segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

VIVIAN MAIER: UMA FOTÓGRAFA DE RUA


Para Geórgia Carvalho 



Os bons fotógrafos costumam ter olhos para perceber o que a maioria das pessoas nem sequer vê. Isso talvez aconteça por estarem sempre buscando aquilo que, na violenta correria do cotidiano, o homem comum deixa escapar-lhe aos olhos. E assim o é com fotógrafos como Henri Cartier-Bresson (1908 – 2004), Diane Arbus (1923 – 1971), Robert Mapplethorpe (1946 – 2009), Annie Leibovitz, Sebastião Salgado e Vivian Maier (1926 – 2009); por exemplo.

No ano de 2014, foi publicado, no Brasil, pela editora Autêntica, o livro Vivian Maier: Uma fotógrafa de rua, editado por John Maloof e prefaciado por Geoff Dyer. Trata-se de um livro com parte das fotografias de Vivian Maier, uma fotógrafa norte-americana. Da história de Vivian Maier, afirma o livro, muito pouco se conhece. Sabe-se, contudo, que nascera em Nova York no ano de 1926, vindo a falecer aos oitenta e três anos de idade, no ano de 2009. Maier, que aparentemente não tinha família, trabalhou muito tempo como babá e, em seu tempo livre perambulava pelas ruas da cidade, fotografando tudo aquilo que seus treinados olhos apontavam como uma possível grande fotografia. Seus olhos sempre acertavam! Entre o instante do clique e a revelação da fotografia, no entanto, foram-se anos e anos, uma vez que devido sua condição financeira menos favorecida, raramente revelava seus filmes, o que a impedia de compartilhar seu trabalho com outras pessoas. Dessa forma, sua obra foi, por muitos anos, mantida em um guarda-volumes. Por falta de pagamento, a artista perdeu toda sua obra. A publicação do trabalho que a editora Autêntica entrega ao público brasileiro é o resultado das pesquisas de John Maloof, o qual adquiriu em leilão uma caixa com os negativos da fotógrafa, tendo sido o referido trabalho publicado, primeiramente no ano de 2011, nos Estados Unidos.  Desde então, Maloof coleciona, divulga e promove a obra da artista.

As suas primeiras dez mil fotografias, adverte Cartier-Bresson, serão suas piores. Provavelmente conhecedora do que afirmava o grande mestre da fotografia, Maier tirou mais de cem mil fotografias entre os anos de 1950 e 1990. E, podemos apostar, que, de todas, dificilmente haverá dez mil piores. Se é que há alguma “pior”. As fotos de Maier contemplam não apenas os Estados Unidos (especificamente Nova York e Chicago) e a França, mas vários outros países. Uma vez que os Estados Unidos viviam sua era dourada do pós-guerra, as imagens capturadas pelas lentes de Vivian Maier retratam a vida urbana norte-americana como bom humor e sensibilidade, sem, no entanto, ignorar os “losers” que já se avolumavam nas calçadas e subúrbios das grandes metrópoles, impedidos de compartilhar do sonho americano. A fotografia de Vivian Maier é, assim, um registro histórico da sociedade norte-americana em ascensão.


Vemos o mundo do pós-guerra pelos olhos de Maier, mas não podemos nos enganar e acreditar que vemos o que ela realmente viu. Uma fotografia, disse Diane Arbus, é um segredo sobre um segredo. Quanto mais ela te conta, menos você sabe. Vivian Maier quase passou despercebida por toda sua existência. Para ela, isso não teria sido um problema, uma vez que achava que “nós temos de dar lugar a outras pessoas. É uma roda: você embarca. Você vai até o fim, e então alguém tem a mesma oportunidade de ir até o fim; e assim por diante, e outra pessoa toma o lugar dela. Não há nada de novo sob o sol” (p.15).





Na apresentação à edição nacional, sobre Vivian Maier e sua obra, John Maloof afirma:

Vivian Maier tinha um interesse profundo pelo mundo ao seu redor. Começou a fotografar por volta de 1950 e continuou a fazer instantâneos até o final da década de 1990, deixando um conjunto de trabalhos que compreende mais de cem mil negativos. Populares idosos reunidos no antigo reduto polonês de Polish Downtown, nobres senhoras vestidas com espalhafato e a experiência do afro-americano urbano; tudo atraia a lente de Maier. Seu gênio se estende a uma série de filmes caseiros e gravações de áudio. Um pouco de cultura norte-americana, a demolição de marcos históricos para a construção de novos empreendimentos, as vidas invisíveis dos oprimidos e desvalidos, assim como cenas de algumas das localidades mais estimadas de Chicago são temas continuamente revisitados por Maier (...). (Maloof, 2011:5)

Geoff Dyer, por sua vez, diz:

Vivian Maier representa um caso extremo de descoberta póstuma; de alguém que existe unicamente nas coisas que viu. Maier não apenas era totalmente desconhecida no mundo da fotografia, como ninguém parecia sequer saber que ela tirava fotos. Embora isso pareça infausto, talvez até cruel – sintoma ou efeito colateral do fato de que ela nunca se casou nem teve filhos e, aparentemente, não tinha amigos próximos -, também diz algo sobre o desconhecido potencial de todos os seres humanos. Como Wislawa Szymborska escreve sobre Homero em seu poema “Census”: “Ninguém sabe o que ele faz em seu tempo livre” (...). (Dyer, 2011:8)



Afirmar, no entanto, que Maier só existe nas coisas que viu é incorrer em um enorme equívoco, uma vez que a artista, enquanto babá profissional, também se manterá eternamente na memória daquelas pessoas que ajudou a criar. Outro equívoco que observamos no texto de Dyer é quando diz que: “Há uma inevitável pungência em como Maier era atraída por senhoras de idade, que servem como representações proféticas de seu próprio destino: solitária, de aparência excêntrica, embrulhada em sobretudos, abrigando o segredo de uma vida inteira, intuído pela dádiva do escrutínio momentâneo da câmera”. Observando-se as fotografias publicadas em Vivian Maier: Uma fotógrafa de rua, temos a certeza de que Dyer opta, obtusamente, por ver o “psicológico”, quando o que abunda em Maier é o social. A fotografia de Maier, no entanto, não carece de conceituações, sejam elas quais forem. A fotografia de Maier é livre; anda pelas ruas. Tem vida própria .É universal, plural e, ao mesmo tempo, única.




Para saber mais, documentário: Finding Vivian Maier:
http://www.vivianmaier.com/film-finding-vivian-maier/



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