quinta-feira, 30 de junho de 2016

ANTOLOGIA DE CONTOS - LITERATURA BR

Está cada vez mais comum a publicação de antologias, sejam de contos, poemas ou crônicas. Tal tendência evidencia uma necessidade de publicação, que se pensou, equivocadamente, que desapareceria com o advento das plataformas digitais de leituras. Longe de se confirmar as previsões apocalípticas acerca do desaparecimento do livro, nunca se publicou tanto no mundo inteiro.

Embora os custos para se publicar um livro ainda estejam pela hora da morte, isso não tem sido obstáculo para que os novos (os velhos também) autores possam divulgar seus trabalhos literários. É claro que no meio de muito do que se publica, tem muita coisa de péssima qualidade, resultante da falta de noção daqueles que acham que meia dúzia de palavras em uma folha de papel constitui-se num poema, num conto ou numa crônica. É claro que não! O buraco é bem mais embaixo, caro autor.

Contudo, considerando que a defesa e a manutenção da liberdade implicam também no direito que cada pessoa tem de se expressar, não há razão para discriminar aqueles que publicam seus textos apressadamente, sem a preocupação de torná-los mais maduros. Cabe, porém, à crítica, se posicionar acerca daquilo que se publica e se faz circular. Refiro-me, aqui, não à crítica ressentida e tacanha que pulula nas limitadas páginas dos nossos moribundos jornais, mas àquela crítica que costuma deitar olhos sobre a literatura que se produz no contexto da modernidade líquida, interessada em apresentar e discutir o novo, sem os pré-conceitos fossilizados dos cânones mofados. Infelizmente, grande parte da crítica brasileira parou em Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Depois deles, como diz aquela canção do Leoni: “os outros são os outros, e só”. Nenhum escritor, no entanto, pode desenvolver o seu trabalho, pensando no que a crítica dirá sobre ele. Os livros, tal como os filhos, devem ser criados para o mundo. Por onde vão os livros/filhos e o que dirão sobre eles, infelizmente não está sob o controle de ninguém. Mais importante que publicar, no entanto, é escrever. Quanto mais se escreve, melhor se escreve.

E me parece que  assim  pensou o grupo envolvido na publicação da Antologia de contos – Literatura BR (2016), organizada por Marco Severo e Nathan Matos, publicada pela editora Moinhos. Trata-se de uma edição que, embora bastante simples, demonstra o cuidado com que foi feita. O objetivo da referida antologia é, conforme afirma Nathan Matos, na apresentação da obra, possibilitar a divulgação de novos Quixotes. Por “Quixotes”, devemos compreender os novos autores que ainda enfrentam grandes dificuldades para produzir e divulgar seus trabalhos. Isso não nos causa mais nenhum espanto, tendo em vista o eterno descaso do Estado com qualquer forma de cultura que possa contribuir para o amadurecimento político-cultural da população brasileira. Certamente por isso, a capa do livro, de Lily Oliveira, traz uma reprodução estilizada de uma pintura de Gustave Doré (1832 – 1883), de 1863, representando Don Quixote e Sancho Pança. Excetuando-se os escritores bem-nascidos, assim como aqueles apadrinhados por membros da plutocracia nacional, os autores que desejam, apesar da corrente em contrário, conquistar um lugar no “panteão” da literatura brasileira precisam estar prontos, alertas e determinados a se manter na constante luta contra os moinhos da desesperança tupiniquim.

O livro em questão traz 10 (dez) autores que contribuíram, cada um deles, com um conto. São eles: "Noiva" (p. 11 - 17), de Fabiane Guimarães, "Cúmplices" (p. 19 - 22), de Franck Santos "Quase sem luz" (p. 23 - 25), de Geórgia Cavalcante Carvalho, "Fronteira" (p.27 - 33), de Thiago Oliveira, "Guarda-memórias" (p. 35 - 40), de Mikaelly Andrade, "A verdade e a vida" (p. 41 - 44), de  Paulo Henrique Passos, "Fora da faixa de pedestres" (p. 45 - 46), de Raisa Christina, "Véspera" (p. 47 - 48), de José Maria Saraiva, "A volta" (p. 49 - 56), de Rebecca Jordão, e "#PriceWorld" (p. 57 - 61), de Maik Wanderson. Dos dez contos que compõem a antologia, 7 (sete) são excelentes, enquanto outros 3 (três) deixam muito a desejar, tanto no que diz respeito à tessitura da narrativa, quanto a utilização da forma contística. Além dos textos narrativos, a obra traz ainda um texto de apresentação (p. 7 -8) e notas sobre os autores (p. 63 - 66).

O bom escritor, mesmo que de forma genérica, precisa saber quais são os aportes teóricos que embasam a sua prática enquanto contador de histórias. Dessa maneira, o contista que não consegue elaborar seu conto conforme aquilo que preconiza Poe (1809 – 1849), Tchekhov (1860 – 1904) ou Cortázar (1914 – 1984); provavelmente está escrevendo alguma coisa que nem de longe se parece com um conto. E assim agindo, corre o risco de cair falácia de que a produção de um texto literário depende mais de inspiração do que de qualquer outra coisa. Insistir nisso, é reproduzir tautologicamente um ignorante discurso vazio; coisa que não se espera de grandes autores.

