sexta-feira, 30 de maio de 2014

AS PAISAGENS POÉTICAS DE CARLYLE MARTINS

Alguns autores, responsáveis por belas páginas poéticas, alcançam notoriedade em seu tempo; mas nem sempre conseguem se manter de maneira atemporal. Isso não acontece, como poderíamos pensar, por uma baixa qualidade do trabalho produzido. Na verdade, isso ocorre, principalmente nos dias de hoje, por haver uma perceptível ditadura do efêmero, ou seja, tudo acontece muito rapidamente, transformando em assunto do passado o que ontem, ainda era novidade. Dessa forma, muitos escritores, atores, músicos e artistas em geral costumam sumir sem deixar rastro. Esse "império do efêmero" passa feito um rolo compressor em cima de muitas obras que, independentemente da qualidade, acabam se tornando desconhecidas  do público sem que nem ao menos tenham sido devidamente apresentadas, conhecidas e digeridas. Sob esse ângulo, a Internet surge como uma forma de se registrar nomes, autores e ideias para que não sumam na poeira do tempo e não se percam de vez. Por meio da grande rede, tal qual uma biblioteca de Alexandria virtual, encontramos obras que já considerávamos perdidas. Contudo, quanto mais difícil de ser encontrada, mais cara a obra procurada se torna. Em um sistema econômico predatório como o nosso, não poderia ser diferente.

Uma opção mais em conta na busca por obras raras ainda são os sebos existentes nas nossas cidades. Saber garimpar em um sebo não é, no entanto, para amadores. Poucos são aqueles que sabem encontrar o que procuram por preços que podem pagar. Há, nesse emaranhado de coisas, os donos de sebos que se acham muito espertos, quando não passam de ridículos desavisados aos olhos treinados de um bom caçador de obras valiosas. E assim sendo, quando se sabe procurar, costuma-se encontrar. Com uma boa dose de sorte, é possível encontrar inclusive aquilo que não se busca. E foi assim que dia desses encontrei em um dos poucos sebos de Fortaleza, cidade que me enerva com seus tacanhos políticos, mas que me energiza e me eleva com seu sol e seu mar de encher os olhos; um velho livro do poeta cearense, o parnasiano Carlyle Martins (1899 - 1986).
Carlyle Martins

Carlyle Martins era filho de Augusto Dias Martins e Rosa de Figueiredo Martins. Era sobrinho dos poetas Antonio Martins (1852 - 1895), o poeta da abolição dos escravos, e de Álvaro Martins (1868 - 1905), autor de Os pescadores da Taíba, de 1895. Sobre o poeta em questão, Otacílio de Azevedo (1892-1978), em seu Fortaleza descalça (2012), lembra que, em 1916, quando publicou Dentro do Passado, seu primeiro poema, perdeu o sono, passando a noite a se deliciar, contemplando seu "primeiro fruto intelectual" que, para ele parecia ser a coisa mais bela do mundo. Por volta das três horas da manhã, eis que alguém bate à porta do poeta. "Parado, sob a luz diáfana do céu estrelado, um vulto falou":
"Bom dia, poeta amigo. Queira perdoar-me vir incomodá-lo a estas horas. Eu sou estudante de Direito e meu nome é Carlyle Martins. Vendo seu livrinho nas mãos de Sidney Neto e, tendo que pegar o trem das cinco horas para Senador Pompeu, aventurei-me a vir procurá-lo. Queria comprar-lhe um exemplar do seu poema para deliciar-me com ele na viagem de trem". (AZEVEDO, 2012:288).
O poeta confessa que ficou muito feliz. entregou o poema, e por ele recebeu o pagamento de mil réis em dez moedinhas de tostão. Nascia daí uma forte amizade entre os dois autores. Carlyle Martins manteve ao longo da vida as funções de juiz de Direito e poeta, publicando várias obras referenciais para a poesia cearense. Entre seus trabalho se destacam: Evangelho do sonho (1931), Caminho deserto (19340, Templo em ruínas (1937), Colheita de rosas (1938), Ânfora de estrelas (1940), Canto do peregrino (1942), José Maria (versos que o poeta dedicou ao seu filho), de 1952. Escreveu ainda um trabalho sobre Irineu Pinheiro (1952) e outro sobre seu tio, intitulado Antonio Martins (1953). Em 1955 escreveu João Lopes (1955), voltando à poesia em 1956 com o livro de poemas Na serra. No mesmo ano publica A lagoa de Messejana  e, no ano seguinte, Paisagens do meu destino. Além desses, Alma rude (1960), Sinfonia do entardecer (1966) e Mensagem das horas (1972).

