sábado, 10 de maio de 2014

FORTALEZA DESCALÇA

A cidade de Fortaleza é, sem dúvida, uma das mais belas do país. É claro que aparenta ser mais velha do realmente é. Isso se dá, sabemos, pela falta de cuidado dos sucessivos governantes que aventureiramente aportam em suas praias em busca de abrigo e outras coisas mais. Isso dificilmente mudará. Contudo, essa cidade de água e sal continuará se impondo aos desmandos e descasos tão comuns nas terras de Alencar, como se ela mesma, e não Moacir, fosse a própria filha da dor. 

Senhora, para lá de balzaquiana,  Fortaleza continua encantando todos aqueles que por ela passam. E assim o foi com o escritor e artista plástico Otacílio de Azevedo (1892 - 1978) quando por aqui chegou. Teria ele se encantado com aquela "Fortaleza pousada sobre a areia/Descalça e linda, refulgindo do alto/Sob o mago esplendor da lua cheia"? Talvez sim, talvez não. Mas o certo é que o poeta gostou tanto desses versos de Gastão Justa (1899 - 1969 ), que os colocou como epígrafe da sua Fortaleza Descalça.



Otacílio de Azevedo
Otacílio de Azevedo nasceu em Monte Alegre, próximo a Redenção, no estado do Ceará, no dia 11 de fevereiro de 1892. Quando veio para Fortaleza, Azevedo trabalhou como decorador de paredes, pintor de bondes, porteiro e operador de cinema, letreirista, desenhista, pintor e poeta, sem nunca ter cursado a escola. Conforme Dolor Barreira, em 1913, Otacílio de Azevedo publica seus versos no Ceará Operário. Já no ano de 1918, passa a ocupar cadeira no Grêmio Literário Cearense. Entre seus muitos trabalhos estão: Dentro do passado (1916), Alma ansiosa (1918), Musa risonha (1920), Sugestão do luar (1921), Réstia de sol (1942), Redenção (1944), Desolação (1947), Últimos poemas (1958), A Origem da lua (1960), adágios, meizinhas e superstições (1966), Fortaleza descalça (1980) e Trigo sem joio (1986). Azevedo ingressou na Academia Cearense de Letras no ano de 1969. O poeta faleceu em Fortaleza no ano de 1978.

Fortaleza descalça é um livro de reminiscências cuja primeira edição é de 1980. A segunda edição é do no de 1992 e a terceira edição, pasmem, só sai vinte anos após a segunda, no ano de 2012. Trata-se de uma obra referencial para todo aquele que deseja conhecer a relação da cidade como seu povo, espaço e manifestações político-culturais. A obra está  organizada em quatros partes assim denominadas:A cidade e as lembranças,  os tipos populares, poetas e prosadores e os pintores.

A verve do cronista já se mostra no texto "Minha chegada a Fortaleza", narrativa que abre o livro e registra o estranhamento do poeta ao se deparar com a cidade que a partir de então também será sua. Diz ele:

Quando cheguei em Fortaleza, por volta de 1910, matuto vindo de Redenção, anoitecia. da janela do trem, através da fumaça lançada em golfadas escuras pela trepidante locomotiva, deslumbrava-me a luz dos combustores a gás (...)
Ao saltar na Estação Central fiquei espantado com a multidão que ali se via; e mais ainda, quando consegui encontrar meu irmão Júlio Azevedo. Tomou-me ele pela mão e levou-me para o Hotel Caninana, ali perto, na rua da Lagoinha, onde passava, pelo meio, o trem (...)
Moça pobre mas vaidosa, Fortaleza ensaiava os primeiros passos nos caminhos do comércio internacional, passando da renda de almofada para a renda francesa (...). Pobrezinha descalça, ainda, mas já sonhando com os primeiros calçados de pedra - o calçamento desigual e áspero, prenunciando as ricas futuras sandálias de asfalto... (AZEVEDO: 39-42)

Na primeira parte do livro " A cidade e as lembranças" o autor discorre sobre as praças, bibliotecas, livrarias, avenidas, árvores, cemitérios e igrejas. Essa topofilia registrada pelo artista consiste em espaços que ainda se mantém na geografia da cidade. na segunda parte são "Os tipos populares" que dominam a narrativa do memorialista, descritos com carinho a partir de algumas das suas peculiaridades; eles também figuras que constituem a identidade cultural da cidade. O autor dedica a terceira parte do livro aos "poetas e prosadores", enquanto a quarta e última parte é denominada de "os pintores". Nas duas últimas partes aproximam-se literatura e artes plásticas, duas partes constitutivas do homem Otacílio de Azevedo, que soube lidar com ambas com incrível sensibilidade e maestria, tal qual um "artista anfíbio".



No que diz respeito às edições do Fortaleza descalça, a primeira foi publicada no ano de 1980, ou seja, dois anos após a morte do poeta. Trata-se de uma edição produzida pela Universidade Federal do Ceará - UFC e a Prefeitura Municipal de Fortaleza. A segunda edição (tiragem especial, de 1992) foi publicada pela Universidade Federal do Ceará - UFC, patrocinada pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, e pelo Banco do Estado do Ceará. Na ocasião foram impressos 500 exemplares destinados à Fundação de Cultura e Turismo de Fortaleza. A terceira edição, de 2012, traz nota editorial de Raymundo Netto e texto introdutório de Angela Gutiérrez,  seguido de texto de Otacílio Colares e antelúdio, de José Valdivino. A terceira edição traz ilustrações dos escritores e pintores que constam na obra feitas pelo próprio Otacílio de Azevedo. Grande parte das imagens foi cedida por Sânzio de Azevedo, enquanto as fotografias foram cedidas por Nirez, ambos filhos do autor.

Independentemente da área que se pesquise, se o assunto é a cidade de Fortaleza, o livro de Otacílio de Azevedo é leitura mais que obrigatória.






       







Um comentário:

  1. Parabéns ao Claudio Carvalho por seu Blog e seu amor por Fortaleza por seu resgate aos valores tais como tio Otácilio de Azevedo e meu saudoso avô Julio Azevedo. Ao Claudio Um grande abraço
    Ledinildo |Azevedo

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