domingo, 27 de abril de 2014

FRASEOLOGIAS JURÍDICAS: ESTUDO FILOLÓGICO E LINGUÍSTICO DO PERÍODO COLONIAL


Fraseologias Jurídicas: Estudos filológico e Linguístico do Período Colonial foi publicada no ano de 2013, pela editora Appris. Trata-se do mais recente trabalho do pesquisador Expedito Ximenes, professor adjunto da Universidade Estadual do Ceará - UECE, um dos mais respeitáveis pesquisadores de documentos históricos do período colonial brasileiro. O mesmo pesquisador já havia publicado no ano de 2006 a obra Autos de Querella e Denúncia... Edição de Documentos Judiciais do Século XIX no Ceará para Estudos Filológicos, pela editora LCR.

Expedito E. Ximenes
Embora direcionado para  público interessados nos estudos de filologia e Linguística, a obra de Expedito Ximenes não impossibilita o contato de leitores leigos, tendo em vista a maneira didática usada pelo referido professor ao abordar a temática proposta. 

Toda e qualquer língua possui fraseologias. Contudo, uma fraseologia típica da língua portuguesa, por exemplo, não obedece à mesma estrutura gramatical e semântica da língua inglesa; ou seja, se "bater as botas" em português tem o sentido de "morrer", o mesmo sentido pode ser afirmado em língua inglesa. No entanto, a fraseologia em língua inglesa não será uma mera tradução para essa língua da expressão citada, mas uma outra expressão idiomática (EI) com o mesmo sentido. Nesse caso, "bater as botas" com o sentido de "morrer", em inglês, é "to kick the bucket", expressão essa que, em português, não teria o mesmo sentido de "morrer", mas de desistir de algo, abandonar. Isso ocorre uma vez que o léxico de uma língua é composto de unidades para lá de heterogêneas, como bem nos lembra BIDERMAN (2001), em seu texto "Unidades complexas do léxico". Além da denominação de "fraseologia", expressões recorrentes na língua comum como "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura" e "todo santo dia", entre inúmeras outras, também são denominadas de expressões idiomáticas, fraseologismos ou locuções; variando de autor para autor. Sobre isso, convém observarmo o que afirma Cleci Regina Bevilacqua (2005):

Para  alguns autores, a fraseologia limita-se às expressões idiomáticas próprias de uma língua; outros consideram que ela inclui os provérbios, os ditados, as locuções e as lexias compostas. Há ainda quem considere que tais unidades possuam estruturas extremamente variáveis, podendo incluir palavras, grupos de palavras, locuções, expressões, orações, segmentos de frases, frases, conjunto de frases e assim por diante. Observamos, portanto, que há uma diversidade de unidades que são consideradas fraseológicas, do mesmo modo que há uma diversidade em relação a sua denominação. Contudo, apesar desse fato, os falantes nativos de uma língua sabem reconhecê-las e utilizá-las adequadamente. (BEVILACQUA, 2005:748)
O livro de Expedito Ximenes está organizado em seis capítulos. No primeiro, o autor faz algumas anotações acerca do contexto histórico luso-brasileiro do século XVII ao XIX. O segundo capítulo é dedicado aos autos de querella, contendo anotações históricas, jurídicas, sociais e culturais do Ceará no período colonial. O capítulo três, por sua vez, é dedicado especificamente à Filologia. Aqui, o autor discorre sobre a Filologia, enquanto ciência antiga, observando as inúmeras e eternas polêmicas que se dão a seu respeito. O conceito e o histórico das unidades fraseológicas são discutidos pelo pesquisador no capítulo quatro, enquanto no capítulo seguinte são descritos os passos metodológicos da pesquisa. O capítulo seis é constituídos de um glossário das unidades fraseológicas constituintes dos processos.


A obra em questão é de extrema relevância não apenas para os estudos acerca do léxico, da língua e da cultura do povo cearense, como também o é para a compreensão da história dos processos de colonização daquele Estado. Com o trabalho de Expedito Ximenes, ganham a História, a Linguística, a Filologia, a Lexicologia. Ganham, por fim, todos aqueles que devotam estudos à língua portuguesa, sabendo reconhecer um trabalho de fôlego e qualidade.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

O BIBLIOTECÁRIO DO REI



A História Geral e, especificamente a História do Brasil, causam em mim um sempre e continuado fascínio. Tenho muito interesse pelos grandes nomes que estão à frente dos acontecimentos históricos, mas tenho muito mais interesse pelos nomes que estiveram à margem destes acontecimentos. Nem por isso, no entanto, devem ser vistos como figuras menores. Entre tantos, ressalto as figuras do Chalaça, da Marquesa de Santos e do senhor Marrocos; por exemplo. 

