segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

PORTA DE ACADEMIA


Moreira Campos (1914 - 1994)
O ano de 2013 não foi dos piores em se tratando de publicações literárias. Entre livros sobre dragões, anjos, monstros, vampiros e outras absurdetes; até que apareceram coisas boas, gostosas de se ler. De todas elas,  Porta de Academia (2013), de Moreira Campos, tornou-se a menina dos meus olhos. Moreira Campos (1914 - 1994) é uma referência na literatura brasileira, principalmente como contista. Nenhum bom leitor de contos pode desconhecer o magistral texto Dizem que os cães vêem coisas, apenas para ficarmos em uma das suas pérolas.Como se isso não bastasse, o homem criado às margens do rio Salgado, também escreveu poesias e, de 1987 até 1994, ano de sua morte, manteve uma coluna no caderno Fame do jornal O Povo,de Fortaleza, Ceará. 

O caderno Fame era editado pelo colunista social Lúcio Brasileiro, autor do convite para que Moreira Campos assumisse a responsabilidade pelo canto de página do referido caderno. Deduzimos que nosso contista maior teve que se adaptar, como diz Gilmar de Carvalho na apresentação do livro, ao tempo nervoso do jornal. E embora costumasse reclamar do pouco espaço da coluna, tinha total liberdade para escrever sobre o que bem quisesse. As reclamações deviam ser da boca pra fora, uma vez que um contista como ele, bem sabia das clarezas e objetividades requeridas pelo conto. Por qual razão deixar pendurada na parede uma espingarda que não será disparada no conto, perguntava Tchekhov. E nosso Moreirinha sabia muito bem disso. Como Rimbaud, já havia lido todos os livros!

E assim a coluna andou até o dia em que nosso autor foi convocado para conhecer outros mundos, deixando o plano terreno no ano ano de 1994, tendo publicado sua coluna até março do mesmo ano. Outra porta se abria para o autor de Os doze parafusos. Sobre o termo "porta", o autor escreve no dia 15 de julho de 1990. Diz ele que uma aluna do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará o entrevistou, solicitando-lhe uma definição para a palavra "porta". E eis o que respondeu o autor: " Definir é perigoso, sobretudo se se trata de coisas simples, corriqueiras, comuns. Quem me dirá, por exemplo, com precisão, o que é um palito de fósforo ou um prato? Que é o fogo ou a escuridão, em poucas e convenientes palavras? A porta pode ter significados vários, objetiva e metaforicamente. Será interdição, se fechada; caminho livre, liberdade, se aberta; até mistério, se entreaberta...". E é nesse tom que se dão os textos que agora no veem a lume.

Porta de Academia foi o vencedor do Prêmio Otacílio de Azevedo de Reedição,um iniciativa do Governo
do Estado do Ceará, através da Secretaria de Cultura. A edição da qual tratamos, foi coordenada pela profª. Neuma Cavalcante, com organização, introdução e notas de Isabel Gouveia Ferreira Lima. A referida obra foi publicada pelas edições UFC, e o texto de apresentação é da autoria de Gilmar de Carvalho. Trata-se de um trabalho primoroso desde a imagem da capa, aos textos, é claro, ao papel e a diagramação. Esse trabalho está à altura do autor e nos dignifica enquanto leitores, apreciadores da obra de Moreira Campos.

As crônicas (tomo a liberdade de classificá-las assim, pois o são!) abordam os mais variados assuntos. São textos de comentários gerais, perfis de escritores, artistas e pessoas próximas ao autor; bem como notas, anedotas, efemérides, narrativas, relatos autobiográficos, arte literária e divulgação de eventos. E é com reconhecida mestria que o autor de A grande mosca no copo de leite discorre sobre tudo isso sem se descuidar do público para quem o caderno era voltado e, muito menos, sem se descuidar do trato com a língua, seu grande bem.

Através das crônicas de Moreira Campos, podemos ver o mundo pelos olhos do escritor. Podemos sentir suas angústias, suas alegrias, suas revoltas e sua indignação. Pelas crônicas de Moreira Campos, podemos ver não um mundo, mas vários.  E se esticarmos bem os ouvidos, talvez até consigamos ouvir o plec plec das teclas da sua velha máquina de escrever, enquanto vemos a fumaça do seu cigarro se esvair numa nuvenzinha que passa sabe-se lá onde.


