Antonio Conselheiro (1830
- 1897) profetizou: “o mar vai virar sertão, o sertão vai virar mar”. Enquanto
as geleiras não derretem totalmente e o aquecimento global não transforma em
realidade, de uma vez por todas, as palavras do velho beato; os governos e
grande parcela da população mundial vão se esforçando para alcançar tal objetivo.
Algumas cidades brasileiras, no entanto, ainda guardam estreitos laços com “as
coisas do mar”. Entre tantas, Fortaleza se destaca pela beleza da sua costa,
com um mar que a cada santo (ou profano) dia está a nos encher os olhos e
coração.
É também verdade que
muitos ignoram a riqueza que nos bate à porta. Quantas vezes saímos de casa
simplesmente para ver o mar? Mas há de se dizer: é tudo tão caro. Tudo pela
hora da morte. Mas, o mar. Ah, o mar! Dorival Caymmi sabia das coisas. Como
sabia! E o mar, em Fortaleza, é bem ali. É bem perto. O mar nosso de cada dia
ou de cada noite, se assim o preferirmos.
Mas Fortaleza, como diz
o escritor Pedro Salgueiro, é “uma loirinha desmiolada pelo sol” (as reprimendas
politicamente corretas acerca da referida expressão deverão ser encaminhadas
diretamente ao Pedro Salgueiro, autor de Dos
valores do inimigo, de 2005), carecendo, a nosso ver, se compreender,
ressignificar, e se abrir para si mesma ao mesmo tempo em que se abre para o
mundo. É claro que isso não é tão fácil, tendo em vista ainda sermos um povo
pra lá de provinciano. Alguns artistas, no entanto, têm tentado romper esse
ciclo de mediocridade e mesmice que assola nossa terrinha, banhada desde sempre
por nossos “verdes mares bravios”. E é assim que, por vários cantos da cidade a
qual alguns querem transformar em uma espécie de Dismaland de estacionamentos, binários e viadutos; temos tido a
oportunidade de ver inúmeras intervenções artísticas a nos chamar a atenção
para a necessidade e o direito do ser humano à arte. São frases, pinturas,
grafites, instalações e colagens a nos alertar sobre a manutenção da beleza, da
luta e da vida.
Uma dessas intervenções
mais recentes ocorreu em um belo sábado, dia 25 de julho de 2015. Onde? Bem
perto do mar. Com atenção, dava até pra ouvir Ednardo cantar “Longarinas” ou “Terral”,
e Belchior entoar “Mucuripe”. Foi bem ali, lado a lado com o mar, do aterro da
Praia de Iracema ao Mucuripe. Era a execução do “Para ver o mar”, projeto
coletivo de artistas com o objetivo de atrair a atenção dos fortalezenses (mas
não só deles) para a urgente necessidade da preservação das coisas e dos povos
do mar. Na composição do coletivo, os artistas Narcélio Grud, Maíra Ortins e
Diego de Santos. A programação do evento, conforme divulgada pela imprensa,
constitui-se basicamente de cinco ações: A primeira, “Birutas”, a cargo do
artista Narcélio Grud, resultou na obra “Afago a Leonilson”.
A segunda ação, provavelmente o ponto alto do evento, também executada pelo mesmo Grud, culminou na pintura do Mara Hope, navio ancorado na Praia de Iracema desde 1984, e que já se revela e se mantém na memória do fortalezense como uma espécie de ícone da cidade. A terceira ação ficou por conta da artista visual Maíra Ortins, a qual montou uma instalação aquática com boias de sinalização para embarcações.
As paredes da histórica Igreja São Pedro dos Pescadores foram utilizadas para a projeção de imagens (uma vídeo-instalação) do ir-e-vir das marés, ação também coordenada por Ortins. A quinta e última ação, denominou-se de “Poema 193” e ficou por conta de Diego de Santos, o qual ocupou com suas conchas prenhes de luz, o cemitério de embarcações do Mucuripe.
A segunda ação, provavelmente o ponto alto do evento, também executada pelo mesmo Grud, culminou na pintura do Mara Hope, navio ancorado na Praia de Iracema desde 1984, e que já se revela e se mantém na memória do fortalezense como uma espécie de ícone da cidade. A terceira ação ficou por conta da artista visual Maíra Ortins, a qual montou uma instalação aquática com boias de sinalização para embarcações.
As paredes da histórica Igreja São Pedro dos Pescadores foram utilizadas para a projeção de imagens (uma vídeo-instalação) do ir-e-vir das marés, ação também coordenada por Ortins. A quinta e última ação, denominou-se de “Poema 193” e ficou por conta de Diego de Santos, o qual ocupou com suas conchas prenhes de luz, o cemitério de embarcações do Mucuripe.
A proposta efetivada
pelo coletivo de artistas resultou, como forma de registro e divulgação, em um
livro intitulado Para ver o mar, publicado
em 2015, pela Expressão Gráfica e Editora, de Fortaleza, tendo sido organizado
por Maíra Ortins. Em “Para ver o/do mar”, texto integrante do referido
trabalho, o professor Herbert Rolim, curador do projeto, nos chama atenção para
o que Miwon Kwon (1997) denomina de site-oriented,
ou seja, afirma ele:
(...) mais do que as obras de
Maíra Ortins, Narcélio Grud e Diego de Santos, devemos ter em mente os espaços
relacionais de encontros, institucionais de palestras e oficinas, virtuais de
compartilhamento de ideias e opiniões, midiáticos de informação e registro, e
impressos de leitura e reflexão (...). (ROLIM, 2015:35)
E é a partir do livro que
temos em mãos que, comentamos o projeto “Para ver o mar”, não cabendo a nós nenhuma
análise crítica em relação à qualidade, execução ou resultados das ações desenvolvidas
durante o Projeto, o qual consideramos de extrema relevância; desejando que se
mantenha como uma espécie de work in
progress na agenda cultural da cidade.
