Gilka Machado |
Gilka Machado (1893 –
1980) é dessa poetisas que andam pra frente sem a menor preocupação de carregar
a tradição. E se assim o fazem é por não demonstrarem compromisso com a crítica
comezinha, com a sociedade excludente e preconceituosa ou com o que quer que
seja. O compromisso de poetas como Gilka Machado é com a Poesia apenas.
Certamente que ao agir dessa forma, muitas portas se fecham. Muitos olhares se
turvam. Mas, Gilka Machado era, como naquela canção de Oswaldo Montenegro,
“como a água que desce a cachoeira e não pergunta se pode passar”.
E eis que trinta e sete
anos após a sua morte, sua poesia está de volta às prateleiras das boas
livrarias (virtuais e físicas) de um país que levará pelo menos setenta e seis
anos, para equiparar o nível de leitura da nossas crianças com o nível das
crianças de mesma idade de países sérios. Para aqueles que conseguiram furar
esse cerco de proposital atraso, a chegada da poesia de Machado é uma dádiva,
um acontecimento. Gilka Machado em muito pouco se diferencia da maioria do povo
brasileiro. Por ser uma mulher negra dada a escrever poesia erótica teve que
enfrentar o machismo, o racismo e o preconceito de classe que sempre pautou os
comportamentos mais mesquinhos do povo brasileiro. Mas Gilka Machado não se
rendeu, como não se rendem aqueles que nascem como o sol no quintal, como diria
Belchior.
A poesia completa de
Gilka Machado foi organizada por Jamyle Rkain e publicada pelo selo Demônio
Negro, de São Paulo, em 2017. Sobre Gilka Machado, na apresentação do livro, Rkain
afirma:
(...) Não bastou ser pioneira da
poesia erótica (quiçá da literatura em geral) no Brasil. Gilka também foi um
dos nomes mais importantes da política, por ter fundado – junto a Bertha Lutz –
o primeiro partido político para mulheres e por ter sido uma das vozes mais
importantes na luta da mulher brasileira pelo voto.
Toda a trajetória de Gilka é inspiradora. Seu papel na
liberação da mulher faz dela uma das feministas mais evidentes do país, embora
não assumisse o feminismo para si. A melhor forma de homenagear uma poeta e uma
mulher como ela é permitir que mais pessoas conheçam sua obra. (RKAIN, 2017:5)
O livro organizado por Jamyle Rkain contém 431 páginas, contendo “notas autobiográficas” (p. 14 – 17), as quais foram escritas pela própria Gilka Machado, texto publicado originalmente em Poesias Completas, da Editora Cátedra, em 1978. Na sequência, tem-se o prefácio, na verdade, um riquíssimo estudo acerca da obra da poeta (p. 18 – 49), escrito pela professora Maria Lúcia Dal Farra, da Universidade Federal de Sergipe. A partir daí surgem os livros de Gilka Machado, obedecendo a ordem em que foram publicados. Assim, tem-se: Cristais partidos, Estados de alma, Mulher nua, Meu glorioso pecado, Sublimação, Velha poesia. A orelha do livro é assinada por Heloisa Buarque de Hollanda.
A obra traz ainda “notas
críticas” (p. 425 – 431), ou seja, breves textos de especialistas acerca da obra de Gilka Machado. Constância
Lima Duarte, da UFMG, por exemplo, diz:
Como tantas escritoras das primeiras décadas do século XX, também
Gilka Machado permaneceu à margem da história literária brasileira, apesar de
inúmeros livros e da militância que empreendeu pelo sufrágio. Seus poemas, que
falavam em desejo, opressão das mulheres, e denunciavam o machismo, foram
insistentemente combatidos pelos escritores modernistas, inclusive Mário de
Andrade. Ainda assim, em 1933, foi eleita “a maior poetisa do Brasil” pelos
leitores da Revista O Malho. E, em
1979, recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo
conjunto da obra. Gilka Machado continua aguardando o reconhecimento da
Literatura Brasileira por sua inestimável contribuição à literatura de autoria
feminina. (DUARTE, 2017: 425)
Quando a Academia
Brasileira de Letras abriu espaço para mulheres, Jorge Amado defendeu a
candidatura de Gilka Machado. A poetisa,
no entanto, não demonstrou interesse, recusando a proposta. No texto que
escreveu para a edição de Poesias
Completas, de 1978, a poetisa diz:
(...) Sonhei ser útil à humanidade.
Não consegui, mas fiz versos. Estou convicta de que a poesia é tão
indispensável à existência como a água, o ar, a luz, a crença, o pão e o amor.
(MACHADO, 2017:17)
A poesia de Gilka Machado está de volta às livrarias. Curiosamente, a poetisa retorna muito tempo depois e se depara com uma sociedade ainda mais preconceituosa e excludente do que aquela na qual viveu e sofreu os horrores da ignorância, da humilhação e da estupidez humana. Mais atual do que nunca, a poesia de Gilka Machado, por sua qualidade literária, se manteve como um clássico da literatura em língua portuguesa. Já a mediocridade e a mesquinhez tupiniquim se mantiveram por serem o que são. E somente por isso.
Boa leitura!
Boa leitura!
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