Serviço: O livro está à venda na lojinha das edições UFC, no Centro de Humanidades da UFC.

domingo, 29 de dezembro de 2013

RUBBER SOUL NA CONCHA ACÚSTICA

Foto: Geórgia Cavalcante Carvalho
Entre os inúmeros ditados imbecis que as elites políticas desse país criaram para nos convencer, e que são repetidos como mantras,  está um que diz: "só damos ao povo aquilo que o povo gosta". É claro que nem o mais puro dos dementes conseguiria concordar com tamanho absurdo, uma vez que o povo gosta muito de dinheiro, mas ninguém sai por ai dando dinheiro ao povo. Incutido nesse mesmo ditado, há a questão de que "gosto não se discute". E eu me pergunto de onde é que tiraram tamanha besteira! Tudo na vida se discute. Uma sociedade que não discute, não questiona e não se mostra apta ao debate; caminha torta, não guache, com destino ao caos da eterna ignorância. E isso, para muitos desses "ilibados" nomes que constituem a elite casa-grande e senzala da nossa pátria de gastas chuteiras, é por demais importante. Se ao contrário fosse, os lucros seriam menores e o nosso Estado seria Nação.

As palavras que aqui vão, não objetivam aprofundamentos outros, mas a discussão daquilo que se oferece ao povo a cada final de ano. E eis que não pretendo nem discutir os exorbitantes valores que os governos pagam a determinados "artistas", para que possam "encantar" seus eleitores durante as festividades de réveillon. Dizem alguns, que se o "artista" for amigo do governante, melhor será seu cachê. São os chamados artistas sempre governo, os quais deixariam Walter Benjamim de cabelos em pé. Mas é claro que, nem de longe, eu (nem você) deva acreditar que isso possa acontecer sob o manto da nossa emergente democracia. Crer em tal coisa, seria desacreditar de muitas outras. Dos nossos nobres representantes políticos, inclusive. 

Foto: Carlos Carvalho
Mas, no que diz respeito às festas milionárias e de péssimo gosto (gosto se discute, sim!) que tomam conta dos país quando chega o final do ano, quero dizer que tudo poderia ser diferente, ou seja, que muitos dos talentosos artistas que abundam país afora poderiam dar shows de altíssima qualidade por valores bem mais módicos e menos onerosos aos cofres públicos e que não deixariam nada a desejar  ao mais exigente dos contribuintes. Falo isso, tomando como referência o show da banda cearense Rubber Soul, cover  dos Beatles, que na noite do dia 28/12/13 lotou a Concha Acústica da Universidade Federal do Ceará. Em seu repertório, é claro, Beatles. Na plateia, homens, mulheres e crianças, muitas crianças. Incidentes? Nenhum. Se no espaço da Reitoria da UFC já havia um mundo de gente, todo seu entorno também  estava tomado por pessoas ávidas por um bom show, um espetáculo de final de ano onde todos pudessem se divertir sem medo de terem seus ouvidos agredidos ou seus pertences afanados. O show promovido pelo programa Frequência Beatles, tendo à frente o jornalista Nelson Augusto, da FM Universitária da UFC, já é um marco na cidade de Fortaleza. 
Foto: Geórgia Cavalcante Carvalho

O próximo já ficou agendado para o dia 27/12/14 às 18 horas. Se a beleza, a alegria e a confraternização desse show poderiam ser tomados como exemplos e pensados em nível macro para a cidade de Fortaleza? Claro que sim! Mas a quem interessa distribuir pérolas ao povo, quando se pode distribuir pão velho e um pouco do pior dos circos? A resposta, meu amigo, diz aquele velho bardo, está por ai, soprando pelo vento.


