quarta-feira, 15 de junho de 2016

JOSÉ DE ALENCAR: SÉCULO XXI

José de Alencar
José de Alencar (1829 - 1877) é um clássico. E um clássico, como bem afirma Ítalo Calvino (1923 - 1985), é aquele tipo de livro que a posteridade insiste em não deixar emudecer. Usamos o termo "livro", respeitando a citação de Calvino. Contudo, sabemos que Alencar não é apenas "um livro", mas a representação de todo um sistema que extrapola o literário, abrangendo os campos da Sociologia, Filosofia, História  e Antropologia; entre outros.

Consciente do contexto sócio-cultural no qual estava inserido, Alencar sabia que estava muito à frente do seu tempo, logo, tentava lidar com o "sistema de contrariedades" inerente ao ser humano. Nem sempre conseguia, é claro, mas nem por isso se omitia nas discussões e nos debates que diziam  respeito ao Brasil, naquilo que concernia ao seu povo, sua língua e nacionalidade. Contudo, mesmo antenado com os acontecimentos da sua época, Alencar se recusou a assumir uma posição política de vanguarda quanto à questão da escravidão no Brasil. Tinha suas razões? Certamente que sim. Isso, no entanto, não ameniza sua indiferença quanto a assunto tão relevante para a formação do Brasil, como também não diminui seu talento enquanto autor que erigiu as principais bases para a fundação da Literatura Brasileira. Seja como for, José de Alencar é um clássico que transpõe tempo e espaço, se mantendo como referência para as culturas de língua portuguesa.

Muito se tem falado sobre a dificuldade que as novas gerações demonstram quando se deparam com a leitura dos textos alencarinos, considerando o léxico constituinte da sua obra como hermético, de difícil acesso e dado a excessos descritivos. Isso, obviamente, são fatores que devem ser considerados, contudo, não podem ser tidos como obstáculos para a leitura do referido autor, uma vez que essas mesmas gerações se debruçam sobre os trabalhos de Tolkien ( 1892 - 1973) e Martin (1948 - ), por exemplo; autores que têm obras carregadas dos menos "problemas" apontados na obra de Alencar. O que há então? Talvez nem exista a resposta, mas as respostas, uma vez que ainda não desenvolvemos o "livre pensar" e nos respaldamos em um provincianismo tacanho, que insiste em afirmar que aquilo que é realmente "bom" é tudo o que é produzido para além das fronteiras nacionais. 

Embora curioso e paradoxal tal comportamento, ele vem sendo cunhado e estabelecido na cultural brasileira desde sempre. É o próprio texto alencarino que afirma que, na fundação da nação brasileira, já havendo a terra, o nativo  entraria com a força do trabalho braçal, enquanto o europeu entraria com seu intelecto, haja vista O Guarani ,1857 e Iracema, 1865. Mas o homem, como afirmou Alencar, é um sistema de contrariedades, e foi também por estar envolto nas contrariedades do seu período histórico, que Alencar constrói sua obra monumental. 

E é assim, com o objetivo de discutir a obra de José de Alencar no contexto do século XXI, que veio a lume no ano de 2015, o trabalho intitulado José de Alencar: Século XXI, organizado pelos professores Marcelo Peloggio (UFC), Arlene Fernandes Vasconcelos (UFC) e Valéria Cristina Bezerra (UNICAMP). Publicado pela editora da Universidade Federal do Ceará - UFC, o trabalho é composto por dezoito artigos, escritos por estudiosos da obra do autor cearense, tendo sido organizados em três blocos. O primeiro bloco denomina-se de "História e estética no pensamento de José de Alencar", contando seis artigos. O segundo, "O jogo entre realidade e ficção", traz sete textos, enquanto o terceiro bloco, por sua vez, denominado de "Tradução e recepção crítica", contém cinco artigos. Nesse último bloco, destacamos o artigo "Os homens pacatos não fazem história: José de Alencar, quatro décadas depois do primeiro centenário", de autoria de Odalice de Castro Silva, no qual a autora analisa quadro a quadro os textos presentes em Alencar 100 anos depois. Homenagem da Academia Cearense de Letras ao escritor cearense José Martiniano de Alencar, no centenário de sua morte, publicado pela Academia Cearense de Letras, no ano de 1977. O trabalho conta ainda com a apresentação de Márcia Abreu, da UNICAMP, e com uma nota dos organizadores.

De leitura indispensável, José de Alencar: Século XXI não apenas proporciona novas discussões, como revisita antigas questões acerca da obra do autor de uma das mais relevantes obras da literatura produzida em língua portuguesa. Como dito por Márcia Abreu na abertura do seu texto de apresentação ao referido trabalho, as leituras de José de Alencar no século XXI acabam por colocar autor e obra de volta ao centro e, como sabemos, é do centro que tudo o mais se emana. Boa leitura!

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