O livro, como já
mencionado, é um registro impresso que deve nos servir como leitura e reflexão
para ações futuras. Assim sendo, ele é responsável por trazer as impressões e
os posicionamentos dos membros do coletivo acerca de ações de intervenção
cultural, diálogos da arte com a cidade e com o povo, o projeto em si, bem como
outros olhares que podem se dar tanto da terra para o mar, quanto do mar para a
terra. Assim sendo, a apresentação do
trabalho ficou por conta do fotógrafo Silas de Paula (p. 3-4). Na sequência, “Pensar
imagens, pensando paisagens” (p. 7-11), de Maíra Ortins.
Se uma das intenções do Projeto era prover uma maior aproximação da arte com o público e, logo, do público com a arte, nos chama a atenção o título do trabalho ter sido grafado formalmente como "Para ver o mar", quando, a nosso ver, poderia ter sido nomeado de "Pra ver o mar". Buscou-se uma interação entre povo e arte, mas o povo dificilmente se vê representado pelas exigências da língua culta. Isso, no entanto, é apenas uma observação ligada ao Discurso e à Sociolinguística, a qual não temos a intenção de aprofundar aqui.
Se uma das intenções do Projeto era prover uma maior aproximação da arte com o público e, logo, do público com a arte, nos chama a atenção o título do trabalho ter sido grafado formalmente como "Para ver o mar", quando, a nosso ver, poderia ter sido nomeado de "Pra ver o mar". Buscou-se uma interação entre povo e arte, mas o povo dificilmente se vê representado pelas exigências da língua culta. Isso, no entanto, é apenas uma observação ligada ao Discurso e à Sociolinguística, a qual não temos a intenção de aprofundar aqui.
O texto mais amplo do
livro (p. 17-35) ficou por conta do curador do Projeto, o artista e professor
do IFCE, Herbert Rolim. Seu texto recebeu o nome de “Para ver o/do mar” que,
apesar da exiguidade de espaço, nos presenteia com uma belíssima análise do que
antecede e sustenta teoricamente o projeto do qual foi curador. Em poucas
páginas, o autor de Arte anfíbia: o caso
Otacílio de Azevedo (2009) e Salão de
Abril: De casa para o mundo, do mundo para a casa (2010) situa e orienta o
leitor acerca do contexto histórico-cultural no qual se insere a arte urbana,
assim como sua relação com outros movimentos artísticos. Para tanto, sempre que
necessário, Rolim recua e avança no tempo, tecendo sua análise recorrendo a
referências mundiais, nacionais e locais; sem se descuidar de embasar
teoricamente tudo aquilo que afirma.
O texto do arquiteto
Lucas Razzoline ocupa as páginas 56, 57 e 58. Seu texto denomina-se “Artes e
desastres: a cultura é inimiga da história?”. A pergunta proposta por Razzoline
no título do seu trabalho se multiplica em inúmeras outras ao longo das três
páginas que ocupa, forçando o leitor (artista ou não) a perceber a necessidade
do constante questionamento na constituição da cultura contemporânea. Razzoline
merecia mais espaço, tendo em vista a relevância e atualidade daquilo que iniciou
como discussão.
A crônica de Henrique Araújo fecha o livro com a leveza que se
espera de uma boa crônica. Ressaltamos aqui a opinião do autor de que Fortaleza
não é uma cidade plana, mas inclinada. Em seu texto “A cor do mar” (p.62-63), o
cronista afirma que “é errado supor que Fortaleza é uma cidade plana. Fortaleza
é inclinada, como um escorregador cujo pouso não é a terra, mas a água.
Cidade-barco”. Será?
Todos os textos do
livro também estão “traduzidos” para o Inglês. Contudo, eis o ponto deficitário
do trabalho, uma vez que as traduções para a língua inglesa contém erros
grosseiros e primários. Sugere-se, assim, que as próximas edições desse
trabalho tenham seus textos retraduzidos, e que a revisão para a língua inglesa seja devidamente refeita, para que se
mantenha a boa qualidade dos textos, independentemente do idioma. No que diz
respeito aos “anexos”, os dados biográficos e currículos de todos os membros do
Projeto podem ser conferidos nas páginas 66 até 76. Os registros fotográficos
das intervenções, por sua vez, ocupam as páginas 77-87.
Projetos como “Para ver
o mar” são cada vez mais necessários, devendo fazer parte da agenda cultural
das cidades, sejam elas pequenas ou grandes. Os entraves e dificuldades são
sempre em maior número que “facilidades”, uma vez que há sempre algum sujeito mesquinho
querendo impedir o homem de entrar em contato com o mar. Eles não sabem, no
entanto, que desejam o impossível.
Boa leitura!
Boa leitura!
Para saber mais:
http://www.paraveromar.wordpress.com
http://www.mairaortins.wordpress.com