domingo, 30 de agosto de 2015

FINN'S HOTEL

James Joyce (1882 – 1941) é uma incógnita. Embora sua obra esteja “finalizada”, tem-se sempre a impressão de que mais cedo ou mais tarde um novo manuscrito será encontrado em um eterno work in progress.  

A editora Companhia das Letras acaba de publicar, no Brasil, Finn’s Hotel (2014), trabalho até então considerado como “o livro perdido de James Joyce”. Sobre essa obra, convém ressaltarmos a apresentação que  traz a edição brasileira na sua “orelha” esquerda:


No início dos anos 1990, o surgimento de um manuscrito causou alvoroço entre os estudiosos de James Joyce. Encontrado em meio a seus papeis e anotações, Finn’s Hotel foi anunciado como embrião daquele que seria o mais enigmático dos livros do irlandês, o gargantuesco e caudaloso Finnegans Wake. Todavia, uma longa briga judicial privou os leitores do acesso ao texto. Apenas agora, mais de duas décadas depois de sua aparição, é que Finn’s Hotel chega às mãos dos fãs de Joyce.
Se Finnegans Wake é um dos escritos mais herméticos de toda a literatura universal, este Finn’s Hotel é um presente aos leitores que tanto o aguardaram. Claro e acessível, é composto de dez pequenos contos, na verdade, quase fábulas, sobre a história da Irlanda.

Não se sabe ao certo quais eram as intenções de Joyce com o manuscrito, nem se essas histórias de fato compõem uma versão anterior de Finnegans Wake. Ainda assim, estão lá Humphrey Chimpdem Earwicker, protagonista do Wake, e um esboço inicial da magnifica carta de Anna Lívia Plurabelle, uma das peças mais belas da língua inglesa.


A referida edição foi traduzida para o português por Caetano W. Galindo. Traz uma nota do tradutor (pp. 7 – 15) e dois textos introdutórios. O primeiro é de Danis Rose (pp. 17 – 31), e o segundo é de Seamus Deane (pp. 32 – 51). Os textos (contos ou fábulas) de Finn’s Hotel são intitulados e listados da seguinte forma: 1.  “A tintinjoss de Irlanda” (p. 57); 2. “Bondade com peixinhos” (p. 61); 3. “Uma história de um tonel” (p.65); 4. “seus encantos dela” (p.69); 5. “O grande beijo” (p.75); 6. “Bordões da memória” (p.85); 7. “Firmamente ao estrelato”; 8. “A casa dos cem cascos”; 9. “Homem comum enfim” (p.105); 10. “Eis que te carto” (p. 115).
A referida edição também traz em anexo o texto Giacomo Joyce (p. 129 – 153). Sobre esse texto, o tradutor afirma:


(...) é um grande prazer poder lançar junto com este Hotel uma nova tradução de Giacomo Joyce, texto bem mais conhecido, que estaria para o Ulysses mais ou menos como seu irmão aqui presente está para o Finnegans Wake.
Mas com uma grande diferença: Giacomo Joyce também nunca foi publicado por Joyce. A primeira edição, aos cuidados de seu biógrafo Richard Ellmann, apareceu apenas em 1968. Mas seu estatuto como obra independente e concluída é um bocado mais claro que o de Finn’s Hotel, pois as oito folhas (frente e verso) que compõem seu texto foram encontradas quando seu irmão organizava a biblioteca que Joyce deixara em Trieste (...). (GALINDO, 2014: 12 – 13)




Para alguns pesquisadores, Finn’s Hotel pode ser compreendido como o preenchimento da lacuna existente entre o Ulysses e o Finnegans Wake. Para outros, no entanto, trata-se de uma obra que se sustenta por conta própria, ou seja, é independente, podendo, no entanto, servir como uma introdução aos temas e personagens do Finnegans Wake. As pequenas fábulas (ou “epiquetos”, como criara Joyce) estão diretamente relacionadas a momentos tanto da história quanto da mitologia da Irlanda. Os referidos epiquetos dão conta do primeiro milênio e meio após a chegada de São Patrício à Irlanda. Conforme Rose, Joyce teria escrito os textos que compõem o Finn’s Hotel no ano de 1923, ou seja, seis meses após concluir o Ulysses e bem antes de conceber o Finnegans Wake.

Sobre a constituição das fábulas presentes no texto em questão, Danis Rose afirma que:


Os episódios de Finn’s Hotel são escritos numa diversidade única de estilos e quase totalmente num inglês normal. Considerados em conjunto, eles formam o verdadeiro (e até aqui desconhecido) precursor do Wake. Joyce compôs os episódios um a um, revisando alguns deles, deixando alguns em esboço, antes de finalmente coloca-los de lado. E ali restaram, praticamente esquecidos, alguns por dezesseis anos (até ele saquear aquele guarda-roupa em busca de material para as últimas seções do Wake a serem escritas), e alguns para sempre, ou seja, até agora. Só um único episódio, a peça referente ao pai (“Homem comum enfim”), se destacou. Perto do fim de 1923, ao pensar sobre ele Joyce viu ali uma abertura, uma linha de desenvolvimento literário que podia seguir e expandir em seu épico irlandês (em oposição ao seu épico de Dublin), o Finnegans Wake. (ROSE, 2014: 20-21)


James Joyce
Dessa forma, Finn’s Hotel é, ao mesmo tempo, tanto uma continuação do Ulysses, quanto uma introdução ao Finnegans Wake. E embora determinados estudiosos afirmem que Finn’s Hotel é de leitura fácil e acessível, não conseguimos, por nossas leituras, comprovar tais assertivas. Por nosso lado, por tratar-se de uma obra seminal, independente, e ao mesmo tempo estar intimamente conectada com as outras grandes obras do autor irlandês, isso não a caracteriza como fácil ou acessível ao leitor não especialista em Joyce. 

Logo, para quem não leu (ou leu e não entendeu) o Ulysses ou o Finnegans Wake, de muito pouco ou quase nada servirá a leitura de Finn’s Hotel. Contudo, sempre é tempo de desbravar grandes obras. E assim sendo, o trabalho de James Joyce, tal qual a Esfinge, continua aguardando quem o decifre. Ao determinado leitor, boa sorte.


Mais: http://www.theguardian.com/books/2013/jun/14/james-joyce-collection-published?CMP=share_btn_tw



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