Aimé Césaire (1913 –
2008) é um dos grandes nomes da poesia em língua francesa. Além da sua produção
poética, admirada por autores como André
Breton e Benjamin Péret, também dedicou-se à produção de textos dramatúrgicos.
Juntamente com Léopold Sédar Senghor, Césaire foi criador do conceito de
“negritude”, o qual perpassa toda sua obra.
Aimé Césaire (1913 - 2008) |
Os processos de
colonização levados a cabo principalmente pela Europa ocidental, colonizadora e
colonialista, constituem-se, antes de qualquer coisa, como movimentos de
extrema violência genocida contra os povos que foram vítimas de tais processos.
A colonização, conforme Marc Ferro (1924 - ), em A história das colonizações: das conquistas às independências – séculos
XIII a XX (1994), é associada à ocupação de uma terra estrangeira, à sua
exploração agrícola, à instalação de colonos. Assim definido o termo colônia, o fenômeno data da época grega
(...).
Sobre o conceito de
colonização, convém observar o que afirmam Silva & Silva em seu Dicionário de conceitos históricos
(2015). Dizem:
(...) Colonização, mais que um
conceito, é uma categoria histórica, porque diz respeito a diferentes
sociedades e momentos ao longo do tempo. A ideia de colonização ultrapassa as
fronteiras do Novo Mundo: é um fenômeno de expansão humana pelo planeta, que desenvolve
a ocupação e o povoamento de novas regiões. Portanto, colonizar está intimamente associado a cultivar e ocupar uma área nova, instalando nela uma cultura
preexistente em outro espaço. Assim sendo, a colonização em determinadas épocas
históricas foi realizada sobre espaços vazios, como é o caso das migrações
pré-históricas que trouxeram a espécie humana ao continente americano. Mas
desde que a humanidade se espalhou pelo mundo, diminuindo significativamente os
vazios geográficos, o tipo de colonização mais comum tem sido mesmo aquele executado sobre áreas já habitadas, como a
colonização grega do Mediterrâneo, na Antiguidade, e a colonização do Novo
Mundo, na Idade Moderna. (SILVA & SILVA, 2015, P.67)
Assim sendo, o texto de
Césaire, traduzido para o português por Anísio Garcez Homem, e publicado pela
editora Letras Contemporâneas, mostra-se bastante atualizado, tendo em vista as
discussões que têm tomado campo no atual contexto sócio-histórico, político e
cultural, quando as potências imperialistas
desumanizam outros povos, com os sórdidos objetivos de lhe saquearem as
riquezas e impor sua cultura, destruindo a do outro. O importante para essas
potências é dar seguimento ao processo de colonização sob “novas” formas de
divisão, dominação e extermínio dos oprimidos, haja vista, o racismo, a
xenofobia e o avanço do fascismo.
Césaire (2010, p. 15)
inicia seu discurso fazendo as seguintes afirmações: “ Uma civilização que se
mostra incapaz de resolver os problemas que suscita seu funcionamento é uma civilização
decadente”. E “Uma civilização que escolhe fechar olhos ante seus problemas
mais cruciais é uma civilização ferida”. E ainda: “Uma civilização que engana a
seus próprios princípios é uma civilização moribunda”. E segue, afirmando que “
o fato é que a civilização chamada “europeia”, a civilização “ocidental”, tal
como foi moldada por dois séculos de regime burguês, é incapaz de resolver os
dois principais problemas que sua existência originou: o problema do
proletariado e o problema colonial. Conforme Césaire: “Esta Europa, citada ante
o tribunal da “razão” e ante o tribunal da “consciência”, não pode
justificar-se; e se refugia cada vez mais em uma hipocrisia ainda mais odiosas,
porque tem cada vez menos probabilidade de enganar”.
Mais adiante, Césaire
afirma que:
(...) a colonização desumaniza o homem mesmo o
mais civilizado; que a ação colonial, a empreitada colonial, a conquista
colonial, fundada sobre o desprezo do homem nativo e justificada por esse
desprezo, tende inevitavelmente a modificar aquele que a empreende; que o
colonizador, ao habituar-se a ver no outro a besta, ao exercitar-se em tratá-lo
como besta, para acalmar sua consciência, tende objetivamente em transformar-se
ele próprio em besta (...). (CÉSAIRE, 2010, p. 29)
Ao
longo do seu texto-discurso, Césaire coloca a palavra colonização como sinônimo de coisificação,
proletarização e mistificação. Ao contrário daquilo defendido pela Europa
colonizadora, os “progressos materiais” resultantes dos seus processos de
colonização são ínfimos quando comparado ao rastro de sangue e cheiro de morte
deixados pelo caminho. Falar em “progresso material ” sem considerar os danos e
as perdas humanas é desleal e criminoso.
Em
tempos de retrocesso político, o discurso de Césaire é oportuno para que cada
homem e mulher reflita sobre o demônio que lhes habita. Ao fazê-lo, poderá se
surpreender ao perceber que o mal não está tão longe quanto nos fazemos
acreditar.
Nas
palavras do autor:
(...) as formas de atuar de Hitler
e do hitlerismo, revelar-lhe ao mui distinto, mui humanista, mui cristão
burguês do século XX que leva dentro de si um Hitler e que ignora que Hitler o
habita, que Hitler é seu demônio, que, se o vitupera, é por falta de lógica, e
que no fundo o que não é perdoável em Hitler não é o crime contra o homem, não é a humilhação do homem
em si, senão o crime contra o homem branco, é a humilhação do homem, e haver
aplicado na Europa procedimentos colonialistas que até agora só concerniam aos
árabes da Argélia, aos coolies da Índia e aos negros da África. (CÉSAIRE, 2010,
p.23).
Assim
sendo, no decorrer do seu discurso sobre o colonialismo, Aimé Césaire
desconstrói ideias e posicionamentos impostos pelos colonizadores e que
reverberam até os dias de hoje, apontando o dedo para feridas que, por questões
óbvias, nunca vão sarar.
Boa
leitura!
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