domingo, 10 de julho de 2016

NILTO MACIEL ENTRE MACHADOS E PERDIDOS

Os escritores, com raríssimas exceções, gostam muito de conversar. E se as conversas puderem ser acompanhadas de comida e bebida, o que não faltará é assunto. Às vezes os encontros entre escritores são meras reuniões sem a necessidade de aprofundamentos de cunho academicista, o que não impede que, tendo em vista, o nível que se espera daqueles que trabalham com a palavra, discussões aprofundadas acerca de questões universais tomem palco. Um exemplo do que afirmamos, foram as reuniões que congregavam inúmeros escritores e intelectuais na casa, especificamente na biblioteca, do bibliófilo Plínio Doyle (1906 - 2000), no Rio de Janeiro. Por essa razão e por ocorrem sempre aos sábados, as reuniões receberam o apelido de "Sabadoyles". Os encontros daquilo que se convencionou denominar de " o último salão literário do Brasil" começaram como que por acaso, no dia 25 de dezembro do ano de 1964, encerrando suas atividades no ano de 1998. Deles participaram, entre outros, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Pedro Nava e Gilberto Mendonça Telles. 

Reuniões como os "Sabadoyles" são importantes à medida que podem aproximar autores mais jovens daqueles já estabilizados no mercado editorial. Não se deve desconsiderar, contudo, a necessidade de alguns autores em ter, em alguns casos, jovens candidatos a escritores gravitando em sua órbita. Seja lá como for, encontros como aqueles promovidos por Doyle, não constituíam (nem constituem) exceção no mundo literário brasileiro. 

No Ceará, por exemplo, reuniões com o objetivo de reunir jovens (e velhos ?) escritores, costumavam acontecer na casa do escritor Nilto Maciel (1945 - 2014). O referido escritor, quase sempre por intermédio do contista Pedro Salgueiro (ou Sangreiro?), costumava abrir as portas da sua casa, para receber todos aqueles que desejavam trocar umas ideias que fossem acerca da literatura, da vida e, claro, das mulheres. Tudo, como não poderia deixar de ser, acompanhado de uns petiscos, boas doses de cerveja e, para alguns apenas, Whisky. O registro dos encontros de Nilto Maciel com seus colegas escritores está devidamente registrado na obra Como me tornei imortal - Crônicas da vida literária, publicada pela editora Armazém da cultura, no ano de 2013, em Fortaleza. Mais que um "diário de bordo" mantido por um dos autores mais representativos da literatura cearense, a obra em questão consiste em um fonte indispensável para todos aqueles que desejem conhecer a literatura produzida em terras de Alencar.

Como me tornei imortal - Crônicas da vida literária (2013) é composto de uma apresentação, escrita por Paulo Bentancur, seguida de 32 (trinta e duas crônicas).  O volume se encerra com algumas notas sobre o autor. Das trinta e duas crônicas em questão, 28 (vinte e oito) delas são perfis de escritores cearenses vistos pela ótica pra lá de particular do autor de Luz vermelha que azula (2011), quando opta por apresentar tais escritores a partir de características que lhes são bastante peculiares, ou seja, há aqueles escritores que se destacam por sua idiossincrasia sexual, aqueles dados às teorias de perseguição e desconexão discursiva; assim como aqueles (a maioria) que não resistem a uma boa cerveja gelada, não importando a hora ou local.

Nilto Maciel 
Pelo agradabilíssimo e muito bem escrito texto de Nilto Maciel, surgem Moreira Campos, Francisco Carvalho, Sânzio de Azevedo, Raymundo Netto, Carlos Nóbrega, Gilmar de Carvalho e José Alcides Pinto; entre outros. No entanto, nos chama a atenção, que apenas duas escritoras tenham recebido a atenção do cronista. São elas: Tércia Montenegro (p. 96 - 101) e Carmélia Aragão (p. 130 - 133). O que se pode deduzir a partir daí? Que o meio literário cearense ainda é dominado por escritores, ignorando que há uma enorme quantidade de mulheres (Natércia Campos, Ana Miranda, Socorro Acioli, Natércia Pontes, Fernanda Meireles, Vânia Vasconcelos), produzindo excelente literatura ou que o cronista só manteve contato mais próximo com as duas autoras citadas? A questão está posta!

As quatro crônicas que não tratam especificamente de perfis de escritores cearenses são: "Como me tornei imortal" (p. 9 - 12), "Meus amigos pelo Brasil (p. 13 - 17 ), "A velha guarda da literatura cearense" (p. 18 - 22) e "Esse mato baixo" (p. 143 - 147). Com exceção da crônica "Mestre Moreira Campos" (p. 23 - 26), sem data, todas as outras estão datadas, com local (Fortaleza), dia, mês e ano; estando todas compreendidas entre os anos de 2009 e 2011. Dessa forma, 10 (dez) crônicas são do ano de 2009, 08 (oito) de 2010, 01 (uma) sem data e 13 (treze) de 2011; perfazendo um total de 32 crônicas.

Também nos chama atenção que as crônicas da obra em análise não obedeçam uma ordenação cronológica. O que nos causa certo estranhamento, tendo em vista que, além de escritor, Nilto Maciel conhecia, como poucos, os meandros dos processos de edição de um livro. Logo, não nos é claro a razão que levou Maciel, um dos criadores da revista O Saco e membro do grupo Siriará  organizar as crônicas de Como me tornei imortal da seguinte forma: As 03 (três) primeiras crônicas são de 2010. A quarta não traz a data. Da quinta até a nona , 2009. A décima é de 2010. 11ª e 12ª são de 2009. Da 13ª até a 18ª, 2011. As 03 (três) seguintes são de 2010. As outras 03 (três), de 2009. Da 25ª até a 31ª, 2011. A 32ª, fechando o livro, é de 2010.

A ordem pensada por Nilto Maciel, para a composição estrutural das suas "crônicas da vida literária", por mais anárquica que possa parecer, não impede que tenhamos, enquanto leitores, uma compreensão da literatura cearense da segunda metade de século XX pra cá.

Trata-se de um livro leve, proporcionador de deleite e crescimento intelectual do inicio ao fim. Como me tornei imortal - Crônicas da vida literária além de indispensável, já nasceu imortal. Os leitores, os escritores, os pesquisadores e os bares, agradecidos, dizem amém!

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