quarta-feira, 14 de setembro de 2016

TODOS SE VÃO, DE WENDY GUERRA

Wendy Guerra
Alejo Carpentier, Guillermo Cabrera Infante, Reinaldo Arenas, Pedro Juan Gutiérrez e Leonardo Padura são alguns dos autores da literatura cubana, que são possíveis de serem encontrados nas livrarias e sebos do Brasil. Nem todos, infelizmente, habitam as prateleiras das nossas universidades; o que não causa surpresa, uma vez que até determinados autores nacionais, como Carolina de Jesus, por exemplo, ainda são invisíveis para muitos dos nossos leitores.

E se voltarmos os olhos para as escritoras cubanas, muito pouco ou quase nada se conhece por aqui. Não que elas não existam, mas que por inúmeras razões sua literatura ainda não chega ao Brasil como, por exemplo, já chegaram autoras como a moçambicana Paulina Chiziane.

Se há uma culpa em tudo isso, certamente que não está nas autoras e, muito menos nos leitores; mas nos imbróglios políticos e culturais que acabam por barrar pesquisas, censurar obras e tornar artistas invisíveis. Mas, como disse o líder dos Rolling Stones em recente show em Havana: “os tempos estão mudando”. E como estão! A própria presença dos “Rolling”, que é como os cubanos chamam a banda de Keith Richards, na ilha, já é uma prova de algumas dessas mudanças. É claro que essas “mudanças” são tanto aceitas quanto rechaçadas, não constituindo unanimidade entre o povo cubano. Mas se o povo cubano curtiu o show dos Rolling Stones tanto quanto eu curti em São Paulo, não há dúvida de que foi um momento mágico, quase surreal, um acontecimento histórico. Entre muitos que foram (ou que disseram que iriam), a imprensa deu certo destaque para a escritora Wendy Guerra, autora de uma prosa das mais relevantes produzidas atualmente em Cuba.

O primeiro romance de Wendy Guerra chama-se Todos se vão, de 2006, publicado no Brasil no ano de 2011. Além desse, também nos chama a atenção as narrativas Nunca fui primeira-dama (2008) e Posar nua em Havana (2011), publicados no Brasil, respectivamente, nos anos de 2010 e 2012. Os dois primeiros foram traduzidos por Josely Vianna Baptista, enquanto a tradução do terceiro foi feita por José Rubens Siqueira. Os três livros em questão foram publicados pelo selo Benvirá. No ano de 2013, Guerra publicou pela editora Anagrama o livro Negra, ainda sem tradução para o português brasileiro.

Wendy Guerra, embora traduzida para vários outros idiomas, ainda é uma “famosa desconhecida” no seu próprio país, onde sua obra ainda está vetada. Conforme suas próprias palavras: “lá, sou um personagem de ficção”. Foi o que afirmou a autora quando esteve no Brasil, para participar da Festa Literária Internacional de Parati, FLIP, no ano de 2010.

O hábito de escrever diários na infância, acabou contribuindo para que Wendy Guerra recorresse a esse gênero de escrita como forma de estruturar algumas das suas narrativas, como é o caso do romance Todos se vão; narrativa que pode muito bem ser compreendida como uma espécie de microcosmo de uma situação mais ampla, naquilo que diz respeito às questões de organização política e social, bem como de comportamento e relações entre as pessoas. Seria o universo da personagem Nieve uma alegoria da Cuba de Wendy? Como se assumir em uma sociedade na qual as opções de vida se resumem a ter que “atirar bem” ou “fugir”, correndo o risco de passar pela humilhação dos chamados “atos de repúdio”? Embora o cenário político-social descrito pela personagem Nieve seja de causar indignação e terror, ele não se diferencia em muito daquilo que ocorre na realidade, em outros países, como o Brasil, por exemplo.  