sábado, 28 de dezembro de 2013

IV COLETÂNEA DE CONTOS SESC



Excetuando-se os autores canônicos, os bem relacionados, os que podem pagar ou os medalhões da literatura brasileira; os meros mortais que desejam publicar seus trabalhos precisam aguardar os editais do governo ou ansiar pelos prêmios e concursos que vez ou outra aparecem por ai. Esses prêmios e concursos, quando surgem, geralmente pecam pela qualidade das impressões das obras, pela demora em entregar o prêmio (quando é em dinheiro é uma miséria!) e até pela divulgação dos trabalhos participantes. Não falamos aqui, é claro, dos grandes prêmios que ocorrem em nível nacional, como o Jabuti, por exemplo, mas de prêmios mais locais, como aqueles lançados por governos estaduais, municipais, associações e universidades privadas, para ficarmos apenas em alguns. Longe de condená-los, digo sim, que são importantes e necessários como oportunidade para novos (veteranos também) autores mostrarem seus trabalhos. Se assim não o fosse, talvez o resto do Brasil nem tivesse conhecido o poeta Francisco Carvalho, uma vez que ao vencer o Prêmio Nestlé de Literatura, teve seu nome divulgado aos quatro cantos do país. A não ocorrência disso, também não teria impedido esse homem de ter sido o grande poeta que se tornou, detentor de uma das obras poéticas mais significativas da literatura brasileira.

Vencer um desses concursos não implica dizer que o autor, da noite para o dia, se tornará conhecido de todos e venderá absurdos de livros (nunca na história desse país!). Isso não ocorre, nem ocorrerá se não houver uma logística de divulgação, coisa que não interessa às editoras e livrarias, que preferem apostar, com raríssimas exceções, nos mesmos velhos nomes de sempre. Alguns deles, escrevendo as mesmas coisas de sempre, para os mesmos leitores de sempre. E assim, aos trancos e barrancos, o Brasil dá no que dá.

Serviço Social do Comércio - SESC, no entanto, tem dado sua contribuição ao manter, entre outros, seus concursos literários, premiando e divulgando o trabalho de novos autores. E eis que sai do forno, bem quentinha, a IV Coletânea de Contos, organizada pelo SESC Crato, no Ceará. O concurso é realizado a cada dois anos, e para a edição de 2012 foram selecionados dez contos de grande qualidade literária, contando com a apresentação da escritora Ana Miranda.

Os contos vencedores dessa IV edição foram: A pasta azul, de Silas Falcão; As pupilas de Safo, de Lorena Kelly; O escritor de guardanapo, de Raphael Alves; Catedral, de Geórgia Cavalcante; Irretocável, de Sibéria Carvalho; O carrasco, de Francisco Alves Rocha; O testamento, de Cícero Eduardo; Profundamente, de Paula Izabela A. Alves; Ramirez, de Nataly Pinho Chaves e Seu Dé, de Ricardo da Costa Campos.

As narrativas presentes na IV Coletânea de Contos do Sesc Crato trazem as mais variadas temáticas, produzidas com a clareza e objetividade necessárias ao conto. E assim, tal qual posto por Edgar Allan Poe em sua Filosofia da Composição (1846), podemos ler cada uma dessas narrativas de uma só sentada, sem perdemos o que cada uma delas se propõe. Mas não caiamos na ingenuidade de acharmos que são narrativas sem aprofundamento, pois não o são; haja vista todo o aprofundamento existencial observado no conto Catedral, de Geórgia Cavalcante, por exemplo. E dessa forma, convém relembrarmos a teoria do iceberg que, embora recorrentemente usada como aplicação para a compreensão do conto hemingwayniano, também pode ser aplicada aos contos que compõem a coletânea em questão, ou seja, o bom conto é como um iceberg que enquanto mostra apenas sua ponta, esconde um todo gigantesco embaixo da água. E triste daquele leitor que ao ver apenas "a ponta" do conto, acredite estar compreendendo o seu todo.

Sobre a diversidade de temáticas presentes na IV Coletânea de Contos do Sesc, convém reproduzirmos o que observa Ana Miranda: " Mesmo com toda essa diversidade, o que vemos, no conjunto desses contos, é uma predominância da vida urbana e da realidade contemporânea, os apelos da imaginação e o fascínio da brincadeira das palavras. E, dentro das tendências do conto contemporâneo, a eleição do instante e da situação em detrimento da anedota (...)".

