Harold Bloom é, sem
dúvida, um dos mais prolíficos críticos literários do século XX. Sua
contribuição aos estudos literários pode ser medida a partir de trabalhos como O cânone ocidental (1994), Shakespeare: the invention of the human
(1998). Hamlet: poema ilimitado
(2004) e Onde encontrar a sabedoria?
(2004). Mas para quem achava que o crítico norte-americano havia parado sua produção,
foi surpreendido pelo seu mais recente trabalho, intitulado O cânone americano: o espírito criativo e a
grande literatura, publicado nos Estados Unidos em 2015, tendo sido
publicado no Brasil em 2017. O referido trabalho saiu pela editora Objetiva,
com tradução de Denise Bottmann.
Em O cânone americano: o espírito criativo e a grande literatura (2017),
Bloom deita olhos sobre doze dos maiores autores da literatura norte-americana,
apresentando-os em duplas. Assim sendo, os ensaios põem lado a lado, em
diálogo, as obras de Walt Whitman e
Herman Melville, Ralph Waldo Emerson e Emily Dickinson, Nathaniel Hawthorne e
Henry James, Wallace Stevens e T.S. Eliot, Mark Twain e Robert Frost, William
Faulkner e Hart Crane.
Como toda seleção e todo
cânone versam sobre opções pessoais de escolhas, a seleção de Bloom está
sujeita a questionamentos. Contudo, nenhum crítico seria capaz de dar conta do
infindável número de obras literárias capazes de conversarem entre si, sendo,
inevitavelmente, necessária uma seleção que, naturalmente, se mostra de caráter
pessoal.
Na referida obra, Harold
Bloom recorre ao termo grego “demo”, que, para os filósofos gregos, era um ser
superior, posto entre o humano e o divino. O autor de Abaixo as verdades sagradas (2012) recorre ao referido termo para
se referir àqueles escritores que, segundo ele, são dotados de extrema
sensibilidade, ou seja, são detentores de um demo interior, responsável por
gerar seu poder poético. Compreende-se
que o termo demo não implica em nenhuma questão de religiosidade ou fé, uma vez
que, dos autores analisados, nenhum deles acreditava em Deus ou deuses. O que
os aproxima, na verdade, é a relação que mantém com o sublime e com o demo,
enquanto poder criador, tornando-os diferentes de outros autores. Para Bloom,
Os doze autores selecionados “concentram aquela proliferação da consciência
pela qual continuamos a viver e a encontrar nosso sentido na existência”.
Harold Bloom |
O tradicionalismo crítico
no qual Harold Bloom foi forjado e se orgulha de permanecer não o permite, no
entanto, inserir em suas obras autores que não sejam aqueles pertencentes a um
cânone dominante, ou seja, um cânone majoritariamente branco, hétero, com
autores oriundos de país hegemônicos, como se somente esses autores tivessem o
demo e nada mais restasse de sublime aos outros. A crítica de Bloom ignora o
que se dá fora do eixo Europa-América do Norte, limitando-se, na maioria das
vezes, aos mesmos autores. Nas suas obras são raras as mulheres (em O cânone americano, tem-se apenas Emily
Dickinson, a qual também está no Cânone
Ocidental ao lado de Virginia Woolf), assim como representantes de outras
minorias e autores de países periféricos, ignorando as contribuições à Crítica
proporcionadas pelo advento dos Estudos Culturais, por exemplo.
Embora a crítica
praticada por Harold Bloom se mostre engessada e carente de atualização, não
constitui por essa razão, impedimento para que o leitor se delicie com as análises
que o autor desenvolve em seu trabalho. Aqui, especificamente, O cânone americano: o espírito criativo e a
grande literatura (2017), de leitura indispensável.
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