sábado, 23 de agosto de 2025

MATEUS DA SILVA E A BELEZA DO MUNDO

 

Para Mateus da Silva

(in memoriam)

 

Mateus da Silva é uma dessas figuras singulares. Artista plástico, escultor, poeta e quase um dândi às avessas. Mateus mora na cidade de Fortaleza, a terra do sol. Mas, com ou sem sol, Mateus conseguiria se virar em qualquer lugar. Conheci o Mateus, não lembro muito bem quando. Mas faz tempo, muito tempo. Não sei se tem mulher, irmãos, filhos, pai ou mãe. Apenas conheci o Mateus e me apaixonei pela sua capacidade de pintar coisas que sempre imaginei, mas que jamais saberia transformar em arte. Também me apaixonei pela sua capacidade de me oferecer quadros, que nunca me recusaria comprar. Assim, devo ter umas dez telas pintadas por ele. São abstratos, naturezas mortas e outras coisas "inclassificáveis", mas igualmente belas. Prefiro os abstratos, pois gosto de imaginar coisas, "criar" a partir daquilo que já está posto. Deduzir, inferir.

 


Já faz muito tempo que não encontro Mateus. Ele não tem dado o ar da graça. Sumiu feito leite. Mas talvez estejamos apenas em desencontro, uma vez que mudei de casa, de cidade. O fato é que sinto falta do Mateus. Por onde andará Stephen Fry? A última vez que vi Stephen Fry, digo, Mateus, foi num domingo de um ano qualquer. Ele chegou com uma pasta debaixo do braço, sentou, cruzou as pernas e, ao tomar café, disparou: "Trouxe meu livro para você ler, ajustar e escrever o prefácio". E eu: Como assim? O "livro", de umas cinquenta páginas chama-se Da Beleza do Mundo. É, na verdade, o esboço de um livro de poemas. Diga-se de passagem, poemas muito bons. Poemas que trazem em si a consistência da sensibilidade do homem Mateus, do artista plástico, do poeta. Digo esboço, pois o livro ainda não tomou forma. Ainda está impresso e fotocopiado.

 Da Beleza do Mundo está dividido em cinco partes: "Poemas pássaros", "Da beleza do mundo", "Poemas curtos", "Visita a Van Gogh (Impressões do médico)" e "Caleidoscópio (Diversos e dispersos)". No poema "Da beleza do mundo" tem-se: "Não será o exterior sombrio/nem valores dilapidados pela civilização/que erguerão muros de Berlin/em meio à minha clara visão da beleza escancarada do mundo/Meu cavalo é alado/e como os deuses/desvendo céus/Meus castelos são reais/e eu habito neles". Que lindeza!

 Naquele mesmo dia, Mateus também me deu um livro de Anna Maria Ortese chamado O pássaro da dor. Anna Maria Ortese nasceu em Roma e residiu um longo tempo em Nápoles; desde 1975 mora na Lugúria (Norte da Itália). O pássaro da dor (Il cardillo addolorato) é sua primeira obra publicada no Brasil. Na dedicatória (não aceito livros sem dedicatória) Mateus escreveu: "Para o amigo Carlos, que sabe apreciar uma boa leitura". A data da dedicatória é de abril de 2005. Desde então não mais o encontrei. Sei que ele deve estar andando por aí, botando sua "cabeça de girassol" pra pensar; maquinando o próximo trabalho, o próximo passo.

 Em outro poema, "A estada do cigano", o poeta diz: "A estada do cigano/será mais longa/percorrer as estradas/Agora está mais difícil/Existem tantas fronteiras/e os pequenos precisam estudar/Ah! Mas quando é lua cheia/coçam-me os pés/e os cavalos relincham inquietos". Não sei bem quando será lua cheia. Mas até lá, talvez os pés do poeta cocem e, das estradas das tantas fronteiras, reapareça. Por essas épocas, talvez eu já tenha conseguido pensar um prefácio que mereça estar à altura dos poemas Da Beleza do Mundo.

 

NOTA: O texto acima está publicado originalmente em:

 CARVALHO, Carlos. Memória de peixe. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2010.

 Fiz algumas alterações e o posto aqui em homenagem ao amigo Mateus da Silva, que se encantou em 2025.


 

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