Conforme nós aprendemos a sustentar a
intimidade do escrutínio e florescer dentro dela, conforme aprendemos a usar os
produtos daquele escrutínio para poder dentro de nossa vida, aqueles medos que
comandam nossas vidas e formam nossos silêncios começam a perder o controle
sobre nós.
Para cada de nós como mulheres, há um
lugar escuro por dentro, onde escondido e crescendo nosso espírito verdadeiro
se ergue, “lindo / e firme como uma castanha / opondo-se colunar ao (v)nosso
pesadelo de fraqueza”[1]
e impotência.
Esses lugares de possibilidade dentro
de nós são escuros porque são ancestrais e escondidos; eles sobreviveram e
cresceram fortes através daquela escuridão. Dentro desses lugares profundos,
cada uma de nós mantém uma reserva incrível de criatividade e poder, de emoção
e sentimento não examinado e não registrado. O lugar de poder de mulher dentro
de cada uma de nós não é branco nem superfície; é escuro, é ancestral, e é
profundo.
Quando vemos a vida no modelo europeu
unicamente como um problema a ser solucionado, nós contamos somente com nossas
ideias para nos deixar livres, pois isso foi o que os patriarcas brancos nos
disseram que era precioso.
Mas quanto mais vamos entrando em
contato com nossa consciência de vida ancestral, não europeia, como uma
situação a ser experienciada e com a qual interagir, nós aprendemos mais e mais
a cultivar nossos sentimentos, e a respeitar aquelas fontes secretas de nosso
poder de onde vem conhecimento verdadeiro e, portanto, ações duradouras vêm.
Nesse ponto no tempo, acredito que as
mulheres carregamos dentro de nós mesmas a possibilidade de fusão dessas duas
abordagens tão necessárias à sobrevivência, e chegamos perto dessa combinação
em nossa poesia. Eu falo aqui de poesia como uma destilação revelatória da experiência,
não o jogo de palavras estéril que, muitas vezes, os patriarcas brancos
distorceram a palavra poesia para significar – para cobrir um desejo
desesperado por imaginação sem vislumbre.
Para mulheres, então, poesia não é um luxo. Ela é uma
necessidade vital de nossa existência. Ela forma a qualidade da luz dentro da
qual predizemos nossas esperanças e sonhos em direção a sobrevivência e mudança, primeiro feita
em linguagem, depois em ideia, então em ação mais tocável. Poesia é a maneira
com que ajudamos a dar nome ao inominado, para que possa ser pensado. O
horizonte mais distante de nossas esperanças e medos é calçado por nossos
poemas, talhado das experiências pétreas de nossas vidas diárias.
Conforme eles se tornam conhecidos e
aceitos por nós, nossos sentimentos e a exploração honesta deles se tornam
santuários e solo polinizado para o mais radical e audaz de ideias. Eles se
tornam um abrigo para aquela diferença tão necessária à mudança e a
conceituação de qualquer ação significativa. Agora mesmo, eu poderia nomear
pelo menos dez ideias que eu teria achado intoleráveis ou incompreensíveis e
assustadoras, exceto se tivessem vindo depois de sonhos e poemas. Isso não é
fantasia tola, mas uma atenção disciplinada ao verdadeiro significado de “isso
parece certo para mim.” Nós podemos nos treinar a respeitar nossos sentimentos
e transpô-los em uma linguagem para que possam ser compartilhados. E onde
aquela linguagem ainda não existe, é nossa poesia que ajuda a tecê-la. Poesia
não é só sonho e visão; ela é a estrutura óssea de nossas vidas. Ela lança as
fundações para um futuro de mudança, uma ponte entre nossos medos do que nunca
aconteceu antes.
