sexta-feira, 6 de novembro de 2015

RACHEL DE QUEIROZ E XOSÉ NEIRA VILAS: TERRAS, PALAVRAS E MAR

Rachel de Queiroz
Em tempos em que se discutem novas definições para o que até então temos compreendido pelo termo “fronteira”, a literatura tem atravessado mundos e feito travessias que acabam por aproximar aquilo que por muito tempo se acreditou distantes e inaproximáveis. Nesse ínterim, os estudos pós-coloniais contribuíram para que muitos autores, antes “limitados” a um determinado espaço geográfico-cultural, pudessem ser lidos e apreciados além das suas fronteiras. É claro que isso demandou muito tempo, empoderamentos e estudos, para que se percebesse que todo e qualquer cânone literário não é capaz de dar conta da diversidade de obras e autores existentes.

Xosé Neira Vilas
Por muito tempo seria impensável a existência de um cânone que não contemplasse autores outros que não Dante, Shakespeare, Cervantes, Goethe etc. Mulheres, negros, gays, latinos e outras minorias? Nem pensar. O cânone era necessariamente masculino, branco e europeu. Contudo, os deslocamentos sociais e as narrativas resultantes das diásporas e das novas compreensões culturais e políticas empurraram o mundo literário para fora da sua zona de conforto. Se antes o sertão, por exemplo, era apenas uma definição para  algo “local”; da noite para o dia ele se tornou mundial, não cabendo mais, para qualquer que seja o autor ou a obra, a definição de local ou regional. Tudo o que é produzido hoje está, de uma forma ou de outra, arraigado (ou conectado) no âmago do universal.

O advento da literatura comparada contribuiu em muito para a aproximação das diversas formas de arte. Se no inicio a literatura comparada era, como afirma Tânia Carvalhal (1992), uma forma de investigação literária que confronta duas ou mais literaturas, com o passar do tempo percebeu-se que o bojo dos “estudos literários comparados” era muito mais amplo, tendo-se não apenas a literatura como objeto de análise, mas a literatura e suas relações com outras formas de arte.

Cleudene Aragão
 No Brasil, no entanto, o que tem sido mais recorrente é a análise comparativa entre duas (ou mais) obras literarias, observando o que essas obras trazem em comum entre si ou ainda naquilo que as distancia. Assim, nos chama especial atenção o trabalho escrito pela professora Cleudene de Oliveira Aragão, quando coloca em análise os trabalhos da escritora cearense Rachel de Queiroz (1910 - 2003), lado a lado com as obras do ficcionista galego Xosé Neira Vilas.

Vencedor do Prêmio Osmundo Pontes de Literatura, de 2011, o ensaio Rachel de Queiroz e Xosé Neira Vilas: Vidas feitas de terras e palavras (2012) é um bom exemplo daquilo que pode a literatura comparada. 

Ao discorrer sobre o trabalho de Aragão, Angela Gutiérrez afirma:

Em seu ensaio, construído dentro do melhor uso da teoria e dos instrumentos dos estudos de literatura comparada, a pesquisadora cearense analisa, a partir do delineamento das duas entidades geográficas e culturais – Hispania e Terra Brasilis -, as semelhanças possíveis e as diferenças complementares entre as nações literárias dos dois ficcionistas, representadas pela imagem do quebra-cabeça Brasil, formado por suas regiões distintas, entre elas, o Nordeste de Rachel; e do mosaico Espanha, composto por diferentes comunidades lingüísticas desse país, entre elas, a Galícia de Xosé. (GUTIÉRREZ apud ARAGÃO, 2012: 12)


A respeito do seu trabalho, Aragão afirma:

Rachel de Queiroz e Xosé Neira Vilas, no conjunto de suas obras, brindam-nos com inúmeras possibilidades de análise. Um estudo comparativo de sua produção literária revela grandes pontos de encontro entre as culturas de que são incontestáveis transmissores, permitindo-nos, através dessa comparação, conhecer melhor tanto o Ceará, a Galícia, quanto outras terras (...). (ARAGÃO, 2012:23)

O trabalho de Aragão (2012), por meio dos fabuladores, sejam eles sedentários, migrantes ou artífices, objetiva uma aproximação das obras O Quinze (1930) e Dôra Doralina (1975), de Rachel de Queiroz, com Memorias Dun Neno Labrego (1961) e Querido Tomás (1980), de Xosé Neira Vilas. E assim sendo, de forma magistral, a ensaísta transforma o Atlântico em uma ponte a unir o Ceará e a Galícia por meio de uma literatura que é  toda ela feita de terras e palavras.

O livro se organiza, então, em três grandes capítulos. O primeiro denomina-se de “testemunhas de seu tempo e de seu povo: a cearense Rachel de Queiroz e o Galego Xosé Neira Vilas” (p. 25 – 97), enquanto o segundo chama-se “Vidas feitas de terra e palavra: O Quinze e Memorias Dun Neno Labrego (p.99 – 153). O capitulo terceiro, por sua vez, denomina-se de “Vidas feitas de terra, mar e palavra (p. 155 – 199). O trabalho ainda é enriquecido com imagens dos autores e reprodução das capas das obras analisadas (p. 237 – 241).

Para aqueles interessados nos estudos de literatura comparada ou nos trabalhos de um dos dois autores (de lá ou de cá), o atlântico não constitui mais obstáculo para a apreensão das suas literaturas, uma vez que o ensaio de Cleudene Aragão possibilitou essa desejada aproximação. No mais, é mergulhar no texto e comemorar a eliminação de mais uma fronteira.

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