sábado, 1 de julho de 2017

CEM ANOS D'OS BRUZUNDANGAS, DE LIMA BARRETO

Lima Barreto (1881 – 1922) está de volta! Na verdade, Lima Barreto sempre esteve por aqui, com seu olhar arguto, sua pena leve e suas palavras feito faca, pra lá de amoladas. Lima Barreto é daqueles homens geniais que, por estarem muito adiante do seu tempo, precisam que se passe muito tempo para que se reconheça sua genialidade.

O autor de Triste fim de Policarpo Quaresma (1911) morreu aos 41 anos de idade. No pouco espaço de tempo que viveu, Barreto escreveu muitas das grandes obras da literatura brasileira, entre crônicas, contos e romances. Na maioria delas a ironia, assim como em Machado de Assis, é um dos recursos mais presentes. Muito se diz que enquanto Lima Barreto só tinha olhos para o subúrbio e para seus moradores excluídos, Machado só tinha olhos para a elite e para os bem-nascidos.

O fato é que não se pode compreender o Brasil pelo viés da literatura, sem compreender as obras de Machado de Assis e Lima Barreto, uma vez que elas não se afastam mas, pelo contrário, se complementam exatamente por inexistir em uma aquilo que abunda na outra. Enquanto Lima Barreto morria, começava a surgir a parte mais madura da obra de Machado de Assis, o que nos deixa a pergunta: o que ainda teria produzido Lima Barreto se tivesse vivido tanto quanto viveu Machado de Assis?

Seja como for, Lima Barreto partiu. De onde quer que esteja gargalha desbragadamente ao perceber que a boa e velha República dos Estados Unidos da Bruzundanga continua do mesmo jeito que era no início da Primeira República, ou seja, os negros e os pobres continuam excluídos e tratados como cidadãos de terceira classe, exilados nos subúrbios e periferias. O próprio negro bruzundanguense, como se sabe, não se reconhece como tal. Os ricos posam de intelectuais e são, na maioria, uma farsa. Montados em suas pilhas de títulos, os acadêmicos, por sua vez, não conseguem enxergar um palmo à frente do nariz. São, na verdade, falsas criaturas pensantes. Ignorantes, corruptos e canalhas são os políticos da Bruzundanga. 

Era o ano de 1917, provavelmente necessitado de uma grana, Lima Barreto vendeu os direitos do livro Os Bruzundangas ao editor Jacintho Ribeiro dos Santos. O livro, no entanto, só seria publicado postumamente, no ano da morte do seu autor, em 1922. Trata-se de uma obra satírica que, segundo Alfredo Bosi (1994) teria inspiração nas Cartas Persas, de Montesquieu. A ironia e a sátira são recursos que podem muito bem se voltarem contra o autor, caso ele não saiba como domá-las. A mestria para tanto pode ser observada em Machado de Assis, Lima Barreto, Oscar Wilde e Jonathan Swift; entre poucos.

Em 2017, Os Bruzundangas completam 100 (cem anos) e mostra-se mais atual do que nunca. O visionário Lima Barreto acertou em cheio, quando apostou no nada que dominaria a Bruzundanga. Alguns leitores insistem em ver semelhanças entre a Bruzundanga e o Brasil. Como trata-se de uma obra aberta é possível que existam tais aproximações, sim. Contudo, cabe a cada leitor tirar suas próprias conclusões.

Lima Barreto
O livro de Lima Barreto é composto de um capítulo especial denominado de “Os Samoiedas”, vinte crônicas e outro capítulo intitulado “notas soltas” constituído de outras pequenas crônicas. Cada umas das crônicas da obra em questão trata de um aspecto diferente da sociedade da Bruzundanga. Ao seu modo, o autor reproduz praticamente o estilo observado nos relatos e tratados que eram produzidos pelos viajantes e colonizadores que aportaram no Brasil antes e depois do achamento, quando se dedicavam a descrever os hábitos e costumes dos nativos, suas riquezas; bem como as belezas da terra.

Assim sendo, Lima Barreto discorre a sociedade naquilo que melhor a constitui: a nobreza da Bruzundanga, a política, a educação, as eleições, a saúde, a religião e os heróis; entre outros aspectos. De políticos corruptos e ladrões a desvios de verbas públicas e do descaso do Estado para com os mais pobres; Lima Barreto trata de tudo em uma linguagem bastante simples, como é característica de sua obra; direta, objetiva e engraçada.

E assim rimos da republiqueta da Bruzundanga e nos amarguramos por ser ela tão parecida com a nossa própria republiqueta de bananas. A leitura de Lima Barreto é sempre necessária, pois nos diz muito daquilo que realmente nos acostumamos a ser. 

Os Bruzundangas continua bastante atual. Sua leitura é indispensável para os dias estranhos que vivemos. Que a leitura lhe seja leve!

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De e sobre Lima Barreto:


BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

LIMA BARRETO. Diário do hospício; O cemitério dos vivos. Org. e notas: Augusto Massi e Murilo Marcondes de Moura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

______________. Os Bruzundangas. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2004.

______________. Contos completos de Lima Barreto. Org. e introdução de Lilian Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

______________. Toda Crônica: Lima Barreto. Apresentação e notas de Beatriz Resende; Organização Rachel Valença. Rio de Janeiro: Agir, 2004 (2 vol.).


SCHWARCZ, Lilian Moritz. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

SOARES, José Wellington Dias. Lima Barreto: entre a ficção e a história. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007.

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