quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

BELCHIOR - APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO, DE JOTABÊ MEDEIROS

Ele é o autor dos versos mais bonitos da Música Popular Brasileira: “estava mais angustiado / que um goleiro na hora do gol / quando você entrou em mim/ como um sol no quintal”. São os versos que abrem a canção “Divina comédia humana”. Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenele Fernandes (1946 – 2017) está, sem sombra de dúvidas, entre os grandes nomes da MPB, embora nem seja esse o seu nome verdadeiro, mas apenas uma brincadeira que o artista inventou e, como muitas outras, acabou se tornando quase uma verdade.

São informações como essa que foram garimpadas pelo jornalista Jotabê Medeiros, resultando na primeira biografia do artista cearense, autor de um dos mais importantes disco já produzidos no Brasil: Alucinação, de 1976. A biografia recebeu o título de Belchior – Apenas um rapaz latino-americano, publicada no ano de falecimento do cantor, em 2017, pela editora Todavia.  Apesar de ser um título que aponta para o mais do mesmo, ou seja, limitar Belchior a “um rapaz latino”, também se deve compreender que é um título que abarca muito bem a proposta do autor de “A palo seco”, uma vez que é notório em toda sua obra o empoderamento que faz da América Latina. Obviamente que sua erudição o coloca como um artista do mundo, autor de uma poesia que ultrapassa, em muito, as delimitações geográficas.

E aqui nos vem a inevitável discussão acerca das diferenças e limites que dizem respeito aquilo que deva ser compreendido como canção, poesia ou poema-canção; da mesma forma como as questões que se dão acerca do que seja um letrista, um compositor e um poeta. Não é, no entanto, objetivo dessa brevíssima resenha discutir tais meandros. Contudo, na nossa concepção, defendemos Belchior como poeta e suas letras como poemas-canções, por entendermos que a poética de Belchior está no mesmo nível de qualidade daquela desenvolvida por Bob Dylan.

Medeiros (2017, p. 145) registra que, no ano de 1990, no Hollywood Rock, no Morumbi, Gilberto Gil apresentou Belchior a Bob Dylan, dizendo: "Bob, esse é o Belchior, o Bob Dylan brasileiro". Ao que Bob Dylan respondeu: "Dylan brasileiro? É mais provável que eu seja você na América". Bob Dylan sabe das coisa!

Embora Belchior tenha sido uma referência na MPB, ninguém ainda havia se decidido por escrever sua biografia. E eis que Jotabê Medeiros foi lá e fez. Depois de escrita e posta à venda, surgiram alguns questionamentos por parte de determinados membros da família do artista, incluindo-se uma ameaça de se retirar a biografia de circulação, contrariando, inclusive, recente decisão do Supremo Tribunal Federal a esse respeito. A quem realmente interessam biografias do tipo “chapa branca”? Certamente que não aos fãs do biografado e muito menos aos pesquisadores da sua obra (no caso de Belchior, muitos já são os trabalhos acadêmicos produzidos. Alguns serão citados no final da resenha). 

Jotabê Medeiros
A referida biografia segue a seguinte ordem estrutural: “Apresentação” (p. 9 – 11). Daí seguem dezesseis capítulos, que se desenvolvem da página 12 (doze) até a página 192 (cento e noventa e dois). Da página 193 (cento e noventa e três) até a 210 (duzentos e dez) o leitor é brindado com uma série de imagens do artista, com sua família, amigos, músicos, fãs, bem como do artista em ação durante seus shows. São imagens de diferentes épocas da vida de Belchior, as quais enriquecem em muito o trabalho de Jotabê Medeiros. Na sequência, Medeiros presta uma enorme contribuição aos pesquisadores da obra de Belchior ao elencar toda a discografia (p. 211 – 216) do cantor. O trabalho se conclui com as referências bibliográficas (p. 217 – 219), O índice onomástico (p. 220 – 236) e os créditos das imagens (p. 237). Jotabê Medeiros alcançou seu objetivo, mostrando o Belchior homem, pai, marido e gênio. Certamente, outros trabalhos virão e, se elaborados com o rigor, a responsabilidade e o respeito, tal qual fez Medeiros, serão todos muito bem-vindos.


Outras leituras:


1. BARBOSA, Lucílio Sérgio Bezerra. Pequeno perfil de um discurso (in)comum: do sonho à queda na real na poética de Belchior. Natal: UFRN, 2004. 158 pp. Dissertação (Mestrado em Literatura Comparada).

2. CARLOS, Josely Teixeira. Muito além de um rapaz latino-americano: investimentos interdiscursivos das canções de Belchior. Fortaleza: UFC, 2007. 276 pp. Dissertação (Mestrado em Linguística).

3. __________. Fosse um Chico, um Gil, um Caetano: uma análise retórico-discursiva das relações polêmicas na construção da identidade do cancionista Belchior. São Paulo: FFLCH-USP, 2014. 690 pp. Tese (Doutorado em Letras). 


4. KELMER, Ricardo (Org.) Para Belchior com amor. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2016. Resenha do blog aqui.

5. ROGÉRIO, Pedro. Pessoal do Ceará – habitus e campo musical na década de 1970. Fortaleza: Edições UFC, 2008.

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