Lima Barreto (1881 –
1922) está de volta! Na verdade, Lima Barreto sempre esteve por aqui, com seu
olhar arguto, sua pena leve e suas palavras feito faca, pra lá de amoladas.
Lima Barreto é daqueles homens geniais que, por estarem muito adiante do seu tempo,
precisam que se passe muito tempo para que se reconheça sua genialidade.
O autor de Triste fim de Policarpo Quaresma (1911)
morreu aos 41 anos de idade. No pouco espaço de tempo que viveu, Barreto
escreveu muitas das grandes obras da literatura brasileira, entre crônicas,
contos e romances. Na maioria delas a ironia, assim como em Machado de Assis, é
um dos recursos mais presentes. Muito se diz que enquanto Lima Barreto só tinha
olhos para o subúrbio e para seus moradores excluídos, Machado só tinha olhos
para a elite e para os bem-nascidos.
O fato é que não se pode
compreender o Brasil pelo viés da literatura, sem compreender as obras de
Machado de Assis e Lima Barreto, uma vez que elas não se afastam mas, pelo
contrário, se complementam exatamente por inexistir em uma aquilo que abunda na
outra. Enquanto Lima Barreto morria, começava a surgir a parte mais madura da
obra de Machado de Assis, o que nos deixa a pergunta: o que ainda teria
produzido Lima Barreto se tivesse vivido tanto quanto viveu Machado de Assis?
Seja como for, Lima
Barreto partiu. De onde quer que esteja gargalha desbragadamente ao perceber
que a boa e velha República dos Estados
Unidos da Bruzundanga continua do mesmo jeito que era no início da Primeira
República, ou seja, os negros e os pobres continuam excluídos e tratados como
cidadãos de terceira classe, exilados nos subúrbios e periferias. O próprio negro bruzundanguense, como se sabe, não se reconhece
como tal. Os ricos posam de intelectuais e são, na maioria, uma farsa. Montados
em suas pilhas de títulos, os acadêmicos, por sua vez, não conseguem enxergar
um palmo à frente do nariz. São, na verdade, falsas criaturas pensantes. Ignorantes,
corruptos e canalhas são os políticos da Bruzundanga.
Era o ano de 1917, provavelmente
necessitado de uma grana, Lima Barreto vendeu os direitos do livro Os Bruzundangas ao editor Jacintho Ribeiro
dos Santos. O livro, no entanto, só seria publicado postumamente, no ano da
morte do seu autor, em 1922. Trata-se de uma obra satírica que, segundo Alfredo
Bosi (1994) teria inspiração nas Cartas
Persas, de Montesquieu. A ironia e a sátira são recursos que podem muito
bem se voltarem contra o autor, caso ele não saiba como domá-las. A mestria
para tanto pode ser observada em Machado de Assis, Lima Barreto, Oscar Wilde e Jonathan
Swift; entre poucos.
Em 2017, Os Bruzundangas completam 100 (cem anos)
e mostra-se mais atual do que nunca. O visionário Lima Barreto acertou em
cheio, quando apostou no nada que dominaria a Bruzundanga. Alguns leitores insistem
em ver semelhanças entre a Bruzundanga e o Brasil. Como trata-se de uma obra
aberta é possível que existam tais aproximações, sim. Contudo, cabe a cada
leitor tirar suas próprias conclusões.
Lima Barreto |
O livro de Lima Barreto é
composto de um capítulo especial denominado de “Os Samoiedas”, vinte crônicas e
outro capítulo intitulado “notas soltas” constituído de outras pequenas crônicas.
Cada umas das crônicas da obra em questão trata de um aspecto diferente da
sociedade da Bruzundanga. Ao seu modo, o autor reproduz praticamente o estilo observado nos relatos
e tratados que eram produzidos pelos viajantes e colonizadores que aportaram
no Brasil antes e depois do achamento, quando se dedicavam a descrever os hábitos e costumes
dos nativos, suas riquezas; bem como as belezas da terra.
Assim sendo, Lima Barreto
discorre a sociedade naquilo que melhor a constitui: a nobreza da Bruzundanga,
a política, a educação, as eleições, a saúde, a religião e os heróis; entre
outros aspectos. De políticos corruptos e ladrões a desvios de verbas públicas
e do descaso do Estado para com os mais pobres; Lima Barreto trata de tudo em
uma linguagem bastante simples, como é característica de sua obra; direta,
objetiva e engraçada.
E assim rimos da
republiqueta da Bruzundanga e nos amarguramos por ser ela tão parecida com a
nossa própria republiqueta de bananas. A leitura de Lima Barreto é sempre
necessária, pois nos diz muito daquilo que realmente nos acostumamos a ser.
Os Bruzundangas continua bastante atual. Sua leitura é indispensável para os dias estranhos que vivemos. Que a leitura lhe seja leve!
Os Bruzundangas continua bastante atual. Sua leitura é indispensável para os dias estranhos que vivemos. Que a leitura lhe seja leve!
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De e sobre Lima Barreto:
BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
LIMA BARRETO. Diário do hospício; O cemitério dos vivos. Org. e notas: Augusto Massi e Murilo
Marcondes de Moura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
______________. Os Bruzundangas. Fortaleza: Imprensa
Universitária, 2004.
______________. Contos completos de Lima Barreto. Org. e
introdução de Lilian Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
______________. Toda Crônica: Lima Barreto. Apresentação
e notas de Beatriz Resende; Organização Rachel Valença. Rio de Janeiro: Agir,
2004 (2 vol.).
SCHWARCZ, Lilian Moritz.
Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
SOARES, José Wellington Dias. Lima Barreto: entre a ficção e a história. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007.
SOARES, José Wellington Dias. Lima Barreto: entre a ficção e a história. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007.
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