No ano de 2007, a Biblioteca Nacional publicou o volume quatro dos seus Cadernos da Biblioteca Nacional. Coleção das mais prestigiosas, Cadernos da Biblioteca Nacional tem prestado relevantes serviços à cultura brasileira, uma vez que suas publicações contribuem para uma compreensão da história e identidade do nosso país. O volume quatro dos Cadernos é denominado de O Bibliotecário do Rei - Trechos selecionados das cartas de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. No mesmo ano, também se deu a publicação  das Reflexões sobre a vaidade dos homens, de Matias Aires. No ano de 2009, ressaltamos a publicação de Senhora das imagens internas: escritos dispersos de Nise da Silveira. Já no ano de 2012, tem-se a publicação do trabalho O Japão, do escritor Aluísio Azevedo; apenas para citarmos alguns, na tentativa de reforçar a importância de publicações como as que estão sendo trazidas à lume  pela Fundação Biblioteca Nacional.

O objeto principal do presente texto é o caderno que trata das cartas do senhor Marrocos, o bibliotecário do rei. Pouquíssimas são as informações existentes acerca dessa figura. Conforme texto na contracapa do volume que trata do seu epistolário: " Luís Joaquim dos Santos Marrocos nasceu em Lisboa, em 1771, e veio para o Brasil acompanhando a segunda remessa dos livros da Real biblioteca, núcleo original da Biblioteca Nacional. Ajudante das Reais Bibliotecas em Portugal, Marrocos foi nomeado pelo príncipe regente para organizar os manuscritos da Coroa, o que o levou a trabalhar no Paço e ter acesso a D.João, cujas mãos beijava todos os dias. Em 1821 foi promovido a encarregado da direção e arranjamento da Real Biblioteca, vindo a falecer em 1838, no Rio de Janeiro. Suas cartas são um raro testemunho sobre os notáveis da corte e a vida no Rio de Janeiro no começo do século XIX".

O volume em questão está dividido em três partes. A primeira, denominada de "cartas de um observador privilegiado", escrita por Marcus Venício Ribeiro e Mônica Auler é uma espécie de apresentação do volume, bem como do seu personagem principal. A segunda parte, de autoria de Rodolfo Garcia, é denominada de "Explicação". Sobre como as cartas foram parar na Biblioteca Nacional, Garcia afirma:

Os originais das cartas de Luis Joaquim dos Santos Marrocos, escritas do Rio de Janeiro a sua família em Lisboa, de 1811 a 1821, guardam-se na Biblioteca da Ajuda, na capital portuguesa. Por obsequiosa intervenção do eminente escritor sr. Luís Edmundo obteve a Biblioteca Nacional cópias autênticas dessas cartas, conservadas inéditas até agora [1938], e até agora só utilizadas por M. de Oliveira Lima, em seu grande livro Dom João VI no Brasil (1908). (GARCIA, 2007:13)
A terceira e maior parte é denominada de "trechos selecionados das cartas de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. Como afirmam RIBEIRO e AULER (2007:9), em corroboração ao que afirma GARCIA (2007:13): 

A edição das cartas de Luís Marrocos não é inédita. Em 1939 o historiador Rodolfo Garcia, então diretor da Biblioteca Nacional, retirou-as do esquecimento, na Biblioteca da Ajuda em Portugal, publicando-as na íntegra no volume 56 dos Anais da Biblioteca Nacional por ocasião do centésimo aniversário da morte do autor. Seu pai, Francisco José dos Santos Marrocos, era o responsável pela Biblioteca da Ajuda, onde o próprio Luís Marrocos também havia trabalhado antes de vir para o Brasil em 1811, acompanhando a segunda das três remessas do acervo da Real Biblioteca. (RIBEIRO E AULER, 2007:9)

