sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

A POESIA COMPLETA DE GILKA MACHADO

Gilka Machado
Gilka Machado (1893 – 1980) é dessa poetisas que andam pra frente sem a menor preocupação de carregar a tradição. E se assim o fazem é por não demonstrarem compromisso com a crítica comezinha, com a sociedade excludente e preconceituosa ou com o que quer que seja. O compromisso de poetas como Gilka Machado é com a Poesia apenas. Certamente que ao agir dessa forma, muitas portas se fecham. Muitos olhares se turvam. Mas, Gilka Machado era, como naquela canção de Oswaldo Montenegro, “como a água que desce a cachoeira e não pergunta se pode passar”.

E eis que trinta e sete anos após a sua morte, sua poesia está de volta às prateleiras das boas livrarias (virtuais e físicas) de um país que levará pelo menos setenta e seis anos, para equiparar o nível de leitura da nossas crianças com o nível das crianças de mesma idade de países sérios. Para aqueles que conseguiram furar esse cerco de proposital atraso, a chegada da poesia de Machado é uma dádiva, um acontecimento. Gilka Machado em muito pouco se diferencia da maioria do povo brasileiro. Por ser uma mulher negra dada a escrever poesia erótica teve que enfrentar o machismo, o racismo e o preconceito de classe que sempre pautou os comportamentos mais mesquinhos do povo brasileiro. Mas Gilka Machado não se rendeu, como não se rendem aqueles que nascem como o sol no quintal, como diria Belchior.

A poesia completa de Gilka Machado foi organizada por Jamyle Rkain e publicada pelo selo Demônio Negro, de São Paulo, em 2017. Sobre Gilka Machado, na apresentação do livro, Rkain afirma:
(...) Não bastou ser pioneira da poesia erótica (quiçá da literatura em geral) no Brasil. Gilka também foi um dos nomes mais importantes da política, por ter fundado – junto a Bertha Lutz – o primeiro partido político para mulheres e por ter sido uma das vozes mais importantes na luta da mulher brasileira pelo voto.
Toda a trajetória  de Gilka é inspiradora. Seu papel na liberação da mulher faz dela uma das feministas mais evidentes do país, embora não assumisse o feminismo para si. A melhor forma de homenagear uma poeta e uma mulher como ela é permitir que mais pessoas conheçam sua obra. (RKAIN, 2017:5)



O livro organizado por Jamyle Rkain contém 431 páginas, contendo “notas autobiográficas” (p. 14 – 17), as quais foram escritas pela própria Gilka Machado, texto  publicado originalmente em Poesias Completas, da Editora Cátedra, em 1978. Na sequência, tem-se o prefácio, na verdade, um riquíssimo estudo acerca da obra da poeta (p. 18 – 49), escrito pela professora Maria Lúcia Dal Farra, da Universidade Federal de Sergipe. A partir daí surgem os livros de Gilka Machado, obedecendo a ordem em que foram publicados. Assim, tem-se: Cristais partidos, Estados de alma, Mulher nua, Meu glorioso pecado, Sublimação, Velha poesia. A orelha do livro é assinada por Heloisa Buarque de Hollanda.


A obra traz ainda “notas críticas” (p. 425 – 431), ou seja, breves textos de especialistas  acerca da obra de Gilka Machado. Constância Lima Duarte, da UFMG, por exemplo, diz:

Como tantas escritoras  das primeiras décadas do século XX, também Gilka Machado permaneceu à margem da história literária brasileira, apesar de inúmeros livros e da militância que empreendeu pelo sufrágio. Seus poemas, que falavam em desejo, opressão das mulheres, e denunciavam o machismo, foram insistentemente combatidos pelos escritores modernistas, inclusive Mário de Andrade. Ainda assim, em 1933, foi eleita “a maior poetisa do Brasil” pelos leitores da Revista O Malho. E, em 1979, recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. Gilka Machado continua aguardando o reconhecimento da Literatura Brasileira por sua inestimável contribuição à literatura de autoria feminina. (DUARTE, 2017: 425)

Quando a Academia Brasileira de Letras abriu espaço para mulheres, Jorge Amado defendeu a candidatura de Gilka Machado. A  poetisa, no entanto, não demonstrou interesse, recusando a proposta. No texto que escreveu para a edição de Poesias Completas, de 1978, a poetisa diz:

(...) Sonhei ser útil à humanidade. Não consegui, mas fiz versos. Estou convicta de que a poesia é tão indispensável à existência como a água, o ar, a luz, a crença, o pão e o amor. (MACHADO, 2017:17)


A poesia de Gilka Machado está de volta às livrarias. Curiosamente, a poetisa retorna muito tempo depois e se depara com uma sociedade ainda mais preconceituosa e excludente do que aquela na qual viveu e sofreu os horrores da ignorância, da humilhação e da estupidez humana. Mais atual do que nunca, a poesia de Gilka Machado, por sua qualidade literária, se manteve como um clássico da literatura em língua portuguesa. Já a mediocridade e a mesquinhez tupiniquim se mantiveram por serem o que são. E somente por isso.

Boa leitura!






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