq
Editora Alfaguara



4. Todos se vão
Wendy Guerra
Editora Benvirá

5. Nunca fui primeira-dama
Wendy Guerra
Editora Benvirá

6.  Posar nua em Havana
Wendy Guerra
Editora Benvirá



7.   Turismo para cegos
Tércia Montenegro
Editora Companhia das Letras

8.   A louca da casa
Rosa Montero
Editora Nova Fronteira

9.   Estudos sobre a literatura clássica americana
D.H. Lawrence
Editora Zahar

10.  Cultura e opulência do Brasil – por suas drogas e minas
André João Antonil
Edições do Senado Federal



 11.  Epistemologias do Sul
Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses (Orgs.)
Editora Cortez

12.  Como conversar com um fascista – Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro
Marcia Tiburi
Editora Record



13.  Cartas extraordinárias – a correspondência inesquecível de pessoas notáveis
Shaun Usher (Org.)
Editora Companhia das Letras

14.  Imagens cintilantes – uma viagem através da arte – desde o Egito a Star Wars
Camille Paglia
Editora Apicuri

15.  Primórdios da urbanização no Ceará
Clóvis Ramiro Jucá Neto
Editora
UFC/BNB

16.  A inconstância da alma selvagem
Eduardo Viveiros de Castro
Editora Cosacnaify



17.  Americanah
Chimamanda Ngozi Adichie
Companhia das Letras

18.  Meio sol amarelo
Chimamanda Ngozi Adichie
Companhia das Letras



19.  A brief history of seven killings
Marlon James
Riverhead Book publisher

20.  The Gospel of the Flying Spaghetti Monster
Bobby HendersonVillard Books publisher



21.  Brasil: uma biografia
Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling
Companhia das Letras