Por volta das 17h30 as
pessoas já começavam a chegar. Entravam e não conseguiam desviar os olhos dos
lustres que pendem do teto do majestoso Cineteatro São Luiz, casa de
espetáculos cravada na Praça do Ferreira, coração da cidade de Fortaleza. A
grandeza do prédio construído pelo Grupo Severiano Riberio é tanta, que nem
mesmo a feiura dos tapumes da praça em reforma conseguem ofuscar sua imponente
beleza. Na plateia, as pessoas começam a se acomodar, como se fossem abraçadas
pela delicadeza daquele espaço. A apresentação está marcada para as 18h. Ainda
há muitas cadeiras desocupadas, mas sei que isso não vai ficar assim.
Terceira fileira, bem de
frente pro palco, poltrona C1. Em localização privilegiada, aguardo a entrada
de Arrigo Barnabé e a Banda Isca de Polícia, que visitarão a obra de Itamar
Assumpção naquele início de
noite de domingo, quando tudo o mais parece estar
parado lá fora. Na divulgação do evento, lemos que a ideia do show nasceu a
partir do desejo de Arrigo Barnabé de revisitar a obra de Itamar Assumpção. As
luzes se apagam. No palco, Paulo Lepetit (baixista), Jean Trad (guitarra) e
Marco da Costa (bateria) já ocupam seus lugares. Então, o espaço é tomado por
uma voz que pergunta sem cessar: “o que tem nessa cabeça, Beleléu?”. Lá no
fundo do palco, por traz da bateria, vem surgindo lentamente um senhor grisalho,
de 74 anos, elegantemente vestido em um sobretudo escuro, caminhando assim de
lado, como se carregasse o peso da dor. Senhoras e senhores, Arrigo Barnabé
está no palco!
Nas quase duas horas que
se seguiram, Arrigo Barnabé e seus músicos fizeram, sem sombra de dúvidas, um
dos melhores shows que já passaram por aquele teatro. E olhe, caro leitor, que
Edinardo já incendiou aquilo ali bem recentemente! E assim sendo, o público foi
brindado com canções de Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, mas também de autores
como Ataulfo Alves (“Na cadência do samba”), Nelson Cavaquinho (“Luz negra”, “Quando
eu me chamar saudade”), Orlando Silva (“Errei... Erramos”) e Arnaldo Antunes
(“De mais ninguém”), por exemplo. Dessa forma, Arrigo Barnabé e sua banda
desfiaram um rosário de incontornáveis canções da música brasileira, para um
público atento e ávido.
E por falar em rosário,
Arrigo Barnabé ainda declamou o poema “Relógio do Rosário”, do livro Claro
Enigma (1951), de Carlos Drummond de Andrade, o que acabou por compensar,
para mim, a ausência da canção “Isso não vai ficar assim”. A escolha do
referido poema não se deu por acaso, uma vez que algumas das canções
apresentadas (“De mais ninguém”, “Dor elegante”), assim como algumas das falas
do artista, versam sobre a condição humana, o tempo e, principalmente, a dor. E
é por esse caminho que se estrutura o poema em questão, uma vez que Drummond o
tece inteiramente a partir da carga semântica da lexia dor, a qual é muito
menos física, mas muito mais existencial: “Oh dor individual, afrodisíaco...”,
“Dor primeira e geral esparramada...”, “Dor de tudo e de todos/Dor sem
nome...”, “Dor dos bichos...”, “Dor do espaço e do caos e das esferas, do tempo
que há de vir, das velhas eras!”.
O bis ficou por conta de
“Fico louco”, que diz: “A gente sofre tanto/Vive muito mal/Espero que você não
se esqueça”. No final, tudo que se quer talvez seja apenas isso: “...andar nas
ruas da cidade agarrado contigo/Vivendo em pleno vapor, felicidade contigo”. Afinal, como nos diz Paulo Leminski: “um homem
com uma dor é muito mais elegante” e, muitas vezes, ela é tudo o que nos sobra.
