Entre
os anos de 1906 e 1931 os escritores Virginia Woolf (1882-1941) e Lytton Strachey (1880-1932) mantiveram uma
rica correspondência, por meio da qual muitos dos assuntos que viriam a tomar
palco no século XX foram discutidos. Assim como as biografias escritas por
Strachey e toda a obra de Woolf , a epistolografia dos dois autores se
constitui em um vasto manancial para todos aqueles interessados na leitura dos
seus trabalhos bem como para aqueles que desejam se aprofundar, enquanto
pesquisadores, nos meandros das discussões que se deram no alvorecer do
Modernismo.
A
correspondência de Woolf e Strachey foi
reunida e publicada postumamente no livro Virginia
Woolf & Lytton Strachey - Letters, de 1956, a partir da coleção de cartas
constituinte do acervo Frances Hooper
Papers on Virginia Woolf (FHP), o qual está sob a guarda da Smith College, nos Estados Unidos. Conforme dissertação
de mestrado da pesquisadora Geórgia G. B. Cavalcante Carvalho, as missivas
foram doadas a Smith College por uma ex-aluna, contando, ao todo, cento e
quarenta cartas que foram trocadas entre Woolf e Strachey durante os anos de
1906 e 1931. Na publicação de 1956, no entanto, constam apenas cento e cinco
cartas. As demais não foram incluídas, uma vez que os editores, Leonard Woolf e
James Strachey, não as consideraram relevantes por serem, nas palavras deles, apenas
“notas, cartões postais e telegramas contendo um pouco mais do que convites
para o chá ou avisos da chegada de trens”.
A
troca de cartas entre os dois autores se inicia, aponta a pesquisadora, no ano
de 1906, quando, após a morte do seu irmão Thoby Stephen, Virginia Woolf (ainda
Virginia Stephen) convida Lytton Strachey e diversos amigos de Thoby, da
Universidade de Cambridge, para uma visita e, provavelmente um chá, em memória
de Thoby. De um convite inicial bastante formal, a amizade entre os dois se
tornará algo muito próximo, podendo se dizer, inclusive, de confidências e
cumplicidades.
A
dissertação intitulada Uma tradução
comentada de uma seleção de cartas de Virginia Woolf e Lytton Strachey (2017)
foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução – POET, da
Universidade Federal do Ceará (é a primeira vez que as cartas da referida
dissertação são traduzidas para o português brasileiro) e se constitui desde
já, como de suma importância para os estudos acerca das cartas de Woolf e
Strachey, uma vez que os dois referidos autores se situam historicamente na
passagem do século XIX para o século XX, contemplando com seus olhares atentos
muitas das mudanças socioculturais que determinariam os rumos das artes,
especificamente da literatura, no decorrer de todo o século XX.
Por
meio da correspondência de Woolf e Strachey é possível se ter uma visão das
questões políticas, sociais e culturais da Inglaterra do final do século XIX,
por intermédio das discussões que eram levadas a cabo nas reuniões do Círculo
de Bloomsbury, o qual se iniciou com o objetivo de se discutir economia, filosofia,
arte, política e estética, entre inúmeros outros assuntos. Entre seus membros,
estava John Maynard Keynes e E. M. Foster, por exemplo. O Círculo de
Bloomsbury, conforme Cavalcante Carvalho (2017) compartilhava não apenas
valores importantes para seus membros, mas uma preocupação com o prazer
estético. Era heterogêneo em suas artes, engajamento político e realizações,
mas era homogêneo ao representar e discutir o novo estilo de arte produzido no
período.
Lytton Strachey e Virginia Woolf |
Ao
lermos as cartas de Woolf e Strachey, além de se ter um apanhado bastante amplo
das mudanças (literatura, psicanálise, economia etc.) que dominaram o século
XX, percebe-se também uma Virginia Woolf que pouco se nota em outros trabalhos.
Trata-se da Virginia Woolf que não perde a oportunidade de destilar ironia e
sarcasmo acerca de determinados elementos que lhe eram, de alguma forma,
próximos. Por essa razão, algumas das cartas constantes do volume de 1956, do
qual tratamos aqui, acabaram por serem “mutiladas’, quando faziam referências a
pessoas que ainda estivessem vivas ou que, mesmo mortas, poderiam facilmente
ser identificadas. Assim sendo, no lugar do nome dessas pessoas ou de suas
descrições, os editores optaram por deixar apenas um espaço preenchido por um
traço. Dessa forma, para se ter acesso aos nomes das pessoas que são “desconstruídas”
por Virginia Woolf e Lytton Strachey nas cartas de 1956, faz-se necessário
recorrer a um outro trabalho. No caso, The
Letters of Virginia Woolf, Volume I
(1888 – 1912), editado por Nigel Jackson, ainda sem tradução para o português
brasileiro.
Os
estudos sobre epistolografia continuam avançando no âmbito das universidades brasileiras,
assumindo um lugar que, por muito tempo lhe foi negado. Nesse sentido,
pesquisas que se detenham sobre as cartas e os diários de Virginia Woolf, bem
como outros textos compreendidos como “escrita de si” são de extrema
relevância. As cartas de Virginia Woolf e Lytton Strachey são, assim, um
importante ponto de partida para investigações desse tipo, pois nos permitem
uma apreensão e uma compreensão da identidade cultural modernista por
intermédio das discussões que são feitas pelos missivistas em questão.
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