quinta-feira, 10 de abril de 2025

Aquilo que não te abraça mais


Somente agora, em meio a correria da minha distópica vida cotidiana, parei para ouvir com mais atenção dois discos cujas temáticas dialogam muito entre si, e são duas das maiores contribuições recentes à nossa música. O primeiro é Almério e Martins – Ao vivo no parque (2022), composto de 19 canções. Uma lindeza de disco, que se destaca pelas vozes fortes e doces dos dois artistas, bem como pela excelência das suas composições, como observado nas maravilhosas “Antes de você chegar”: “Tem uma noite chegando na janela/Por que você não deixa tudo e vem me ver?...”. E “Me dê”: “Se você tiver de sobra um pra me subverter, meu bem, me dê, me dê/Eu que nunca fui tão certo, faço pose de quem não te lê/Mas eu leio sim, eu só não sei se você quer...”. O que é isso, senão Pernambuco cantando para o mundo?




O segundo disco, trabalho solo de Martins, chama-se Interessante e obsceno (2023). E a demora em ouvir os dois trabalhos, praticamente três anos após terem sido lançados, é que tenho a mania de guardar livros, filmes e discos para ler, ver e ouvir quando já não se falam muito sobre eles, quando já surgiram outras coisas para ocupar lugar na mídia. Tenho agido assim já faz bastante tempo e não me arrependo, pois tenho aprendido que esse hiato na apreciação de um trabalho de arte entre o período que é lançado até o momento que o escuto, no caso dos discos, me permite uma “degustação” silenciosa, distante de qualquer forma de pressão ou dos riscos de um julgamento apressado.  

O disco Interessante e obsceno, produzido por Rafael Ramos, é composto de 12 canções de autoria de Martins e também em parceria com outros compositores. Assim, tem-se: “Tua voz”, “Não duvido”, “Tá tudo bem”, “Deixe”, “Interessante e obsceno”, “Eu e você sempre”, “Tem problema não”, “Deixa rolar”, “Arrepia”, “Nu”, “Céu da boca” e “Voltar pra si”. As composições de Martins se equilibram entre a leveza e o peso daquilo que melhor caracteriza a feitura de uma grande canção, abrangendo temáticas que vão do banal ao complexo, descortinadas na suavidade da voz singular do artista. A riqueza poética da canção de Martins não nos causa nenhuma surpresa, pois quem vem de Pernambuco, como dito em “Tua voz”, traz um rio dentro do peito.

A canção que dá título ao álbum já havia sido apresentada um ano antes no disco Almério e Martins – Ao vivo no parque, o qual mencionamos no primeiro parágrafo deste texto. De todas as canções do disco, não temo em dizer que “Interessante e obsceno” é, sem sombra de dúvidas, uma das mais belas já surgida na Música Popular Brasileira. Não consigo parar de ouvir. E se assim o é, não importa se foi ouvida quando do seu lançamento ou se será ouvida nos próximos 50 anos, atemporal que é. Os vídeos disponíveis na Internet dos shows realizados pela dupla constituem uma beleza à parte. Ao vê-los, temos a chance de conferir o entrosamento entre os dois artistas, a conexão com os demais músicos da banda, o cenário, a iluminação e a participação do público.

“Interessante e obsceno” é potente e certeira, quando nos diz que não devemos esperar do amor aquilo que nos faz pequenos, pois quando o amor já não existe e o amado/amada te virou as costas, deu de ombros e partiu, é importante, como diz a canção, não se sabotar nem trocar olhares por acenos. Que os desejos jamais se acomodem! Ao contrário, que sejam interessantes e obscenos. E se nada mais houver a ser dito, pois não há a quem ser dito, é chegada a hora de seguir em frente e soltar aquilo que não te abraça mais

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