E é sobre as questões de vida, amor e morte que os dez autores da antologia se debruçam; alguns direcionando suas narrativas com o intuito de contemplar a memória, a ironia, o humor, a violência e o cotidiano, por exemplo. Dos dez contos apresentados, destacamos dois que, a nosso ver são referenciais na constituição do conto enquanto gênero literário, bem como no que concerne à maneira de como se contar uma história. São eles: “Quase sem luz” (p. 23 – 25), de Geórgia Cavalcante Carvalho e o excelente “Fronteira” (p. 27 – 33), de Thiago Oliveira.

Assim sendo, a Antologia de contos- Literatura BR alcança seu objetivo ao apresentar ao público-leitor uma leva de jovens contistas dispostos a conquistar espaço no mundo da literatura brasileira. Considerando-se a qualidade dos textos em questão, isso não será problema. Os contos (ou seriam os dados?) estão lançados. Que seus filhos ganhem o mundo!


quarta-feira, 15 de junho de 2016

JOSÉ DE ALENCAR: SÉCULO XXI

José de Alencar
José de Alencar (1829 - 1877) é um clássico. E um clássico, como bem afirma Ítalo Calvino (1923 - 1985), é aquele tipo de livro que a posteridade insiste em não deixar emudecer. Usamos o termo "livro", respeitando a citação de Calvino. Contudo, sabemos que Alencar não é apenas "um livro", mas a representação de todo um sistema que extrapola o literário, abrangendo os campos da Sociologia, Filosofia, História  e Antropologia; entre outros.

Consciente do contexto sócio-cultural no qual estava inserido, Alencar sabia que estava muito à frente do seu tempo, logo, tentava lidar com o "sistema de contrariedades" inerente ao ser humano. Nem sempre conseguia, é claro, mas nem por isso se omitia nas discussões e nos debates que diziam  respeito ao Brasil, naquilo que concernia ao seu povo, sua língua e nacionalidade. Contudo, mesmo antenado com os acontecimentos da sua época, Alencar se recusou a assumir uma posição política de vanguarda quanto à questão da escravidão no Brasil. Tinha suas razões? Certamente que sim. Isso, no entanto, não ameniza sua indiferença quanto a assunto tão relevante para a formação do Brasil, como também não diminui seu talento enquanto autor que erigiu as principais bases para a fundação da Literatura Brasileira. Seja como for, José de Alencar é um clássico que transpõe tempo e espaço, se mantendo como referência para as culturas de língua portuguesa.

Muito se tem falado sobre a dificuldade que as novas gerações demonstram quando se deparam com a leitura dos textos alencarinos, considerando o léxico constituinte da sua obra como hermético, de difícil acesso e dado a excessos descritivos. Isso, obviamente, são fatores que devem ser considerados, contudo, não podem ser tidos como obstáculos para a leitura do referido autor, uma vez que essas mesmas gerações se debruçam sobre os trabalhos de Tolkien ( 1892 - 1973) e Martin (1948 - ), por exemplo; autores que têm obras carregadas dos menos "problemas" apontados na obra de Alencar. O que há então? Talvez nem exista a resposta, mas as respostas, uma vez que ainda não desenvolvemos o "livre pensar" e nos respaldamos em um provincianismo tacanho, que insiste em afirmar que aquilo que é realmente "bom" é tudo o que é produzido para além das fronteiras nacionais. 

Embora curioso e paradoxal tal comportamento, ele vem sendo cunhado e estabelecido na cultural brasileira desde sempre. É o próprio texto alencarino que afirma que, na fundação da nação brasileira, já havendo a terra, o nativo  entraria com a força do trabalho braçal, enquanto o europeu entraria com seu intelecto, haja vista O Guarani ,1857 e Iracema, 1865. Mas o homem, como afirmou Alencar, é um sistema de contrariedades, e foi também por estar envolto nas contrariedades do seu período histórico, que Alencar constrói sua obra monumental. 

E é assim, com o objetivo de discutir a obra de José de Alencar no contexto do século XXI, que veio a lume no ano de 2015, o trabalho intitulado José de Alencar: Século XXI, organizado pelos professores Marcelo Peloggio (UFC), Arlene Fernandes Vasconcelos (UFC) e Valéria Cristina Bezerra (UNICAMP). Publicado pela editora da Universidade Federal do Ceará - UFC, o trabalho é composto por dezoito artigos, escritos por estudiosos da obra do autor cearense, tendo sido organizados em três blocos. O primeiro bloco denomina-se de "História e estética no pensamento de José de Alencar", contando seis artigos. O segundo, "O jogo entre realidade e ficção", traz sete textos, enquanto o terceiro bloco, por sua vez, denominado de "Tradução e recepção crítica", contém cinco artigos. Nesse último bloco, destacamos o artigo "Os homens pacatos não fazem história: José de Alencar, quatro décadas depois do primeiro centenário", de autoria de Odalice de Castro Silva, no qual a autora analisa quadro a quadro os textos presentes em Alencar 100 anos depois. Homenagem da Academia Cearense de Letras ao escritor cearense José Martiniano de Alencar, no centenário de sua morte, publicado pela Academia Cearense de Letras, no ano de 1977. O trabalho conta ainda com a apresentação de Márcia Abreu, da UNICAMP, e com uma nota dos organizadores.

De leitura indispensável, José de Alencar: Século XXI não apenas proporciona novas discussões, como revisita antigas questões acerca da obra do autor de uma das mais relevantes obras da literatura produzida em língua portuguesa. Como dito por Márcia Abreu na abertura do seu texto de apresentação ao referido trabalho, as leituras de José de Alencar no século XXI acabam por colocar autor e obra de volta ao centro e, como sabemos, é do centro que tudo o mais se emana. Boa leitura!