Possibilidade não é para sempre nem
instante. Não é fácil sustentar crença em sua eficácia. Às vezes podemos trabalhar
muito e duro para estabelecer uma primeira trincheira de resistência real às
mortes que esperam que vivamos, só para ter essa trincheira roubada ou ameaçada
por aquelas calúnias que fomos socializadas a temer, ou pela retirada daquelas
aprovações que fomos alertadas a buscar por segurança. Mulheres nos vemos
diminuídas ou abrandadas pelas falsamente benignas acusações de infantilidade,
de não-universalidade, de mutabilidade, de sensualidade. E quem pergunta a
questão: eu estou alterando sua aura, suas ideias, seus sonhos, ou eu estou
meramente movendo você a atos temporários e reativos? E mesmo que a segunda não
seja má tarefa, é uma que deve ser vista no contexto de uma necessidade de
verdadeira alteração das fundações mesmas de nossas vidas.
Os patriarcas brancos nos disseram:
penso, logo existo. A mãe Negra dentro de nós – a poeta – sussurra em nossos
sonhos: eu sinto, portanto eu posso ser livre. Poesia cunha a linguagem para
expressar e empenhar essa demanda revolucionária, a implementação daquela
liberdade.
Contudo, a experiência nos ensinou que
ação no agora é também necessária, sempre. Nossas crianças não podem sonhar a
não ser que elas vivam, elas não podem viver a não ser que estejam nutridas, e
quem mais vai alimentá-las da comida verdadeira sem a qual seus sonhos não
serão nada diferentes dos nossos? “Se você quer que nós mudemos o mundo algum
dia, nós ao menos tempos que viver tempo o bastante para crescer!”, grita a
criança.
Às vezes nos drogamos com sonhos de
ideias novas. A cabeça vai nos salvar. O cérebro sozinho vai nos libertar. Mas
não há ideias novas ainda esperando nas asas para nos salvar como mulheres,
como humanas. Só há aquelas velhas e esquecidas, novas combinações,
extrapolações e reconhecimentos desde dentro nós mesmas – junto à renovada
coragem para tenta-las. E nós temos que encorajar constantemente a nós mesmas e
a cada outra para tentarmos as ações heréticas que nossos sonhos implicam, e
que tantas das nossas velhas ideias desprezam. Na linha de frente de nossa
movimentação até mudança, só há poesia para aludir à possibilidade feita real.
Nossos poemas formulam as implicações de nós mesmas, o que sentimos dentro e
ousamos fazer realidade (ou trazer ação de acordo com), nossos medos, nossas
esperanças, nossos terrores mais cultivados.
Pois dentro de estruturas vivas
definidas pelo lucro, pelo poder linear, pela desumanização institucional,
nossos sentimentos não foram feitos para sobreviver. Mantidos por perto como
adjuntos inevitáveis ou passatempos prazenteiros, era esperado que sentimentos
se curvassem a pensamento como era esperado que mulheres se curvassem a homens.
Mas as mulheres temos sobrevivido. Como poetas. E não há sofrimentos novos. Nós
já os sentimos todos. Nós escondemos tal fato no mesmo lugar em que nós escondemos
nosso poder. Eles emergem em nossos sonhos, e são nossos sonhos que apontam o
caminho para liberdade. Aqueles sonhos se tornam realizáveis por nossos poemas
que nos dão a força e coragem para ver, sentir, falar, e ousar.
Se o que precisamos para sonhar, para
mover nossos espíritos mais profunda e diretamente até o encontro e através de
promessa, é menosprezado como luxo, então nós desistimos do cerne – a fonte –
de nosso poder, nossa mulheridade; nós desistimos do futuro de nossos mundos.
Pois não há ideias novas. Só há novas
maneiras de fazê-las sentidas – de examinar como nos parecem aquelas ideias
sendo vividas no domingo de manhã às 7 A.M, depois do café da manhã, durante
amor voraz, fazendo guerra, parindo, chorando nossxs mortxs – enquanto nós sofremos
as velhas esperas, combatemos os velhos conselhos e medos de sermos silentes e
impotentes e sós, enquanto nós provamos nossas possibilidades e forças.
[1] Traduzido
por tatiana nascimento, novembro de 2012. dissonante@gmail.com /
traduzidas.wordpress.com
[2]
Publicado
pela primeira vez em Chrysalis: A Magazine of Female Culture, n. 3 (1977). Nota
da autora.
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