quinta-feira, 9 de novembro de 2017

LITERATURA E CINEMA: ALGUMAS REFLEXÕES

Houve um tempo em que se pensava que as artes não poderiam “conversar” entre si, devendo cada uma permanecer em seu espaço delimitado. Aqueles que defendiam tal estado de coisas não conseguiam perceber que há muito de uma arte em outra arte, sendo bastante saudável que elas interajam sempre que possível. Vítimas dessa desnecessária polêmica, a literatura e o cinema acabaram por romper as correntes do atraso, passando a caminhar cada vez mais juntas, assim como também já o fazem a literatura e a música, a música e as artes plásticas, as artes plásticas e a dança...

Partindo desse princípio, o livro Literatura e cinema: algumas reflexões (2017) proporciona a discussão acerca de algumas visões contemporâneas no que diz respeito a aproximação (ou seria a simbiose?) entre literatura e cinema a partir de sete artigos escritos por pesquisadores das duas áreas. Assim sendo, Bruna Belmont de Oliveira discorre sobre “Cinema e poesia: apontamento sobre um encontro”. Jamile Pequeno Soares escreve “Faces para a criatura de Frankenstein: o que os filmes fazem que o romance não pode fazer (e vice-versa)”. A discussão acerca de “A representação da violência na literatura e no cinema” foi o assunto sobre o qual escreveu Francisco Romário Nunes, que também ficou responsável por escrever a Introdução, abordando a adaptação fílmica como prática cultural.

Juliana Goldfarb de Oliveira, por sua vez, escreveu “Um outro olhar para A história do olho”, enquanto Maria Bevenuta Sales de Andrade e Charles Albuquerque Ponte discorreram sobre as “Especificidades do verbal e do visual: duas narrativas de Estômago. “Da literatura ao cinema: a narrativa poética em O conto  da princesa Kaguya” foi analisado por Francisca Lailsa Ribeiro Pinto. Maria Graciele de Lima se deteve “Sobre versos que costuram El cuerpo de Cristo: quando a carne e a alma estão desterradas”.

O livro em questão foi organizado por Jamile Pequeno Soares e Maria Graciele de Lima, tendo sido publicado pela editora Queima-Bucha, de Mossoró, em 2017. O trabalho contém ao todo 111 páginas e conta com a apresentação “Tão longe, tão perto” (que nos remete automaticamente ao filme de mesmo nome, de Wim Wenders, de 1993), feita por Cícera Graciele Cajazeiras. Na sequência, tem-se a Introdução (p. 9-18) feita por Romário Nunes, pesquisador das relações entre literatura e cinema, tendo desenvolvido pesquisas a partir das adaptações da obra de Cormac McCarthy para o cinema. 

Os sete artigos que compõem a coletânea, assim como todo e qualquer artigo, não se propõem encerrar as discussões sobre literatura e cinema, o que seria, obviamente, impossível. O objetivo desse tipo de trabalho é trazer à tona, por intermédio de novos olhares, outras apreensões acerca de assuntos muitas vezes exaustivamente debatidos. Isso, contudo, não consiste em nenhuma forma de problema, uma vez que umas das funções do pesquisador é continuamente levantar questionamentos e fazer conjecturas, estando sempre pronto e aberto às possíveis refutações.

Os artigos constituintes do livro Literatura e cinema: algumas reflexões dialogam entre si seja pela temática geral que os une, bem como pela base teórica  recorrente na maioria deles. Contudo, ao  lermos os artigos, deixamos de saber qual é a compreensão de literatura e cinema sob o ponto de vista do oriental, por exemplo, uma vez que as bases teóricas são quase todas ocidentais. Isso também não é um problema, mas é sempre produtivo quando buscamos a compreensão do mesmo pelos olhos do outro. E aqui registro uma pergunta: a transposição de um texto literário para a tela deve ser compreendida como uma adaptação, uma tradução ou uma narrativa simplesmente?

Literatura e cinema: algumas reflexões não pretende, como já dissemos, encerrar algo que não se pode encerrar. E, como posto no próprio título do trabalho, tratam-se apenas de “algumas reflexões”. Reflexões tais que gerarão outras reflexões e mais outras, fazendo com que esse excelente trabalho de pesquisa alcance seu objetivo proposto. As escolhas das obras analisadas foram bastante acertadas, com obras clássicas e modernas investigadas em consonância com questões que são muito caras aos nossos tempos de liquidez. Sobre a consciência das relações que se dão entre texto / leitor / espectador, convém observar o que afirma Nunes, quando diz que: “as narrativas construídas a partir do encontro entre literatura e cinema avançam na contemporaneidade. Isso demonstra que esse contato não esgotou as possibilidades de envolver o leitor/espectador na interação com as histórias” (pp.16-17). O texto introdutório do professor Nunes é assertivo, quando reforça que:

(...) a ideia de intertextualidade levantada por Julia Kristeva e por uma série de outros autores atesta o caráter plural da literatura, por exemplo, e concebe o processo de produtividade da obra literária como uma rede de sentidos que interpela, a partir de múltiplas tradições, a presença de um texto em outro. Essa relação nem sempre indica harmonia, mas também produz tensão, subversão, mutação, entre outras formas de contatos. (NUNES: 2017, p. 9)

Ao colocar em análise as relações intertextuais entre literatura e cinema, das quais trata Nunes, o pesquisador precisar ficar atento às exigências da abordagem que será feita, tendo em vista que ao propor uma investigação de um obra literária transposta para o cinema, um mundo de proposições teóricas se descortina. Em outras palavras, o pesquisador deverá estar atento às idiossincrasias e epistemologias (epistemologia no sentido utilizado por Boaventura de Sousa Santos, 2010) culturais que adaptações como as tratadas no presente livro, requerem.

Embora todos os autores tenham conseguido manter esse foco, considero que entre todos os artigos constituintes do livro Literatura e cinema: algumas reflexões (2017), muito me agradaram os artigos “Faces para a criatura de Frankenstein: o que os filmes fazem que o romance não pode fazer (e vice-versa)”, de Jamile Pequeno Soares, “A representação da violência na literatura e no cinema”, de Francisco Romário Nunes, “Um outro olhar para A História do olho”, de Juliana Goldfarb de Oliveira e “Da literatura para o cinema: a narrativa poética em O conto da princesa Kaguya”, de Francisca Laílsa Ribeiro Pinto. Tratam-se de escolhas meramente pessoais desse resenhista e, portanto, questionáveis.

Em termos gerais, o trabalho que vem a público por intermédio da editora Queima-Bucha é de inestimável valor para todos aqueles  que se dedicam a pesquisar as relações entre literatura, cinema e outros sistemas, vindo portanto, contribuir para uma discussão que se amplia cada vez mais. E que cada vez mais se faz necessária.

Que venha o próximo!

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