sábado, 28 de fevereiro de 2015

A MENINA QUEBRADA E OUTRAS COLUNAS DE ELIANE BRUM

Já vai longe o tempo em que uma crônica terminava sua vida, embrulhando peixe em um mercado qualquer. Também já foi o tempo em que poderia, como já se disse, considerar a crônica como “a prima pobre” dos demais gêneros literários. Graças aos grandes cronistas brasileiros, sendo Rubem Braga o maior deles, a crônica cresceu sadia e seguiu seu próprio destino. Por suas linhas, cabem dos assuntos mais leves aos mais complexos. Trata-se de um gênero que se permite dar abrigo às mais variadas temáticas. Se Paulo Mendes Campos (1922 – 1991) nos encanta com seus textos sobre bares, patos e mulheres; Margarida Sabóia de Carvalho (1905 – 1975) prefere discorrer sobre questões mais puramente existenciais. A crônica tem estado em nosso meio desde que os velhos viajantes passaram por essas terras, registrando informações sobre a fauna, flora e hábitos dos nativos; alcançando seu ápice com a histórica Carta escrita por Caminha, certidão de nascimento do Brasil.

O passar dos tempos e o advento da Internet proporcionaram o surgimento de inúmeros cronistas dispostos a escrever sobre tudo e sobre todos. E no universo dessa “geleia geral”, nem todos conseguem colocar no papel (ou na tela) aquilo que percebem em meio ao ambiente que os circunda. E não importa se são cronistas profissionais ou de ocasião. Os jornais abrigam, já faz muito tempo, muitos dos grandes cronistas. Em meio aos bons, também estão aqueles não tão bons. O que diferencia os primeiros dos segundos, é a visão crítica e cidadã da vida, bem como a necessária formação político-cultural. O bom cronista não pode, postado confortavelmente sobre o muro da indiferença, ver a vida simplesmente passar. Para todo aquele que escreve, também se faz necessária a indignação e a sensibilidade; instrumentos indispensáveis para ler, compreender e, sempre que possível, por meio da palavra, interferir naquilo que está posto e, aparentemente, imutável. Em meio à essa seara, o texto de Eliane Brum tem se destacado pela qualidade da sua escrita, assim como pelas temáticas que costuma abordar. Um bom exemplo do que aqui afirmamos é o seu trabalho intitulado A menina quebrada e outras colunas de Eliane Brum.

O livro é de 2013 e foi publicado pela Arquipélago Editorial, de Porto Alegre. Trata-se de uma reunião dos seus melhores textos, publicados em sua maioria na coluna de opinião que manteve por muito tempo na revista Época. Os textos de Eliane Brum não existem, como ela mesma afirma na apresentação de A menina quebrada, para apaziguar a quem quer que seja, mas para desacomodar, perturbar e inquietar. Sua pena não se pauta pela polêmica fácil e fútil tão comum ao nosso tempo, mas traz em si o desejo “pela busca honesta por compreender a época em que vivemos”. Eliane Brum tem a clara consciência de que seu trabalho não se dá apartado do seu tempo e, para falar daquilo que fala, precisa realmente acreditar no poder que uma narrativa calcada na responsabilidade e na seriedade tem. Somente assim, em suas palavras, a narrativa pode transformar e transtornar a vida.

A obra contém sessenta e quatro crônicas, abordando os mais variados assuntos. A leveza da escrita de Brum, no entanto, não ameniza a dor, a perda, o estranhamento e a desilusão que por vezes surgem em seus textos. Sua escrita é incisiva. Assim sendo, em A menina quebrada e outras colunas de Eliane Brum, a cronista discorre sobre cultura, política, identidade (ou seria (des) identidade?); assuntos que, de uma forma ou outra, estão na constituição do homem brasileiro; homem esse que vem perdendo, já faz muito tempo, sua condição de “cordial”, como preconizara Sérgio Buarque de Holanda.

A primeira crônica “Escrivaninha xerife” (p.19 – 24) é de primeiro de março de 2010, enquanto a última “A menina quebrada” (p. 425 – 428) é de vinte e oito de janeiro de 2013. Entre uma e outra lá se vão várias, recheadas de questionamentos e provocações sobre a relação entre as pessoas, a relação dessas pessoas com o Estado, os políticos, a religião, ética, o sexo, memória, censura, tortura e língua; entre tantos outros. As narrativas embora não mirem em um alvo específico, acabam por acertar muitos alvos, móveis e imóveis. Esse é um dos poderes da palavra. Consciente disso, Eliane Brum, para o prazer daqueles que apreciam um bom texto, continua escrevendo por aí, podendo ser lida (as segundas?) em www.elpais.com. No mais, o que às vezes nos resta, é ler aqueles que ainda têm muito a nos dizer. Leiamos Eliane Brum!

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