James Joyce (1882 – 1941) é
uma incógnita. Embora sua obra esteja “finalizada”, tem-se sempre a impressão
de que mais cedo ou mais tarde um novo manuscrito será encontrado em um eterno work in progress.
A editora Companhia das
Letras acaba de publicar, no Brasil, Finn’s
Hotel (2014), trabalho até então considerado como “o livro perdido de James
Joyce”. Sobre essa obra, convém ressaltarmos a apresentação que traz a edição
brasileira na sua “orelha” esquerda:
No
início dos anos 1990, o surgimento de um manuscrito causou alvoroço entre os
estudiosos de James Joyce. Encontrado em meio a seus papeis e anotações, Finn’s Hotel foi anunciado como embrião
daquele que seria o mais enigmático dos livros do irlandês, o gargantuesco e
caudaloso Finnegans Wake. Todavia,
uma longa briga judicial privou os leitores do acesso ao texto. Apenas agora,
mais de duas décadas depois de sua aparição, é que Finn’s Hotel chega às mãos dos fãs de Joyce.
Se Finnegans Wake é um dos escritos mais
herméticos de toda a literatura universal, este Finn’s Hotel é um presente aos leitores que tanto o aguardaram. Claro
e acessível, é composto de dez pequenos contos, na verdade, quase fábulas,
sobre a história da Irlanda.
Não
se sabe ao certo quais eram as intenções de Joyce com o manuscrito, nem se
essas histórias de fato compõem uma versão anterior de Finnegans Wake. Ainda assim, estão lá Humphrey Chimpdem Earwicker,
protagonista do Wake, e um esboço
inicial da magnifica carta de Anna Lívia Plurabelle, uma das peças mais belas
da língua inglesa.
A referida edição foi
traduzida para o português por Caetano W. Galindo. Traz uma nota do tradutor
(pp. 7 – 15) e dois textos introdutórios. O primeiro é de Danis Rose (pp. 17 –
31), e o segundo é de Seamus Deane (pp. 32 – 51). Os textos (contos ou fábulas)
de Finn’s Hotel são intitulados e
listados da seguinte forma: 1. “A
tintinjoss de Irlanda” (p. 57); 2. “Bondade com peixinhos” (p. 61); 3. “Uma
história de um tonel” (p.65); 4. “seus encantos dela” (p.69); 5. “O grande
beijo” (p.75); 6. “Bordões da memória” (p.85); 7. “Firmamente ao estrelato”; 8.
“A casa dos cem cascos”; 9. “Homem comum enfim” (p.105); 10. “Eis que te carto”
(p. 115).
A referida edição também
traz em anexo o texto Giacomo Joyce (p.
129 – 153). Sobre esse texto, o tradutor afirma:
(...)
é um grande prazer poder lançar junto com este Hotel uma nova tradução de Giacomo
Joyce, texto bem mais conhecido, que estaria para o Ulysses mais ou menos como seu irmão aqui presente está para o Finnegans Wake.
Mas
com uma grande diferença: Giacomo Joyce também
nunca foi publicado por Joyce. A primeira edição, aos cuidados de seu biógrafo
Richard Ellmann, apareceu apenas em 1968. Mas seu estatuto como obra
independente e concluída é um bocado mais claro que o de Finn’s Hotel, pois as oito folhas (frente e verso) que compõem seu
texto foram encontradas quando seu irmão organizava a biblioteca que Joyce
deixara em Trieste (...). (GALINDO, 2014: 12 – 13)
Para alguns pesquisadores, Finn’s Hotel pode ser compreendido como
o preenchimento da lacuna existente entre o Ulysses e o Finnegans Wake. Para outros, no entanto, trata-se de uma obra que
se sustenta por conta própria, ou seja, é independente, podendo, no entanto,
servir como uma introdução aos temas e personagens do Finnegans Wake. As pequenas fábulas (ou “epiquetos”, como criara
Joyce) estão diretamente relacionadas a momentos tanto da história quanto da
mitologia da Irlanda. Os referidos epiquetos dão conta do primeiro milênio e
meio após a chegada de São Patrício à Irlanda. Conforme Rose, Joyce teria
escrito os textos que compõem o Finn’s
Hotel no ano de 1923, ou seja, seis meses após concluir o Ulysses e bem antes de conceber o Finnegans Wake.
Sobre a constituição das
fábulas presentes no texto em questão, Danis Rose afirma que:
Os
episódios de Finn’s Hotel são escritos
numa diversidade única de estilos e quase totalmente num inglês normal. Considerados
em conjunto, eles formam o verdadeiro (e até aqui desconhecido) precursor do
Wake. Joyce compôs os episódios um a um, revisando alguns deles, deixando
alguns em esboço, antes de finalmente coloca-los de lado. E ali restaram,
praticamente esquecidos, alguns por dezesseis anos (até ele saquear aquele
guarda-roupa em busca de material para as últimas seções do Wake a serem
escritas), e alguns para sempre, ou seja, até agora. Só um único episódio, a
peça referente ao pai (“Homem comum enfim”), se destacou. Perto do fim de 1923,
ao pensar sobre ele Joyce viu ali uma abertura, uma linha de desenvolvimento
literário que podia seguir e expandir em seu épico irlandês (em oposição ao seu
épico de Dublin), o Finnegans Wake. (ROSE, 2014: 20-21)
James Joyce |
Dessa forma, Finn’s Hotel é, ao mesmo tempo, tanto uma
continuação do Ulysses, quanto uma
introdução ao Finnegans Wake. E
embora determinados estudiosos afirmem que Finn’s Hotel é de leitura fácil e acessível, não conseguimos, por
nossas leituras, comprovar tais assertivas. Por nosso lado, por tratar-se de
uma obra seminal, independente, e ao mesmo tempo estar intimamente conectada
com as outras grandes obras do autor irlandês, isso não a caracteriza como
fácil ou acessível ao leitor não especialista em Joyce.
Logo, para quem não leu
(ou leu e não entendeu) o Ulysses ou
o Finnegans Wake, de muito pouco ou
quase nada servirá a leitura de Finn’s
Hotel. Contudo, sempre é tempo de desbravar grandes obras. E assim sendo, o
trabalho de James Joyce, tal qual a Esfinge, continua aguardando quem o
decifre. Ao determinado leitor, boa sorte.
Mais: http://www.theguardian.com/books/2013/jun/14/james-joyce-collection-published?CMP=share_btn_tw
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