 O livro de Carlyle Martins que encontramos em um sebo da cidade chama-se  Paisagens do meu destino. Trata-se de uma obra poética publicada no ano de 1957, sendo uma coletânea dos versos escritos pelo poeta do ano de 1940 até o ano de 1945. A obra em questão está dividida em seis partes. São elas: "Música interior", "Rumos incertos", "Poemas da tarde azul", "Penumbra distante", "Luar da saudade" e "Miragem perdida". O livro foi publicado em junho de 1957 pela Tipografia Minerva, em Fortaleza, Ceará e, até onde sabemos, não foi reeditado.

Como bom poeta parnasiano, Carlyle Martins recorre ao soneto como forma preferencial para externar tudo aquilo que deseja exteriorizar o eu-lírico da sua poesia. A primeira parte da obra é constituída de quinze sonetos. A segunda de doze, a terceira de catorze. As demais partes trazem, respectivamente, treze, dez e dezoito sonetos. Ao todo, Paisagens do meu destino (1957) contém oitenta e dois sonetos.

Fiel à forma clássica que consagrou grandes poetas, Carlyle Martins também mantém certa fidelidade aos temas comuns à poesia parnasiana. Assim sendo, o amor, a adoração, a noite e  a solidão são temas recorrentes na poesia do autor.

A poesia de Carlyle Martins deve ser lida, levando-se em conta o período histórico-literário no qual está inserida, observando-se a qualidade da sua produção poética sem pré-julgamentos acerca da forma e/ou do conteúdo que a constitui.

sábado, 17 de maio de 2014

PERDOE-ME TANTO LAQUÊ

Laquê, diz o dicionário Aurélio (2010:1239), é um substantivo masculino. Trata-se de um termo de origem francesa (laqué), definido como "produto com que se vaporizam os cabelos a fim de fixar o penteado". É então, uma espécie de fixador, o que, embora não deva ser confundido com um fixa dor nada impede de ser usado em um trocadilho poético. 

E é assim, em uma referência ao que vem escrito na contracapa do livro Perdoe-me tanto laquê, que discorro sobre a poesia de Juliana Gervason. Mas vamos por partes. Perdoe-me tanto laquê  é um belíssimo livrinho de poemas, de autoria de Juliana Gervason, publicado no ano de 2013 pela editora Bartlebee, de Juíz de Fora, Minas Gerais. Se gostei do livro, não posso negar que também gostei do nome da editora. Como ler Bartlebee e não lembrar do Bartleby, o imortal escrivão do conto de mesmo nome de autoria de Herman Melville (1819-1891), coisa que "eu preferia não fazer"?

A orelha direita do livro de Gervason afirma que ela "é, por natureza, mineira e caseira. Por acaso, blogueira e vlogueira. Por formação, especialista, mestre e doutora em estudos literários (...)". Gervason mantém o endereço www.obatondeclarice.com. Perdoe-me por tanto laquê é, como diz a própria autora, seu primeiro filho. Como há filhos e filhos, podemos afirmar que Gervason deu muita sorte com seu primeiro rebento. Sorte no sentido de ter "acertado na veia" na hora dar seu único filho (pelo menos por enquanto) ao mundo, uma vez que "se não tê-los, como sabê-los?". E é ao mundo a quem pertencem os filhos e os livros. Depois de nascidos, são dados a esse mundo, vasto mundo, para experimentar a liberdade, mas também para serem  expostos aos mais diferentes julgamentos. E o mundo, na maioria das vezes, se não nos propicia uma rima, muito menos nos oferta uma solução.

