terça-feira, 10 de março de 2020

DISCURSO SOBRE O COLONIALISMO, POR AIMÉ CÉSAIRE




Aimé Césaire (1913 – 2008) é um dos grandes nomes da poesia em língua francesa. Além da sua produção poética, admirada por autores como  André Breton e Benjamin Péret, também dedicou-se à produção de textos dramatúrgicos. Juntamente com Léopold Sédar Senghor, Césaire foi criador do conceito de “negritude”, o qual perpassa toda sua obra.


Aimé Césaire (1913 - 2008)


Os processos de colonização levados a cabo principalmente pela Europa ocidental, colonizadora e colonialista, constituem-se, antes de qualquer coisa, como movimentos de extrema violência genocida contra os povos que foram vítimas de tais processos. A colonização, conforme Marc Ferro (1924 - ), em A história das colonizações: das conquistas às independências – séculos XIII a XX (1994), é associada à ocupação de uma terra estrangeira, à sua exploração agrícola, à instalação de colonos. Assim definido o termo colônia, o fenômeno data da época grega (...).

Sobre o conceito de colonização, convém observar o que afirmam Silva & Silva em seu Dicionário de conceitos históricos (2015). Dizem:

(...) Colonização, mais que um conceito, é uma categoria histórica, porque diz respeito a diferentes sociedades e momentos ao longo do tempo. A ideia de colonização ultrapassa as fronteiras do Novo Mundo: é um fenômeno de expansão humana pelo planeta, que desenvolve a ocupação e o povoamento de novas regiões. Portanto, colonizar está intimamente associado a cultivar e ocupar uma área nova, instalando nela uma cultura preexistente em outro espaço. Assim sendo, a colonização em determinadas épocas históricas foi realizada sobre espaços vazios, como é o caso das migrações pré-históricas que trouxeram a espécie humana ao continente americano. Mas desde que a humanidade se espalhou pelo mundo, diminuindo significativamente os vazios geográficos, o tipo de colonização mais comum tem sido mesmo aquele  executado sobre áreas já habitadas, como a colonização grega do Mediterrâneo, na Antiguidade, e a colonização do Novo Mundo, na Idade Moderna. (SILVA & SILVA, 2015, P.67)

Assim sendo, o texto de Césaire, traduzido para o português por Anísio Garcez Homem, e publicado pela editora Letras Contemporâneas, mostra-se bastante atualizado, tendo em vista as discussões que têm tomado campo no atual contexto sócio-histórico, político e cultural, quando as potências imperialistas  desumanizam outros povos, com os sórdidos objetivos de lhe saquearem as riquezas e impor sua cultura, destruindo a do outro. O importante para essas potências é dar seguimento ao processo de colonização sob “novas” formas de divisão, dominação e extermínio dos oprimidos, haja vista, o racismo, a xenofobia e o avanço do fascismo.

Césaire (2010, p. 15) inicia seu discurso fazendo as seguintes afirmações: “ Uma civilização que se mostra incapaz de resolver os problemas que suscita seu funcionamento é uma civilização decadente”. E “Uma civilização que escolhe fechar olhos ante seus problemas mais cruciais é uma civilização ferida”. E ainda: “Uma civilização que engana a seus próprios princípios é uma civilização moribunda”. E segue, afirmando que “ o fato é que a civilização chamada “europeia”, a civilização “ocidental”, tal como foi moldada por dois séculos de regime burguês, é incapaz de resolver os dois principais problemas que sua existência originou: o problema do proletariado e o problema colonial. Conforme Césaire: “Esta Europa, citada ante o tribunal da “razão” e ante o tribunal da “consciência”, não pode justificar-se; e se refugia cada vez mais em uma hipocrisia ainda mais odiosas, porque tem cada vez menos probabilidade de enganar”.

Mais adiante, Césaire afirma que:

 (...) a colonização desumaniza o homem mesmo o mais civilizado; que a ação colonial, a empreitada colonial, a conquista colonial, fundada sobre o desprezo do homem nativo e justificada por esse desprezo, tende inevitavelmente a modificar aquele que a empreende; que o colonizador, ao habituar-se a ver no outro a besta, ao exercitar-se em tratá-lo como besta, para acalmar sua consciência, tende objetivamente em transformar-se ele próprio em besta (...). (CÉSAIRE, 2010, p. 29)

Ao longo do seu texto-discurso, Césaire coloca a palavra colonização como sinônimo de coisificação, proletarização e mistificação. Ao contrário daquilo defendido pela Europa colonizadora, os “progressos materiais” resultantes dos seus processos de colonização são ínfimos quando comparado ao rastro de sangue e cheiro de morte deixados pelo caminho. Falar em “progresso material ” sem considerar os danos e as perdas humanas é desleal e criminoso.

Em tempos de retrocesso político, o discurso de Césaire é oportuno para que cada homem e mulher reflita sobre o demônio que lhes habita. Ao fazê-lo, poderá se surpreender ao perceber que o mal não está tão longe quanto nos fazemos acreditar.

Nas palavras do autor:

(...) as formas de atuar de Hitler e do hitlerismo, revelar-lhe ao mui distinto, mui humanista, mui cristão burguês do século XX que leva dentro de si um Hitler e que ignora que Hitler o habita, que Hitler é seu demônio, que, se o vitupera, é por falta de lógica, e que no fundo o que não é perdoável em Hitler não é o crime  contra o homem, não é a humilhação do homem em si, senão o crime contra o homem branco, é a humilhação do homem, e haver aplicado na Europa procedimentos colonialistas que até agora só concerniam aos árabes da Argélia, aos coolies da Índia e aos negros da África. (CÉSAIRE, 2010, p.23).

Assim sendo, no decorrer do seu discurso sobre o colonialismo, Aimé Césaire desconstrói ideias e posicionamentos impostos pelos colonizadores e que reverberam até os dias de hoje, apontando o dedo para feridas que, por questões óbvias, nunca vão sarar.

Boa leitura!