As cartas de Marrocos nos servem para que compreendamos os enredos e desvelos de uma nação que mal começava andar com as próprias pernas. Do seu ponto de vista mais que privilegiado, é possível se ter uma noção de como se davam os hábitos, costumes, favores e benesses  sob o comando de Dom João VI. Assim sendo, sobre a cidade do Rio de Janeiro, em sua carta de nº 56, de 28 de setembro de 1813, Marrocos afirma:

Nesta cidade e seus subúrbios temos sido muito insultados de ladrões, acometendo estes e roubando sem vergonha, e logo ao princípio da noite; de sorte que têm horrorizado as muitas e bárbaras mortes, que tem feito: em cinco dias contaram-se em pequeno circuito 22 assassínios, e em uma noite mesmo defronte da minha porta fez um ladrão duas mortes e feriu terceiro gravemente. Tem sido tal o seu descaramento, que até avançam a pessoas mais distintas e conhecidas, como foi o próprio chefe da polícia; o chefe de divisão José Maria Dantas recebeu por grande favor duas tremendíssimas bofetadas, por cair no erro de trazer pouco dinheiro, depois de lhe roubarem o relógio etc. Além disto têm degolado várias mulheres, depois de sofrerem outros insultos; o que tudo tem dado que fazer o corpo da polícia, e não sendo este suficiente para as rondas e patrulhas multiplicadas em todas as ruas, o intendente mandou armar e aprontar todas as justiças de paisanos para ajudarem os da polícia; mas os pobres aguazis até já foram acometidos e insultados pelas grandes quadrilhas de ladrões, que lhes tem dado coças. (Carta nº 56, 28 set. 1813).

O relato de Marrocos demonstra o quanto, mais de duzentos anos depois, suas cartas ainda estão atuais e merecedoras de estudos que abarquem não apenas a História, mas a língua, o léxico, a literatura e a cultura como um todo. As referidas missivas estão disponíveis para leitura e pesquisa no site da Fundação Biblioteca Nacional (www.bn.br). Ainda sobre a Real Biblioteca, sugerimos a leitura de A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis: Do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil (2008), de Lilia Moritz Schwarcz, com Paulo Cesar de Azevedo e Angela Marques da Costa, publicado pela Companhia das Letras.








quinta-feira, 10 de abril de 2014

POR QUE LER FRANCISCO CARVALHO

Vivemos um tempo preenchido pelo inútil, pelo descartável. A ignorância ganha os campos e, ser imbecil, parece ser normal. Entre numa livraria e dê uma olhada nos "mais vendidos", excetuando-se alguns, é lixo puro. Enquanto isso, Guy Debord (1931-1994) se remexe na tumba e Mario Vargas Llosa joga mais lenha na fogueira com o seu A civilização do espetáculo - uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura(2013).


Embora em cada esquina nasça um "poeta", poucos conseguem, para o bem da humanidade, sobreviver. Não sobrevivem por não terem absolutamente nada a dizer, por não namorarem a própria língua, deixar-lhes lamber o íntimo, o ser. Poetas que não dormem com a cultura, que não sabem tocar a vida como um homem deve saber acariciar o corpo de uma mulher não merecem a leitura de um verso. Afrontam Dante, Shakespeare, Virgílio, Drummond...

Outros poetas não estão na mídia, não frequentam festas literárias, não vão aos vazios "talk shows". Ao contrário, mantêm-se quase reclusos e, na "solidão" de suas bibliotecas redescobrem a máquina do mundo, a arte de cantar a vida, de elevar a alma. Poetas assim contam-se nos dedos das mãos. Francisco Carvalho era  um desses mágicos da escrita, um desses desbravadores das dores e das vidas do ser humano. Se tivesse produzido apenas A Concha e o Rumor (2000) ou seus Girassóis de Barro (1997)já seria consagrado como um dos maiores poetas de língua portuguesa. Não contente com isso, o velho Carvalho, como o vinho, melhorava a cada novo livro. O que dizer dos seus Centauros Urbanos (2003)? E seus Corvos de Alumínio (2007)?


Ler Francisco Carvalho é ler o que de melhor tem sido produzido na poesia desse país. É estar em contato com a sabedoria de um poeta que ao longo de toda sua obra poética provoca o pensar, a reflexão, o amor pela vida, pela cultura, pela erudição. Ler Francisco Carvalho é ler um mundo espreitado pela vida. A minha, a sua, a nossa mesma sempre diferente, vida.


terça-feira, 1 de abril de 2014

FRUSTRAÇÃO EM QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF, DE EDWARD ALBEE

A frustração, dizem os manuais de Psicologia, é o estado criado em uma pessoa ou no organismo quando os objetivos não são satisfeitos. É um estado interno, devido à falta do objeto. Se falta algo a uma pessoa, mas ela não se sente motivada para preencher essa lacuna, não há frustração. Consequentemente, frustração não é apenas a falta de algo, mas a reação por causa dessa falta.

