Em crônica do dia 08 de
setembro de 1991, o escritor Moreira Campos (1914 -1994) dizia: “Estorvo, que acabei de ler, é o recente
livro de Chico Buarque. Livro confuso, a que falta certo andamento lógico.
Ficam conosco muitas indagações. Dá-nos a impressão de um casaco mal
costurado...”. E por ai vai. O autor de Dizem
que os cães veem coisas (1987) tinha completa razão. Contudo, o “mal
costurado” do romance em questão estava em consonância com os estilos de
escrita proporcionados pela literatura de viés pós-moderno, ou seja, a desordem
observada no romance Estorvo (1991) é,
na verdade, sua ordem. Ao final do seu texto, Moreira Campos afirma: “diga-se,
ainda, por honestidade, que, seja lá qual for o caos, o livro prende” (2013:359-360).
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg21_9zX7x_vI_8oeD6PDs8mkjVPJkb1mTf3lInUIZ0JMg-15euETkh-8v8bC74_LQj79t4qUWLazbi4k9S2kmPbjEg4IVvXMFrAmZW3hwkdCA2G31Ms-LyJwC8ztHRbFiNWlVqbS4hHmk/s1600/chico+buarque.jpg)
O
irmão alemão, publicado pela Companhia das Letras, está
dividido em dezessete capítulos. Ao final, traz uma informação sobre Sérgio
Günther, o irmão alemão de Chico Buarque, uma nota explicativa do próprio autor,
uma foto de Sérgio Günther, uma reprodução da propaganda dos cigarros Problem, além da reprodução de um
documento enviado da Alemanha a Sergio de Hollander. A ficha catalográfica do
livro, por sua vez, diz tratar-se de um romance brasileiro, logo, ficção. Isso é por demais relevante, pois, mesmo Chico
Buarque tendo tomando um assunto de família (um fato) e o transformado em
matéria literária na composição do seu trabalho, isso não torna seu romance
autobiográfico. Logo, não se deve confundir Francisco de Hollander com
Francisco Buarque de Holanda, embora realidade e ficção se embaralhem na
constituição da referida narrativa.
Toda a narrativa
desenvolvida por Chico Buarque em O irmão
alemão tem como ponto de partida a história de Sergio Günther, filho de
Sérgio Buarque de Holanda e Anne Ernst (não há certeza quanto ao nome exato de
Anne, conforme p.227), nascido em Berlim no dia 21 de dezembro de 1930;
falecendo no dia 12 de setembro de 1981, sem que tenha havido contato dele com
os irmãos brasileiros. A busca pelos detalhes dessa história “perdida” na
História da família Buarque de Holanda é o leitmotiv
dessa cativante narrativa de Chico Buarque. Como todo bom romance, O irmão alemão aponta não apenas para a
busca de Sergio Günther, mas para todo o contexto histórico-cultural universal,
com todos os seus desdobramentos no Brasil. Dessa forma, o romance de Chico
Buarque de Hollanda apresenta-se como um “repositório” de acontecimentos sobre
a Segunda Grande Guerra, liberação sexual, rebeldia juvenil, perseguições
políticas, torturas e desaparecimentos recorrentes durante os regimes
autoritários.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEDQEU4f4CxVFNb1GJYOoLvyll5kFwi2nzRAM6HQGTtV8Q-d_lD3Y43CSD-Ue7WF7Rm-0wVvd3n_FNgO3Hiaupf06HFPtIbErOpMatrzMltaw_fWnU4f4zzWOP-FbD_Ay65xcLOVSh2Jo/s1600/IRMAO-ALEMAO+o+livro.jpg)
Como já dissemos, O irmão alemão pode ser considerado como
um “repositório” da cultura da década de sessenta. Um mosaico em movimento de
uma década que insiste em não terminar, uma vez que há ainda muitos esqueletos
nos armários e tantos corpos por serem encontrados em países como o Brasil. Na
narrativa de Chico Buarque, o amigo e o irmão do narrador desaparecem, tal qual
ocorria nos anos de chumbo. A narrativa chega ao fim sem que saibamos, embora imaginemos,
que destino tiveram. A mãe, Como as mães dos desaparecidos da vida real, chora
e anseia a volta do filho que nunca mais verá. No que diz respeito aos nomes, se
fôssemos fazer uma análise de alguns que habitam a narrativa buarqueana, identificaríamos
nomes que nos parecem homenagens ou, quando não, referências a acontecimentos
históricos e culturais. Assim sendo, o amigo do narrador Ciccio é Ariosto
(Ludovico?), codinome Thelonious (Monk?). E o que dizer de Eleonora Fortunato?
Teria ela algum parentesco com aquele famoso Gregório? A personagem Thelonious,
por si só, dá pano para a construção de outro romance, tendo em vista a riqueza
das tintas com as quais está pintada.
Outro espaço que poderia ser
considerado um círculo dentro do círculo da casa dos Hollander seria a própria
biblioteca, uma biblioteca universal, o próprio mundo. A biblioteca dos
Hollander é outra grande personagem. A espinha dorsal da narrativa. Por muito
pouco ela não toma as rédeas do próprio destino. O autor, no entanto, (quase) consegue
mantê-la em seu lugar secundário na narrativa (secundário?). As descrições,
referências e devaneios sobre os livros daquela biblioteca constituem-se em
outro alto momento da narrativa em questão. Mas não apenas a cultura canônica
(literatura e música especificamente) é ressaltada em O irmão alemão. Por suas páginas passeiam Marlene Dietrich, o Sabonete
Palmolive, os Chicletes Adams, os Beatles, Cassius Clay, Jack Kerouac e Joan
Baez; para ficarmos apenas em alguns.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjvMOFrqozYDmvgnDhc8rns2bQgHbdPO843yFXgc8quYJPEyiA-nJXk0WXYrtu86EkFSpW7Bn-zGyAC0myXHI7_ADAckdED4GLRVm6LU1E2WPOWbQkCWCgLGYnaWAOzfrp185OF0P-AuTw/s1600/Chico+lendo+o+IA.jpg)
Em termos gerais, o romance O irmão alemão, de Chico Buarque é a
confirmação da maturidade literária de um autor, que já sabe como contar os
temas mais áridos de maneira cada vez mais leve, palatável e cativante.
E se o narrador Francisco de
Hollander, o Ciccio, encontra o irmão alemão? Cabe a você, leitor, descobrir.
Boa leitura!
MAIS:
1. CHICO BUARQUE LÊ O IRMÃO ALEMÃO: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2014/11/chico-buarque-le-trecho-de-o-irmao-alemao-seu-novo-romance-assista.html
2. VEJA SERGIO GÜNTHER, O IRMÃO ALEMÃO DE CHICO BUARQUE: http://oglobo.globo.com/cultura/livros/veja-sergio-gunther-irmao-alemao-de-chico-buarque-cantando-no-programa-tele-bz-14571683
3. CAMPOS, Moreira. Porta de academia. Fortaleza: Edições UFC, 2013.