Alguns autores, responsáveis por belas páginas poéticas, alcançam notoriedade em seu tempo; mas nem sempre conseguem se manter de maneira atemporal. Isso não acontece, como poderíamos pensar, por uma baixa qualidade do trabalho produzido. Na verdade, isso ocorre, principalmente nos dias de hoje, por haver uma perceptível ditadura do efêmero, ou seja, tudo acontece muito rapidamente, transformando em assunto do passado o que ontem, ainda era novidade. Dessa forma, muitos escritores, atores, músicos e artistas em geral costumam sumir sem deixar rastro. Esse "império do efêmero" passa feito um rolo compressor em cima de muitas obras que, independentemente da qualidade, acabam se tornando desconhecidas do público sem que nem ao menos tenham sido devidamente apresentadas, conhecidas e digeridas. Sob esse ângulo, a Internet surge como uma forma de se registrar nomes, autores e ideias para que não sumam na poeira do tempo e não se percam de vez. Por meio da grande rede, tal qual uma biblioteca de Alexandria virtual, encontramos obras que já considerávamos perdidas. Contudo, quanto mais difícil de ser encontrada, mais cara a obra procurada se torna. Em um sistema econômico predatório como o nosso, não poderia ser diferente.
Uma opção mais em conta na busca por obras raras ainda são os sebos existentes nas nossas cidades. Saber garimpar em um sebo não é, no entanto, para amadores. Poucos são aqueles que sabem encontrar o que procuram por preços que podem pagar. Há, nesse emaranhado de coisas, os donos de sebos que se acham muito espertos, quando não passam de ridículos desavisados aos olhos treinados de um bom caçador de obras valiosas. E assim sendo, quando se sabe procurar, costuma-se encontrar. Com uma boa dose de sorte, é possível encontrar inclusive aquilo que não se busca. E foi assim que dia desses encontrei em um dos poucos sebos de Fortaleza, cidade que me enerva com seus tacanhos políticos, mas que me energiza e me eleva com seu sol e seu mar de encher os olhos; um velho livro do poeta cearense, o parnasiano Carlyle Martins (1899 - 1986).
Carlyle Martins |
Carlyle Martins era filho de Augusto Dias Martins e Rosa de Figueiredo Martins. Era sobrinho dos poetas Antonio Martins (1852 - 1895), o poeta da abolição dos escravos, e de Álvaro Martins (1868 - 1905), autor de Os pescadores da Taíba, de 1895. Sobre o poeta em questão, Otacílio de Azevedo (1892-1978), em seu Fortaleza descalça (2012), lembra que, em 1916, quando publicou Dentro do Passado, seu primeiro poema, perdeu o sono, passando a noite a se deliciar, contemplando seu "primeiro fruto intelectual" que, para ele parecia ser a coisa mais bela do mundo. Por volta das três horas da manhã, eis que alguém bate à porta do poeta. "Parado, sob a luz diáfana do céu estrelado, um vulto falou":
"Bom dia, poeta amigo. Queira perdoar-me vir incomodá-lo a estas horas. Eu sou estudante de Direito e meu nome é Carlyle Martins. Vendo seu livrinho nas mãos de Sidney Neto e, tendo que pegar o trem das cinco horas para Senador Pompeu, aventurei-me a vir procurá-lo. Queria comprar-lhe um exemplar do seu poema para deliciar-me com ele na viagem de trem". (AZEVEDO, 2012:288).
O poeta confessa que ficou muito feliz. entregou o poema, e por ele recebeu o pagamento de mil réis em dez moedinhas de tostão. Nascia daí uma forte amizade entre os dois autores. Carlyle Martins manteve ao longo da vida as funções de juiz de Direito e poeta, publicando várias obras referenciais para a poesia cearense. Entre seus trabalho se destacam: Evangelho do sonho (1931), Caminho deserto (19340, Templo em ruínas (1937), Colheita de rosas (1938), Ânfora de estrelas (1940), Canto do peregrino (1942), José Maria (versos que o poeta dedicou ao seu filho), de 1952. Escreveu ainda um trabalho sobre Irineu Pinheiro (1952) e outro sobre seu tio, intitulado Antonio Martins (1953). Em 1955 escreveu João Lopes (1955), voltando à poesia em 1956 com o livro de poemas Na serra. No mesmo ano publica A lagoa de Messejana e, no ano seguinte, Paisagens do meu destino. Além desses, Alma rude (1960), Sinfonia do entardecer (1966) e Mensagem das horas (1972).
O livro de Carlyle Martins que encontramos em um sebo da cidade chama-se Paisagens do meu destino. Trata-se de uma obra poética publicada no ano de 1957, sendo uma coletânea dos versos escritos pelo poeta do ano de 1940 até o ano de 1945. A obra em questão está dividida em seis partes. São elas: "Música interior", "Rumos incertos", "Poemas da tarde azul", "Penumbra distante", "Luar da saudade" e "Miragem perdida". O livro foi publicado em junho de 1957 pela Tipografia Minerva, em Fortaleza, Ceará e, até onde sabemos, não foi reeditado.
Como bom poeta parnasiano, Carlyle Martins recorre ao soneto como forma preferencial para externar tudo aquilo que deseja exteriorizar o eu-lírico da sua poesia. A primeira parte da obra é constituída de quinze sonetos. A segunda de doze, a terceira de catorze. As demais partes trazem, respectivamente, treze, dez e dezoito sonetos. Ao todo, Paisagens do meu destino (1957) contém oitenta e dois sonetos.
Fiel à forma clássica que consagrou grandes poetas, Carlyle Martins também mantém certa fidelidade aos temas comuns à poesia parnasiana. Assim sendo, o amor, a adoração, a noite e a solidão são temas recorrentes na poesia do autor.
A poesia de Carlyle Martins deve ser lida, levando-se em conta o período histórico-literário no qual está inserida, observando-se a qualidade da sua produção poética sem pré-julgamentos acerca da forma e/ou do conteúdo que a constitui.
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