O título do presente
artigo é tomado de empréstimo do livro I must not think bad thoughts:
Essays on American Empire, digital culture, posthuman porn, and sexual
symbolism of Madonna’s big toe (2010), de Mark Dery que, por sua vez, tomou
emprestado do disco More fun in the new world (1983), da banda de punk
rock X. o referido livro foi traduzido para o português por Marcelo Duarte como
Não devo pensar em coisas ruins: ensaios sobre o Império Americano,
cultura digital, pornografia pós-humana e o simbolismo sexual do dedão da
Madonna, também de 2010, publicado pela Editora Sulina. Os ensaios do referido
crítico cultural, de teor irônico e bem humorados, desnudam a sociedade
norte-americana, expondo suas chagas e contradições de maneira certeira e
aprofundada, como poucos críticos da sua geração o fazem.
O livro de Dery me caiu
às mãos (organizado por ele, já havia lido Flame wars: the discourse of
cyberculture, de 1994, ainda sem tradução para o português brasileiro) em um
momento em que reservei para mim dois dias sem pensar muito em coisas ruins,
como a chacina do Rio de Janeiro, o PL daquele nobre parlamentar que tenta
impedir a Policia Federal de investigar o crime organizado, os 284 Crimes
Violentos Letais Intencionais – CVLI e as 41 mortes por intervenção policial
ocorridas somente em outubro, no Ceará. Também me recusei a dedicar um fio de
pensamento que fosse sobre se o cramunhão vai ser mantido em prisão domiciliar,
preso em uma garrafa, mandado pra Papuda, Papudinha ou para a ilha de Lost. Muito
“mais importante” foi ler e refletir sobre coisas como o simbolismo sexual do
dedão da Madonna. Sem tempo pra pensar em coisa ruim!
Assim, larguei quase tudo
(na verdade, deixei em stand by) e fui ler Mark Dery. Sinistro! Reli também Alucinação:
minha vó costurou minha mãe uma mulher de costura (2023), livro de Samuel
Maciel Martins, publicado pela Editora Aluá. Na sequência, reli Boceta
encantada e outras historinhas (2023), livro de contos de Sarah Forte,
publicado pela Editora Patuá. Lindezas! Os
poemas de Martins e os contos de Forte são belezas. E como bem nos dizem Jorge
Mautner e Nelson Jacobina: “belezas são coisas acesas por dentro”. E para que
as belezas não fossem apagadas, resolvi inundar o ambiente com música. Assim, ouvi reiteradas vezes, na voz de Arrigo
Barnabé, “Mal menor”, “Noite torta” e “De mais ninguém”. Na voz de Nina Simone,
“To love somebody”, “Stars” e “Everything must change”. Nada de pensar em
coisas (e pessoas) ruins ou “nos fatos que odiamos”, como diz a canção da banda
X.
Ainda da série “Belezas
são coisas acesas por dentro”, ouvi sem cessar a canção “Os passa vida”, de
Osmar Júnior e Rambolde Campos, nas vozes de Nilson Chaves e Lucinha Bastos. Essa
canção é de uma beleza monumental, pois contém na simplicidade da sua letra
toda a complexidade de um belo poema: “Quando o sol chegou/Clareando o dia/Foi
pra me socorrer da noite que eu vinha...”. De forma magistral, a composição
dialoga com temas poéticos universais quando trata, por exemplo, do amor, da
solidão e da saudade: “O que aperta o peito/É o tempo, é o cheiro/O amor é
assim/Eu quis você pra mim/Eu quis você pra mim” ou “Eu te procurei/Te achei em
minha solidão...” e “... Mandei a saudade de buscar/Pra perto de mim” e ainda:
“...Um beijo no tempo segurei/E guardei pra você aqui”. A cor local também se
mostra na tessitura da canção quando a cidade, que acredito deva ser Belém,
surge nos versos dos poetas e dizem: “É que nessa cidade/As mangueiras falam
sempre em ti/Na chuva da tarde, os passa vida/E é sempre assim”.
Como dois dias passam
muito rápido, o livro de Mark Dery ainda está ali ouvindo essa nossa prosa e
aguardando sua leitura ser concluída. De volta à realidade, vejo o noticiário e
percebo que as coisas ruins nas quais me recusei a pensar, mesmo assim
continuaram “pensando” em mim.
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