Edward Albee encontrou nas pessoas da sociedade moderna, material suficiente para criar algumas de suas melhores peças. Percebe-se no autor, enorme interesse em capturar comportamentos humanos, muitas vezes escondidos na vida cotidiana. A vida é um campo cheio de idéias, sucesso, frustração, desejos e interesses pessoais que, na realidade, são responsáveis por manter a vida em movimento. Para aqueles que conseguem obter aquilo que de melhor a vida oferece, tudo bem. Aos outros, resta muitas vezes a frustração, uma vez que a vida torna-se difícil e, não raramente, cruel.

Em Quem Tem medo de Virginia Woolf, lançado entre 1961 e 1962, Albee traça um brutal retrato de um casal acadêmico alcoólatra. Nessa peça, o autor de The Zoo Story (1959), conhecido pela intensidade, o realismo e a experimentação de seus textos, aponta o dedo para a ferida da frustração. Embora não muito clara no início, torna-se mais evidente à medida que a peça se desenvolve. Martha e George podem ser vistos como típicos exemplos de frustração. Vivem uma vida de aparências, baseada em brigas e mentiras e ataques pessoais, além de demonstrarem completa insatisfação com os empregos que têm. Martha e George têm diferentes hábitos e gostos diferentes. A maneira como um age faz com o outro fique triste, deprimido.


Apesar de ser extremamente frustrado, George sabe como lidar com toda a mediocridade que o cerca. Ele sabe muito bem até onde pode ir. Às vezes, sua frustração por não ser o chefe do Departamento de História quase o põe abaixo, mas ele sabe sempre como reassumir o controle da situação. George tem plena consciência da sua situação na vida, bem como sua competência profissional. Ele costuma dizer que é necessário ser cauteloso e deixar que as coisas aconteçam.

Martha apresenta-se como o mais forte exemplo de frustração: uma marionete nas mãos do próprio
pai. Consciente da vida que tem, prefere isso a fingir o contrário. A situação de Martha enche George de gozo, contando a todos sobre a relação de Martha com o pai.

A frustração ocorre em cores mais fortes quando George e Martha têm que ser, por apenas uma noite, anfitriões para Nick e sua esposa Honey. Eivada de diálogos pra lá de cruéis, a noite do casal não demonstra apenas a frustração, mas o quanto George se vê como um derrotado. O mundo de George, assim como o mundo real, é puramente físico e neutro. Frustração também causa reações de defesa. Assim, quando George e Martha dançam, bebem e brigam estão, provavelmente, apenas tentando evitar uma vida menos ansiosa.

As pessoas comportam-se e agem movidas por diferentes motivações. Quando não conseguem obter satisfação para suas necessidades, tentam alcançá-la por formas diferentes, nem sempre aceitáveis, embora capaz de trazer sentimento de calma e realização pessoal. Contudo,
determinadas formas de satisfação podem não ser o que aparentam, pois são falsas.

A frustração é a ausência ou a perda de algo capaz de fazer com que certas pessoas se sintam inferiores. Isso talvez explique o motivo pelo qual George e Martha não reajam, não tentem se assumir como sujeitos de suas próprias vidas. Por razões não tão claras, George e Martha não agem livremente, havendo sempre um mistério no ar, quando jogam seu jogo. Há, dizem os especialistas, algumas reações defensivas comuns àqueles que têm algum tipo de complexo de inferioridade. Por exemplo, costumam desenvolver um discurso agressivo como forma de autoproteção. Eles humilham e atacam os outros, uma vez que isso os faz sentirem-se bem e superiores.


Ao final da peça, George canta a música que costumava cantar sempre que estavam juntos “Quem tem medo de Virginia Woolf, Virginia Woolf, Virginia Woolf”. Pode-se inferir, assim, que a canção servia como forma de esconder a frustração que sentiam, ou ainda, apenas uma forma de tentar espantar a solidão e a tristeza.