Perdoe-me tanto laquê é composto de trinta e dois poemas, sendo a maioria poemas curtos (alguns de dois versos apenas) e alguns haicais (três ao todo). Deixamos claro, no entanto, que a extensão dos poemas de Juliana Gervason não interfere na qualidade da sua poesia. Em busca de uma objetividade poética, a autora transforma o menos em mais de maneira bastante elíptica, aproximando-se muito daquilo que Dalton Trevisan opera no conto. Ainda no que diz respeito à estrutura da poesia de Juliana Gervason, percebemos uma aproximação da sua escrita com a poesia de outros nomes, não apenas da literatura brasileira, mas também da literatura universal. Dessa forma, ao optar por escrever seus poemas em letras minúsculas, nos remete, por exemplo, ao modus operandi de e.e.cummings (1894-1962). Sobre o poema "profanando" (p.69), observamos uma possibilidade aproximativa com a "oração do Nada", de Hemingway, presente no conto A clean well-lighted place (1926). No que concerne ao tamanho dos poemas de Juliana Gervason, somos levados a relacioná-los com a poesia da geração mimeógrafo, especialmente na figura de Ana Cristina Cesar (1952-1983). Relembrando Ana Cristina Cesar, "quase ana c" diz: " arrumo a cama exatamente como você costuma gostar/para manter o diário gozo de tê-lo expulsado de minha vida desde [então/arrumo a cama para você/mas quem se deita nela sou eu!" (p.17). A opção por poemas breves e haicais também aproximam a poesia da autora em questão da poesia praticada por Paulo Leminski (1944-1989). "das dores doía/mas era o azulejo/que alagava" (p.15), ou ainda: "como as aranhas/às vezes me pego tendo/muitos os olhos por chorar" (p.27) e "se quero ser vestal/que vestes devo/vestir?" (p.33). A poesia de Gervason também cria aproximação com a poesia de Orides Fontela (1940-1998) tanto na estrutura quanto na forma, principalmente no livro Teia, de 1996. Se no poema "Carta", Orides Fontela diz: "Da/vida/não se espera resposta"; no poema da p.53, Gervason diz: "há toneladas de solidão quando/na boca da noite/só você em seu quarto só/e o telefone toca.../e você descobre por engano/que nem o engano procura você". O poema da página 53, anteriormente referido, não possui título. Quando isso ocorre, o primeiro verso do poema passa a ser o título. No livro de Juliana Gervason, isso é recorrente. Percebemos ainda caminhar pela poesia de Perdoe-me tanto laquê, Waly Salomão (1943-2003) e Armando Freitas Filho, por exemplo.
Juliana Gervason


Mas afinal, do que trata a poesia de Juliana Gervason? Embora essa seja uma pergunta difícil de se responder quando tratamos de uma obra aberta, principalmente o texto poético, acreditamos não errar ao afirmarmos que sua poesia trata dos mesmos assuntos com os quais lidam os grandes poetas; o que a aproxima da poesia de Francisco Carvalho, Konstandinos Kavafis, Wislawa Szymborska, Jáder de Carvalho e Juan Gelman; por exemplo. Em outras palavras, a poesia contida em Perdoe-me tanto laquê trata do amor, da vida, das relações interpessoais, das idiossincrasias, solidões, carências e perdas... Tudo isso, como em boa parte da poesia de Armando Freitas Filhos e Orides Fontela, é perpassado pelo tempo. E é o tempo, e apenas ele, esse velho senhor, que pode dar resposta para pergunta tão simples e ao mesmo tempo tão complexa:
"Quando a gente cansa de tudo, quando nada mais nos surpreende a ponto de apresentar-se como novidade, a gente faz o quê em seguida?" (p.73). 

