Para Geórgia Carvalho
Os bons fotógrafos costumam ter olhos para perceber o que a maioria das pessoas nem sequer vê. Isso talvez aconteça por estarem sempre buscando aquilo que, na violenta correria do cotidiano, o homem comum deixa escapar-lhe aos olhos. E assim o é com fotógrafos como Henri Cartier-Bresson (1908 – 2004), Diane Arbus (1923 – 1971), Robert Mapplethorpe (1946 – 2009), Annie Leibovitz, Sebastião Salgado e Vivian Maier (1926 – 2009); por exemplo.
No ano de 2014, foi
publicado, no Brasil, pela editora Autêntica, o livro Vivian Maier: Uma fotógrafa de rua, editado por John Maloof e
prefaciado por Geoff Dyer. Trata-se de um livro com parte das fotografias de
Vivian Maier, uma fotógrafa norte-americana. Da história de Vivian Maier,
afirma o livro, muito pouco se conhece. Sabe-se, contudo, que nascera em Nova
York no ano de 1926, vindo a falecer aos oitenta e três anos de idade, no ano
de 2009. Maier, que aparentemente não tinha família, trabalhou muito tempo como
babá e, em seu tempo livre perambulava pelas ruas da cidade, fotografando tudo
aquilo que seus treinados olhos apontavam como uma possível grande fotografia.
Seus olhos sempre acertavam! Entre o instante do clique e a revelação da
fotografia, no entanto, foram-se anos e anos, uma vez que devido sua condição financeira
menos favorecida, raramente revelava seus filmes, o que a impedia de
compartilhar seu trabalho com outras pessoas. Dessa forma, sua obra foi, por muitos anos, mantida em um
guarda-volumes. Por falta de pagamento, a artista perdeu toda sua obra. A
publicação do trabalho que a editora Autêntica entrega ao público brasileiro é o resultado das pesquisas de John Maloof, o
qual adquiriu em leilão uma caixa com os negativos da fotógrafa, tendo sido o referido trabalho publicado, primeiramente no ano de 2011, nos Estados Unidos. Desde então,
Maloof coleciona, divulga e promove a obra da artista.
As suas primeiras dez mil
fotografias, adverte Cartier-Bresson, serão suas piores. Provavelmente conhecedora do que
afirmava o grande mestre da fotografia, Maier tirou mais de cem mil fotografias
entre os anos de 1950 e 1990. E, podemos apostar, que, de todas, dificilmente
haverá dez mil piores. Se é que há alguma “pior”. As fotos de Maier contemplam
não apenas os Estados Unidos (especificamente Nova York e Chicago) e a França,
mas vários outros países. Uma vez que os Estados Unidos viviam sua era dourada
do pós-guerra, as imagens capturadas pelas lentes de Vivian Maier retratam a
vida urbana norte-americana como bom humor e sensibilidade, sem, no entanto,
ignorar os “losers” que já se avolumavam nas calçadas e subúrbios das grandes
metrópoles, impedidos de compartilhar do sonho americano. A fotografia de
Vivian Maier é, assim, um registro histórico da sociedade norte-americana em ascensão.
Vemos o mundo do pós-guerra
pelos olhos de Maier, mas não podemos nos enganar e acreditar que vemos o que
ela realmente viu. Uma fotografia, disse Diane Arbus, é um segredo sobre um
segredo. Quanto mais ela te conta, menos você sabe. Vivian Maier quase passou
despercebida por toda sua existência. Para ela, isso não teria sido um
problema, uma vez que achava que “nós temos de dar lugar a outras pessoas. É
uma roda: você embarca. Você vai até o fim, e então alguém tem a mesma
oportunidade de ir até o fim; e assim por diante, e outra pessoa toma o lugar
dela. Não há nada de novo sob o sol” (p.15).
Na apresentação à edição nacional, sobre Vivian Maier e sua obra, John Maloof afirma:
Vivian
Maier tinha um interesse profundo pelo mundo ao seu redor. Começou a fotografar
por volta de 1950 e continuou a fazer instantâneos até o final da década de
1990, deixando um conjunto de trabalhos que compreende mais de cem mil
negativos. Populares idosos reunidos no antigo reduto polonês de Polish
Downtown, nobres senhoras vestidas com espalhafato e a experiência do
afro-americano urbano; tudo atraia a lente de Maier. Seu gênio se estende a uma
série de filmes caseiros e gravações de áudio. Um pouco de cultura
norte-americana, a demolição de marcos históricos para a construção de novos
empreendimentos, as vidas invisíveis dos oprimidos e desvalidos, assim como
cenas de algumas das localidades mais estimadas de Chicago são temas
continuamente revisitados por Maier (...). (Maloof, 2011:5)
Geoff Dyer, por sua vez,
diz:
Vivian
Maier representa um caso extremo de descoberta póstuma; de alguém que existe
unicamente nas coisas que viu. Maier não apenas era totalmente desconhecida no
mundo da fotografia, como ninguém parecia sequer saber que ela tirava fotos. Embora
isso pareça infausto, talvez até cruel – sintoma ou efeito colateral do fato de
que ela nunca se casou nem teve filhos e, aparentemente, não tinha amigos
próximos -, também diz algo sobre o desconhecido potencial de todos os seres humanos.
Como Wislawa Szymborska escreve sobre Homero em seu poema “Census”: “Ninguém
sabe o que ele faz em seu tempo livre” (...). (Dyer, 2011:8)
Afirmar, no entanto, que Maier só existe nas coisas que viu é incorrer em um enorme equívoco, uma vez que a artista, enquanto babá profissional, também se manterá eternamente na memória daquelas pessoas que ajudou a criar. Outro equívoco que observamos no texto de Dyer é quando diz que: “Há uma inevitável pungência em como Maier era atraída por senhoras de idade, que servem como representações proféticas de seu próprio destino: solitária, de aparência excêntrica, embrulhada em sobretudos, abrigando o segredo de uma vida inteira, intuído pela dádiva do escrutínio momentâneo da câmera”. Observando-se as fotografias publicadas em Vivian Maier: Uma fotógrafa de rua, temos a certeza de que Dyer opta, obtusamente, por ver o “psicológico”, quando o que abunda em Maier é o social. A fotografia de Maier, no entanto, não carece de conceituações, sejam elas quais forem. A fotografia de Maier é livre; anda pelas ruas. Tem vida própria .É universal, plural e, ao mesmo tempo, única.
Para saber mais, documentário: Finding Vivian Maier:
http://www.vivianmaier.com/film-finding-vivian-maier/
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