Todos se vão pode, como toda obra literária, ser lido por diferentes perspectivas, inclusive podendo ser considerado um livro de caráter feminista, uma vez que a força e a determinação de Nieve não se mostram em consonância com o que indica a fragilidade do termo “neve”, mas com a fortaleza que habita cada mulher que, frente as pressões impostas pela sociedade, se agigantam a cada novo embate pela liberdade, pela vida. Essa característica da personagem talvez seja resultado das leituras da autora que, entre outras, cresceu lendo Marguerite Duras e Marguerite Yourcenar.

Se todo grande escritor tem preocupações e acalenta sonhos, o de Wendy Guerra é provavelmente, registrar, na sua literatura, o sentimento humano. Mesmo o constrangimento absoluto do silêncio do seu país em relação ao seu trabalho não a faz menor. E já que “não existe” mesmo em Cuba, Wendy vai vivendo sua vida e as mais outras vidas que desejar, em outros mundos, em novas obras; pois bem sabe ela que de uma forma ou outra, mais cedo ou mais tarde, todos se vão. E o que restará? A memória, os registros, a história e as palavras. Nada mais.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

UIVO - GRAPHIC NOVEL

A permanência de um texto literário  ao longo do tempo se dá como resultado da qualidade do próprio texto, assim como o impacto que causa no leitor.  Não é preciso "divagar" muito para se deduzir que é isso o que acontece como o poema Uivo (1956), de Allen Ginsberg (1926 - 1997). Trata-se de um texto de extrema qualidade poética, que beira o profético ao apontar sua metralhadora giratória da palavra em direção à sociedade excludente norte-americana. Certamente que ninguém aponta um poema para o coração do sistema, e sai impunemente. As sucessivas tentativas de censura e criminalização não forma suficientes para impedir que Uivo se tornasse um dos poemas mais lidos do século XX. E não nos parece exagero afirmar, que continuará sendo lido por seguidas gerações por todo o século XXI  e enquanto existir um leitor e um texto.

Os textos dos autores da Geração Beat não foram concebidos para caber bonitinhos na forma tradicional do livro. Os beatniks sabiam que nem eles, nem suas obras nasceram para se tornar peças canônicas de uma estrutura literária limitada. Os avanços tecnológicos e as inúmeras propostas multimodais surgidas a partir deles possibilitaram um gama de inovações que facilitaram a apresentação de um texto literário, pensado antigamente para caber no livro impresso, em diversos outros suportes e abordagens. Daí, um poema como Uivo, poder ser disponibilizado em formato de longa-metragem ou de graphic novel, por exemplo.

E é isso que faz Eric Drooker ao criar os quadros da animação do longa Uivo (2010)dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman, tendo sido publicado no Brasil, como graphic novel, no ano de 2012, pela editora Globo, tendo sido traduzido por Luis Dolhnikoff. A  graphic novel de Drooker traz uma introdução, seguida dos capítulos "Quem" (I), "Moloch" (II), "Rockland" (III) e "Nota de rodapé a Uivo" (IV); além de notas de tradução (p. 220 - 221) e agradecimentos do autor aos que contribuíram com o trabalho (p.222).  Eric Drooker já havia colaborado com Ginsberg no livro Illuminated Poems (1996). Fotos de Ginsberg e Drooker ilustram a primeira contracapa (foto de Ken Taranto), a página 223 ( foto de Denise Keim) e a segunda contracapa (foto de Steven Taylor).

Sobre Allen Ginsberg, convém ressaltarmos o que afirma Bob Dylan, quando diz: "Ginsberg é ao mesmo tempo trágico e enérgico, um gênio lírico e um antagonista extraordinário, provavelmente a maior influência individual na dicção poética norte-americana desde Whitman". Tá dito.

A graphic novel, de Eric Drooker não é ambiciosa e, certamente deixa escapar muito da caudalosidade poética do autor de A balada dos esqueletos (1995). Contudo, o autor sabe muito bem da árdua tarefa que seria dar conta de um texto que é só lâmina. Sua leitura, no entanto, contribui para que, posto no suporte da graphic novel, o poema de Ginsberg possa alcançar outro tipo de leitor, se perpetuando assim, atemporalmente.

Para saber mais:

http://www.drooker.com/graphic-novels 

https://en.wikipedia.org/wiki/Allen_Ginsberg