E se fossemos o tempo, diriamos ao eu-lírico para chutar a síndrome de Bartleby para bem longe, e escrever, escrever e escrever; pois a escrita (sempre) encontra amplidão em outras paragens/E nelas há sons que afagam.

sábado, 10 de maio de 2014

FORTALEZA DESCALÇA

A cidade de Fortaleza é, sem dúvida, uma das mais belas do país. É claro que aparenta ser mais velha do realmente é. Isso se dá, sabemos, pela falta de cuidado dos sucessivos governantes que aventureiramente aportam em suas praias em busca de abrigo e outras coisas mais. Isso dificilmente mudará. Contudo, essa cidade de água e sal continuará se impondo aos desmandos e descasos tão comuns nas terras de Alencar, como se ela mesma, e não Moacir, fosse a própria filha da dor. 

Senhora, para lá de balzaquiana,  Fortaleza continua encantando todos aqueles que por ela passam. E assim o foi com o escritor e artista plástico Otacílio de Azevedo (1892 - 1978) quando por aqui chegou. Teria ele se encantado com aquela "Fortaleza pousada sobre a areia/Descalça e linda, refulgindo do alto/Sob o mago esplendor da lua cheia"? Talvez sim, talvez não. Mas o certo é que o poeta gostou tanto desses versos de Gastão Justa (1899 - 1969 ), que os colocou como epígrafe da sua Fortaleza Descalça.



Otacílio de Azevedo
Otacílio de Azevedo nasceu em Monte Alegre, próximo a Redenção, no estado do Ceará, no dia 11 de fevereiro de 1892. Quando veio para Fortaleza, Azevedo trabalhou como decorador de paredes, pintor de bondes, porteiro e operador de cinema, letreirista, desenhista, pintor e poeta, sem nunca ter cursado a escola. Conforme Dolor Barreira, em 1913, Otacílio de Azevedo publica seus versos no Ceará Operário. Já no ano de 1918, passa a ocupar cadeira no Grêmio Literário Cearense. Entre seus muitos trabalhos estão: Dentro do passado (1916), Alma ansiosa (1918), Musa risonha (1920), Sugestão do luar (1921), Réstia de sol (1942), Redenção (1944), Desolação (1947), Últimos poemas (1958), A Origem da lua (1960), adágios, meizinhas e superstições (1966), Fortaleza descalça (1980) e Trigo sem joio (1986). Azevedo ingressou na Academia Cearense de Letras no ano de 1969. O poeta faleceu em Fortaleza no ano de 1978.

Fortaleza descalça é um livro de reminiscências cuja primeira edição é de 1980. A segunda edição é do no de 1992 e a terceira edição, pasmem, só sai vinte anos após a segunda, no ano de 2012. Trata-se de uma obra referencial para todo aquele que deseja conhecer a relação da cidade como seu povo, espaço e manifestações político-culturais. A obra está  organizada em quatros partes assim denominadas:A cidade e as lembranças,  os tipos populares, poetas e prosadores e os pintores.

A verve do cronista já se mostra no texto "Minha chegada a Fortaleza", narrativa que abre o livro e registra o estranhamento do poeta ao se deparar com a cidade que a partir de então também será sua. Diz ele:

Quando cheguei em Fortaleza, por volta de 1910, matuto vindo de Redenção, anoitecia. da janela do trem, através da fumaça lançada em golfadas escuras pela trepidante locomotiva, deslumbrava-me a luz dos combustores a gás (...)
Ao saltar na Estação Central fiquei espantado com a multidão que ali se via; e mais ainda, quando consegui encontrar meu irmão Júlio Azevedo. Tomou-me ele pela mão e levou-me para o Hotel Caninana, ali perto, na rua da Lagoinha, onde passava, pelo meio, o trem (...)
Moça pobre mas vaidosa, Fortaleza ensaiava os primeiros passos nos caminhos do comércio internacional, passando da renda de almofada para a renda francesa (...). Pobrezinha descalça, ainda, mas já sonhando com os primeiros calçados de pedra - o calçamento desigual e áspero, prenunciando as ricas futuras sandálias de asfalto... (AZEVEDO: 39-42)