A IV Coletânea de Contos do SESC já está circulando por ai.  Daqui, desejo uma boa leitura a todos aqueles que ainda se deixam encantar com palavras que falam de amor, de vida e de tudo o mais que cabe no escopo dessas duas palavrinhas.










domingo, 22 de dezembro de 2013

I SIMPÓSIO SOBRE LITERATURA CEARENSE

                                     
Um grande amigo meu costuma dizer que: "de onde menos se espera é daí que não sai nada mesmo". A máxima pode até ser exagerada, mas não é mentirosa. E no bojo dessa consideração poderia-se muito bem inserir a maneira como a Literatura Cearense tem sido tratada nos cursos de letras das universidades do Ceará. É claro que falo aqui, especificamente, das universidades públicas, uma vez que as privadas já fecharam seus cursos de licenciatura, entre eles, Letras, pois não dão status, muito menos dinheiro. Para alguns, as humanidades são coisas para ociosos!

O descaso com a literatura cearense nas nossas cercanias é de indignar mas, convenhamos, só surpreende aos desavisados, uma vez que por essas bandas não se dá muito valor ao que diz respeito à cultura. Prédios históricos são demolidos na calada da noite, pesquisadores são ridicularizados e artistas vivem a mercê de míseros editais de fomento lançados quando da "boa vontade" desse ou daquele governante sempre preocupado com a obra da sua vida, monstrengos de cimento e pvc, pagos com o dinheiro do contribuinte, que nem de longe é inocente, mas conivente com os desmandos dos seus representantes. E a Academia, que tem por obrigação discutir de tudo um muito, parece que também se rendeu à estagnação política dominante mundo afora. No que diz respeito aos cursos de letras das universidades estaduais, há uma certa letargia no que concerne ao estudos das obras de autores cearenses, excetuando-se um ou outro projeto de pesquisa. E enquanto discutem-se autores e teóricos pra lá de alienígenas, os autores locais ficam relegados ao esquecimento. E esse posicionamento de colonizado nos cobra um preço muito alto, que em muito pouco tempo já não teremos mais como pagar.

Mas eis que a determinação de uns poucos parece surgir como uma luz no fim do túnel. E assim sendo, a organização do X Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários inseriu na sua programação de 2013, o I Simpósio Sobre Literatura Cearense, ocorrido no período de 10 a 13 de dezembro de 2013, no Campus do Benfica, da Universidade Federal do Ceará. A inserção do referido simpósio objetivava a discussão e o debate acerca de um assunto já quase soterrado por decisões de gabinete, restando-lhe apenas a última pá de cal. E isso talvez não tenha acontecido graças aos tiros disparados pelo escritor Raymundo Netto a partir da sua trincheira no Jornal O Povo. Com isso, o séquito de inimigos dele deve ter aumentado consideravelmente. Mas ele não é homem que se deixe abater pela mediocridade que impera no meio acadêmico cearense. Ele, assim como outros poucos (e eu me incluo), possuem munição suficiente para continuar atirando. A rendição não está em questão.

O importante mesmo é que o evento pensado pela Profª Dra. Odalice de Castro e Silva chega vitorioso à sua décima edição, contando com a presença de inúmeros autores, discutindo os mais relevantes temas não só para a literatura, mas para as artes como um todo. Para onde vai a literatura? foi o tema escolhido para dar nome ao evento e, sob suas asas, abrigar um manancial de palestras, debates, minicursos e comunicações. Na ocasião, tive a oportunidade de discorrer sobre a literatura e o ensino, apresentando a fala intitulada O (des)concerto da prática: a literatura e o ensino entre o poético e o político.

Já tive a oportunidade de participar das outras edições do evento e, digo de coração, que essa décima edição superou todas as minhas expectativas. durante o evento, passaram pelo campus do Benfica nomes como Pedro Lyra, Rinaldo de Fernandes, Pedro Salgueiro, Nilto Maciel, Ronaldo Correia de Brito e Claudio Willer, entre muitos outros.Durante o evento, vários autores lançaram suas obras. A conferência magna de encerramento ficou sob a responsabilidade da escritora Ana Miranda, a qual inundou o auditório Rachel de Queiroz com seu conhecimento, sua cultura, sua simplicidade e seu sorriso. Do além, acredito que Rachel de Queiroz e José Albano sorriam feito meninos a correr lindamente desvairados sob a sombra das mangueiras do bosque Moreira Campos.