Em meio ao caos que impera no país, somente agora consegui um tempinho para um breve descanso, uma trégua. Não que minha situação se compare em tudo àquela do senhor Martín Santomé, personagem do clássico romance La Tregua (1960), de Mario Benedetti, embora guarde certas aproximações. No entanto, é sempre bom quando conseguimos desligar nosso “disjuntor interno”, para que possamos retornar mais atentos e fortes. Quando tudo o que nos resta é apenas cansaço, uma pausa na correria do dia-a-dia nos cai feito um cafuné, um afago, vindo daqueles a quem amamos.
Assim, o abraço da mulher
amada e o sorriso da filha pequena gargalhando junto à mais velha nos enche de
alegria a alma e o coração, de forma que até tentamos esquecer o esgoto
político que escorre das veias abertas da republiqueta de bananas e ossos na
qual transformaram o Brasil. E foi nesse clima
de momentânea calmaria, que
consegui concluir a leitura do livro Nos rastros de uma migração:
representações, memórias e sensibilidades, de Vilarin Barbosa Barros; publicado
no ano de 2020 pela editora e-Manuscrito, resultado da dissertação do autor
defendida junto à Universidade Estadual do Ceará – UECE.
Na obra em questão, o professor Barros analisa as experiências dos
migrantes de Quixadá, um dos principais municípios do sertão central cearense,
que deixavam suas casas e famílias em busca de melhores - pelo menos na cabeça
deles - condições de vida na cidade de São Paulo. Quase sempre, o que
encontravam era preconceito, xenofobia e, consequentemente, a miséria das
favelas surgidas já nos anos 50, haja vista os relatos de Carolina Maria de
Jesus na obra Quarto de despejo – diário de uma favelada (1960), ela
mesma uma migrante.
A necessidade do recorte temporal exigido pela referida pesquisa se
inicia no ano de 1973, terminando em 2001. As migrações são marcas indeléveis na
pele do Brasil, que em determinados momentos da história chegaram a diminuir,
mas nunca acabaram. Assim, nossos “severinos” e “macabéas” continuam, como diz
o poeta, descendo do Norte pra cidade grande, com seus pés cansados e feridos. Logo,
a temática abordada pelo estudioso se mostra pra lá de atual, tendo em vista
que os processos migratórios não se constituem como fenômenos restritos a este
ou àquele país, mas universal, com “estranhos” batendo desesperadamente às
portas do mundo, sejam saídos de Quixadá, tangidos e açoitados feito “bichos” nas
fronteiras dos Estados Unidos ou morrendo aos milhares nas travessias do
Mediterrâneo, por exemplo.
Difícil mesmo é discutir qualquer outro assunto, seja a questão
climática, o racismo, a decolonialidade, a democracia, a interculturalidade, os
direitos humanos, as questões de gênero ou o avanço do neofascismo, se não se
colocarem os processos migratórios no centro dos debates mundiais. Neste
sentido, o texto do prof. Vilarin Barbosa Barros deita olhos sobre um assunto
aparentemente local, mas que é, na verdade, universal; uma vez que dialoga com
ideias observáveis em Os emigrantes (2002), de W.G. Sebald, Estranhos
à nossa porta (2017), de Zygmunt Bauman e, entre outros, A imigração: ou
os paradoxos da alteridade (1991), de Abdelmalek Sayad.
Destarte, são cada vez mais urgentes e necessárias discussões como as
que são propostas pelo referido pesquisador, uma vez que no âmbito da cultura
contemporânea é para o humano a quem todos os olhares, palavras e ações
políticas, sem exceção, devem estar voltados. E se assim não o for, nada mais
fará sentido, pois a vida estará em outro lugar.
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