Na primeira parte do livro " A cidade e as lembranças" o autor discorre sobre as praças, bibliotecas, livrarias, avenidas, árvores, cemitérios e igrejas. Essa topofilia registrada pelo artista consiste em espaços que ainda se mantém na geografia da cidade. na segunda parte são "Os tipos populares" que dominam a narrativa do memorialista, descritos com carinho a partir de algumas das suas peculiaridades; eles também figuras que constituem a identidade cultural da cidade. O autor dedica a terceira parte do livro aos "poetas e prosadores", enquanto a quarta e última parte é denominada de "os pintores". Nas duas últimas partes aproximam-se literatura e artes plásticas, duas partes constitutivas do homem Otacílio de Azevedo, que soube lidar com ambas com incrível sensibilidade e maestria, tal qual um "artista anfíbio".



No que diz respeito às edições do Fortaleza descalça, a primeira foi publicada no ano de 1980, ou seja, dois anos após a morte do poeta. Trata-se de uma edição produzida pela Universidade Federal do Ceará - UFC e a Prefeitura Municipal de Fortaleza. A segunda edição (tiragem especial, de 1992) foi publicada pela Universidade Federal do Ceará - UFC, patrocinada pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, e pelo Banco do Estado do Ceará. Na ocasião foram impressos 500 exemplares destinados à Fundação de Cultura e Turismo de Fortaleza. A terceira edição, de 2012, traz nota editorial de Raymundo Netto e texto introdutório de Angela Gutiérrez,  seguido de texto de Otacílio Colares e antelúdio, de José Valdivino. A terceira edição traz ilustrações dos escritores e pintores que constam na obra feitas pelo próprio Otacílio de Azevedo. Grande parte das imagens foi cedida por Sânzio de Azevedo, enquanto as fotografias foram cedidas por Nirez, ambos filhos do autor.

Independentemente da área que se pesquise, se o assunto é a cidade de Fortaleza, o livro de Otacílio de Azevedo é leitura mais que obrigatória.






       







domingo, 4 de maio de 2014

A POESIA DE WISLAWA SZYMBORSKA


Houve um tempo em que conseguir um livro de um autor estrangeiro, no Brasil, demandava tempo e paciência. Na melhor das hipóteses, ficava-se esperando que um conhecido viajasse para que se pudesse encomendar, entre outras coisas, livros. As coisas,pelo menos algumas delas, mudaram. Assim, hoje já é possível ler autores estrangeiros, traduzidos ou no original, com uma simples ida a livraria mais próxima ou encomendá-los via internet e aguardá-los em casa. Penso nisso enquanto leio Poemas (2011), da escritora polonesa Wislawa Szymborska (pronuncia-se algo como Vissuáva Chembórska).

Wislawa Szymborska
Conforme o prefácio de Regina Przybycien, a referida autora nasceu no ano de 1923, no vilarejo de Bnin, hoje parte de Kórnik, uma pequena cidade próxima a Poznán. Em 1931, continua Przybycien, a família mudou-se para Cracóvia, onde a poeta vive desde então. de 1945 a 1948, estudou literatura e sociologia na Universidade Iaguielônica de Cracóvia, mas não chegou a se formar. Casou-se em 1948 com o poeta Adam Wlodek, de quem se divorciou em 1953. Ainda conforme o prefácio de Regina Przybycien, não se sabe muito sobre a vida privada da poeta, uma vez que ela não se coloca no papel de celebridade literária, dessas que aparecem na televisão e opinam sobre os mais diversos assuntos. Também não gosta de dar entrevistas. Uma vez declarou: "Minha vida está nos meus versos".  E é dessa autora, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 1996, que a Companhia das Letras publicou em 2011 a obra Poemas com seleção, tradução e prefácio da professora Regina Przybycien e orelhas de Nelson Ascher.

