segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Esculhambação é outra coisa!

 

Não deu no New York Times, mas saiu em todos os veículos da imprensa brasileira a frase: “Tem que organizar a casa. Está uma esculhambação”, que teria sido dita pelo deputado federal Arthur Lira (PP-AL) em um grupo de mensagens com integrantes de seu partido na Câmara, após a manutenção do mandato do deputado Glauber Braga. No Nordeste, a palavra “esculhambação” é bastante usada no sentido de “desorganização” e “confusão”. A maneira como boa parte dos adolescentes “organiza” seu quarto é, por exemplo, uma verdadeira “esculhambação”, com tudo espalhado por todos os lugares.  Quando você vai a um evento com lugar marcado e, chegando lá percebe que não há nenhum controle, com as pessoas sentando onde bem entendem, isso também pode ser considerado como exemplo de “esculhambação”.

O que tem ocorrido na Câmara dos Deputados, no entanto, está muito longe do que a palavra usada pelo poderoso parlamentar comporta, pois não se trata de mera “esculhambação”. Tramar para que parlamentares condenados pela justiça continuem no exercício dos seus mandatos, mesmo morando ou presos fora do país, não constitui “esculhambação”, mas um ataque frontal ao Estado democrático de Direito. Ordenar que a policia legislativa retire à força do plenário da Câmara um deputado de oposição, que tem reiteradas vezes denunciado os conchavos e os destinos dados às emendas parlamentares não é de bom tom. Também não é “esculhambação” parar as filmagens da Câmara e mandar a polícia retirar à força os jornalistas da “casa do povo”, coisa que não se via no Brasil há uns quarenta anos após o fim da ditadura. O nome disso é outra coisa, deputado. E de onde quer que esteja, o famigerado general Newton Cruz gargalha e se orgulha dos parlamentares que aí estão, pois tratam a imprensa tal e qual ele fazia.

A maior parte da população brasileira considera uma vergonha, e não uma “esculhambação”, o que tem acontecido diuturnamente no Congresso Nacional. Suspender a escolta policial de uma deputada ameaçada de morte, por exemplo, somente por ela tecer críticas ao líder da Casa, também nem de longe consiste em uma “esculhambação”, mas em um salve aos criminosos incomodados com o exercício da parlamentar, no caso a deputada Talíria Petrone. A quem interessa jogar a referida parlamentar aos leões como foi feito com Marielle Franco?

Não é preciso ser um gênio para perceber que o Congresso Nacional perdeu o rumo, navega à deriva e cada vez mais se distancia do povo. E se isso se dá é pela razão de nossos parlamentares terem se desvirtuado da sua missão principal, que é trabalhar pela melhoria das condições de vida do povo brasileiro, e não pelos seus interesses particulares. Deputadas e deputados se reunirem na calada da noite para aprovar o PL da Dosimetria, cujo objetivo principal é livrar da cadeia os bandidos que atentaram contra a democracia brasileira não é uma simples “esculhambação”. O nome disso é golpe continuado. É esfaquear o povo pelas costas, enquanto ele dorme. É minar as Instituições na tentativa de enfraquecer o sistema judicial do país. Isso, definitivamente, não é “esculhambação”. O nome disso é outra coisa. Infelizmente, o Congresso Nacional se tornou o inimigo público número um do povo brasileiro. E se perguntassem àquele ex-senador cearense o que ele acha do atual Congresso Nacional, talvez ele respondesse que: “não vale um cibazol”.