Era o ano de 1939,
quando James Joyce (1882 – 1941) publicara o seu último trabalho; denominado de
Finnegans Wake. Riverrun é a palavra
que abre o livro do referido escritor irlandês, tendo sido traduzida para o
português pelos irmãos Campos como riocorrente. Tendo em vista que a
circularidade e o recomeço podem ser consideradas como as principais marcas da
narrativa de Finnegans Wake, logo se
deduz que o livro não tem fim, mas sempre um novo começo. E é esse sempre recomeço, assim como o fluxo da narrativa, que vão dar o necessário sentido à palavra
joyceana. Dessa forma, a caudalosidade da narrativa do autor de Ulisses
(1922) se assemelha ao fluxo de um rio que corre. Mas não exatamente de “um rio que
corre”, mas de umrioquecorre. Um riocorrente. Neste caso, observa-se a constituição de uma unidade narrativa que se compara à correnteza natural de um rio.
A experiência estilística levada a cabo por James Joyce, pode ser identificada, guardando-se as devidas proporções, na narrativa Pedro, do escritor Luiz Taques,
publicado no ano de 2013, pela editora Kan. Taques não é marinheiro de primeira
viagem, sendo autor de outras obras literárias e devidamente premiado como
jornalista. A edição de 2013 tem capa elaborada por Regina Menezes e conta com
gravuras do artista Beto, sendo a referida edição apresentada por Luciano Schmeiske Pascoal. O livro de
Taques contém vinte e dois capítulos e está devidamente catalogado como romance,
embora sua estrutura formal, no que diz respeito à narrativa propriamente dita
e a constituição das personagens, indique tratar-se, na verdade, de uma novela.
Isso, no entanto, tendo-se em vista a hibridização dos gêneros na
contemporaneidade, não depõe contra a obra. Mais que a forma, o que
consideramos realmente relevante é o conteúdo. Assim sendo, Pedro consiste em uma narrativa bastante
expressiva, tendo um narrador que conversa com o irmão distante, Pedro e,
através dessa conversa iniciada e mantida como forma de desabafo acerca do descaso deles e da cidade para com o rio
que “lambia” o quintal da casa da família, muitas outras questões, sejam elas políticas,
sociais, econômicas, existenciais; vão tomando forma ao longo dessa conversa da
qual, assim como no Dom Casmurro (1899), só temos conhecimento
das coisas a partir de um único ponto de vista; no caso, o do narrador.
Como Pedro não se manifesta, temos somente o narrador
a reclamar do abandono da casa, do distanciamento do irmão, da doença do outro
irmão, bem como das irmãs consideradas um fardo para a família. Tudo isso é
feito em uma constante de velocidade que aproxima a narrativa da fluidez de um
rio. Pedro é, assim, o riocorrente de
Luiz Taques, a margear, assorear, invadir ou recuar conforme os objetivos da narrativa. Dessa forma, o autor impõe à sua narrativa um fluxo de consciência
(aquele mesmo fluxo criado por Joyce e retomado por Virginia Woolf e Clarice Lispector) que se
assemelha ao fluxo de um rio. O resultado é positivo, constituindo-se como um
diferencial se compararmos com outros recentes trabalhos na literatura
brasileira.
A novela de Taques é ambientada na cidade de Buraco Quente, da qual temos poucas informações, mas que nada deixa a dever às milhares de cidades espalhadas por esse país de mais de duzentos milhões de habitantes. Buraco Quente poderia ser vizinha de Comala, Torvelinho, Macondo, a Curitiba do vampiro Nelsinho ou simplesmente não existir. É pela boca do narrador que sabemos tudo que ocorre na cidade. Assim como o rio, a vida continua a correr, mesmo que seu quintal esteja dominado pelo mato. O rio na novela de Taques é a metaforização da própria vida, do próprio existir. A vida em termos bem amplos ou a vida em Buraco Quente ou, em termos bem mais específicos, a vida da família do narrador.
A novela de Taques é ambientada na cidade de Buraco Quente, da qual temos poucas informações, mas que nada deixa a dever às milhares de cidades espalhadas por esse país de mais de duzentos milhões de habitantes. Buraco Quente poderia ser vizinha de Comala, Torvelinho, Macondo, a Curitiba do vampiro Nelsinho ou simplesmente não existir. É pela boca do narrador que sabemos tudo que ocorre na cidade. Assim como o rio, a vida continua a correr, mesmo que seu quintal esteja dominado pelo mato. O rio na novela de Taques é a metaforização da própria vida, do próprio existir. A vida em termos bem amplos ou a vida em Buraco Quente ou, em termos bem mais específicos, a vida da família do narrador.
E já que tocamos no
assunto “narrador” é bom deixarmos bem claro que narrador e autor são pessoas
diferentes. É por isso que aceitamos o narrador, erroneamente afirmar que
crianças de 13, 14 e 15 sejam prostitutas, quando na verdade são vítimas de
exploração sexual (p.24). O narrador, por vezes demonstra um caráter conservador e
preconceituoso, o que o faz destoar da qualidade vanguardista da estrutura narrativa
escolhida pelo autor. Em outras
palavras, o narrador quase não dá conta da história que tem que narrar. E, retomando a
metáfora do rio, parece-nos que o narrador estava sentado em um barranco,
quando de repente cai na água e passa a perder o controle do que faz em um
misto do desespero e do medo que antecedem um afogamento. Mas ainda bem que
ele se agarra a um galho e volta para a margem, retomando o controle da
narrativa.
Luiz Taques |
Além de Pedro (2013), Luiz Taques também
publicou dois volumes de contos O casamento vai acabar com o
poeta (2002), Madá (2011) e o infanto-juvenil A
história de Zé Vida de Barraca (1997). E assim
sendo, lá do seu cantinho, na
bela Londrina (PR), desejamos que Luiz Taques continue produzindo. Daqui, ficamos na
expectativa, aguardando o que de mais dele virá. Leiamos Pedro, de Luiz Taques!