Ao longo de 35 anos, o
jornalista Franz Alt encontrou o Dalai Lama umas trinta vezes. Desses
encontros, resultaram quinze entrevistas para a televisão. O livro Por que ética é mais importante do que
religião (2018) traz parte dessas
entrevistas. O livro em questão está publicado pela editora Harper Collins, com
tradução de Carolina Caires Coelho.
O livro é constituído do
prefácio “Não tenho inimigos”, de Franz Alt (p.9-12), seguido do texto “Um
apelo do Dalai Lama para a ética secular e para a paz” (p. 13-19). A parte
central do livro, constituída pelas respostas do Dalai Lama às perguntas de
Alt, se estende das página 23 até a página 134 e recebe o nome de “Educando o
coração: Uma conversa com sua santidade, o Dalai Lama. Na sequência, o livro se
completa com “A história do Dalai Lama” (p.135-140), “O Dalai Lama: Uma vida em
datas (p.141-143).
Façamos três observações: primeiramente, embora Franz Alt apareça
como coautor na capa do livro, seu nome não está registrado na ficha
catalográfica. A segunda observação é que o sumário indica que a partir da
página 144 o livro traria um texto intitulado
“Sobre o coautor Franz Alt”. Contudo, não se tem esse texto no livro (pelo
menos na minha edição). O que há na página 144 são apenas os dados da equipe de
publicação. A terceira observação é: o livro traz como título original An appeal to the world. Contudo, na
ficha catalográfica lê-se: Tradução de: An
appeal by the Dalai Lama to the World.
São, ao todo, vinte e
oito perguntas claras, diretas e objetivas, respondidas de forma clara, direta
e objetiva. Todas as perguntas são antecedidas pela explicação daquilo que
trata a questão, iniciando-se sempre com a palavra “sobre”. Por exemplo: “Sobre
o presidente Trump” (p.23-25).
Nas suas respostas, o
Dalai Lama diz o óbvio, ou seja, Ética é mais importante do que religião, o que
poderia soar estranho por ser ele um líder religioso. Contudo, o Dalai Lama
(Dalai Lama significa “oceano de sabedoria”) não é um religioso
fundamentalista, conseguindo perceber o
fracasso das religiões que pouco ou quase nada mudaram ao longo dos séculos,
insistindo no isolamento e na separação pelo radicalismo, desconsiderando que o
mais importante é a aproximação de todos os seres humanos em comunhão com o
planeta.
Sobre essa questão, o
próprio Dalai Lama diz:
Eu acredito que os seres humanos possam sobreviver sem a religião, mas não sem valores, não sem ética. A diferença entre a ética e a religião é como a diferença entre a água e o chá. A ética com base na religião e nos valores interiores é mais como água. o chá é feito praticamente só de água, mas tem outros ingredientes – folhas de chá, temperos, talvez um pouco de açúcar e, pelo menos no Tibete, uma pitada de sal – e isso o torna mais substancial, mais duradouro, algo que desejamos beber todos os dias. Mas independentemente de como o chá é preparado, seu principal ingrediente é sempre a água. Podemos viver sem o chá, mas não sem a água. da mesma maneira, nascemos sem a religião, mas não sem a necessidade básica por compaixão – e não sem a necessidade fundamental por água. (DALAI LAMA, 2018, P.14)
As respostas do Dalai
Lama são sempre pautadas por exemplos de vida. Assim, ao longo de toda a
entrevista, o líder espiritual tibetano recorre a maiêutica como forma de se
fazer compreender da maneira mais clara possível. Ao discorrer sobre a urgente
necessidade do ser humano se livrar dos seus pesos mentais, como estresse,
medo, ansiedade e frustração, Dalai Lama defende que precisamos de um nível
mais profundo de pensamento, que ele chama de mindfulness.
Mindfulness,
palavra
que a tradutora preferiu manter no original inglês em todo o texto, significa “atenção
plena” ou “consciência plena” e refere-se a um estado mental por meio do qual o
indivíduo consegue manter controle sobre o seu poder de concentração, contribuindo
para que as atividades que precisam ser realizadas se deem de maneira leve e
profícua.
Embora a chamada
meditação mindfulness tenha caído no
gosto das grandes empresas, como forma de manter seus funcionários leves e
aptos a resolver qualquer desafio, suas origens remontam às práticas medievais
de meditação, tendo entre seus mais antigos praticantes, os budistas.
Atualmente, a mindfulness é estudada
por vários ramos da medicina e da psicologia, alcançando resultados bastante
consideráveis.
A proposta do mestre
tibetano objetiva, assim, a nosso ver, a utilização da mindfulness, primeiramente, em nível pessoal para, depois, ser
aplicada em nível global, uma vez que nenhuma mudança exterior poderá se dar se
não acontecer, primeiramente, uma mudança interior. Devemos, diz o Dalai Lama,
nos esforçar para mudar a nós mesmos. Para que isso ocorra tal qual pretendido
pelo monge budista, é preciso compreender que “... Agora, a ética global
secular é mais importante do que as religiões clássicas. Precisamos de uma
ética global que possa aceitar tanto os crentes quanto os não crentes,
incluindo os ateus” (DALAI LAMA, p.41). O verdadeiro inimigo, afirma o Dalai
Lama, está dentro de nós, não fora.
Dalai Lama e Franz Alt |
E assim sendo, em uma
época marcada pela marginalização do próximo, pelo levantamento de muros e
fechamento de fronteiras, bem como pela exclusão do outro, a leitura de Por que ética é mais importante do que
religião (2018) surge como um chamado capaz de nos levar a refletir sobre a
nossa função no planeta Terra e nossa relação com o outro. O Dalai Lama está
sempre pronto a dizer, geralmente sorrindo, como o fazem os grandes sábios, as
coisas mais complexas da maneira mais simples.
Quem tiver ouvidos para
ouvir.....
Boa leitura!