Sobre a autora e sua obra, Nelson Ascher afirma:

(...) a polonesa Wislawa Szymborska sempre escreveu pouco. Beirando os noventa anos, toda sua produção, que cabe num volume relativamente pequeno, pode ser lida em um dia ou dois, mas requer tempo para ser de fato apreciada. E isso não porque ela "escreva difícil", pois, para os poetas poloneses nascidos no entreguerras, quando seu país ressurgiu da ruína de três impérios, não havia crime maior que o hermetismo, a obscuridade. Pelo contrário, seus versos,que, lúcidos e acessíveis, nunca recorrem a referências esotéricas e a passes verbais de mágica, desdobram-se quase como equações lógicas cuja argumentação pode ser acompanhada por qualquer um.Nem por isso se trata de uma poesia fácil, no sentido de feita com facilidade. Sua arte, que é a da contenção, da economia e da reticência, pressupõe, em cada poema, uma intencionalidade meticulosamente pensada e, portanto, uma prolongada gestação.  A polonesa só escreve seus poemas necessários e os escreve apenas uma vez, vale dizer, ela inventa procedimentos novos para cada um deles e não os repete nem os converte, como fazem bardos menores, em matriz xerográfica de dúzias de poemas similares. (ASCHER:2011) 

E continua o crítico:

Foi em polonês que se escreveu a melhor poesia  dos últimos cinquenta ou sessenta anos, e, pelas mãos de Szymborska, a geração de poetas que testemunhou a Segunda Guerra e o Holocausto, a ocupação nazista e a tirania comunista mostrou como a sanidade e a lucidez podem brotar da terra arrasada. (ASCHER: 2011)

Comprometida em produzir uma obra que privilegie a qualidade, em quase seis décadas de poesia, a autora publicou muito pouco, Sua obra pode ser resumida a não mais que uma centena de poemas, constituindo até então uns doze pequenos volumes. São eles: Por isso vivemos (1952), Perguntas feitas a mim mesma (1954); Chamando por Yeti (1957); Sal (1962); Muito divertido (1967); Todo caso (1972); Um grande número (1976); Gente na ponte (1987); Fim e começo (1993); Instante (2002); Dois pontos (2005) e Aqui (2009).


 A edição sobre da qual tratamos aqui, contempla poemas das obras de 1957, 1962, 1967, 1972, 1976, 1987, 1993 e 2002. A primeira parte da obra está em português e a segunda traz poemas  originais em polonês. Todas as traduções referidas aqui são de autoria da professora Regina Przybycien.

A boa poesia não carece  ser explicitada por meio de termos complexos, herméticos. Ao contrário, é a utilização do simples que pode fazer com que uma poesia diga tudo aquilo que deve ser dito sem que seja eruditamente prepotente. Sabedora da vida e conhecedora dos meandros do fazer poético, Szymborska concatena simplicidade e leveza na construção da sua poesia. Citado por Przybycien, Malgorzata Baranowska define o senso de humor da poeta como "uma combinação de um paradoxo filosófico muito refinado com uma linguagem extremamente simples, cheia de expressões do cotidiano. Seria esse então o segredo do sucesso da poesia de Szymborska? Mas, tendo em vista as questões políticas polonesas, onde estaria na poesia dessa autora seu estar-no-mundo?

Como dito, a poesia da autora polonesa é marcada pela simplicidade do cotidiano. Contudo, não se trata de uma poesia panfletária. E assim sendo, do seu locus a poeta vê sua aldeia, mas também vê o mundo; abordando a política e a situação da mulher na contemporaneidade. Dessa forma, o simples e complexo se entrelaçam na denuncia que a poeta faz da opressão, da tortura, da utopia, da pornografia... do nosso tempo. Poemas, Wislawa Szymborska é leitura obrigatória para todos aqueles que anseiam pela simplicidade de grandes poemas.