sexta-feira, 11 de julho de 2014

MULHERES, BONGÔS E GUAXININS


As prateleiras das grandes livrarias estão abarrotadas de biografias. São biografias de gente muito interessante, mas também de gente que nada tem a dizer que valha a pena ser lido. O deus mercado, no entanto, não é preconceituoso. Assim sendo, se há quem compre, por qual razão não vender? Dessa forma, Proust divide espaço com Paulo Coelho, que divide prateleira com o padre fulano, que está bem ali ao lado daquela funkeira, a qual, por sua vez, está coladinha naquela "famosa quem", observada de perto pelos tristes olhos de Tolstoi.


Embora muita gente escreva sobre a vida dos outros, não é todo mundo que consegue dizer o que o "prezado leitor" de biografias gostaria de saber, que já não tenha sido dito. E assim sendo, lá vai o biógrafo à cata do seu objeto de pesquisa, na tentativa de apresentar alguma coisa que surpreenda seu provável leitor. Infelizmente, nem todos conseguem trazer a lume algo que se mostre realmente novo, surpreendente ou impactante. E é exatamente isso que acontece com a biografia Marlon Brando - A face sombria da beleza (2014), de François Forestier. O referido trabalho foi publicado, no Brasil, pela editora Objetiva e conta com a tradução de Clóvis Marques. O título original do trabalho é Un si beau monstre (2012). Mesmo tratando de uma das figuras mais intrigantes da história do cinema, Forestier não consegue encantar o leitor. Volto atrás e digo que, talvez o leitor amador, até se interesse pelas historietas contadas em tom quase "poético" acerca das  peripécias do famosos ator de Um bonde chamado desejo, mas isso nem de longe é o suficiente para satisfazer leitores mais maduros, pois em se tratando de uma civilização voltada ao espetáculo, não deva ser essa a preocupação do autor.

No que diz respeito à estrutura, o livro está dividido em duas partes. A primeira é denominada de "Ascensão", enquanto a segunda é "Decadência". A primeira traz 11 subcapítulos e a segunda, nove. Contudo, amado leitor, se você tem interesse em saber sobre o homem que encantou meio mundo com sua beleza e seu questionável talento enquanto ator, infelizmente muito pouco ou quase nada disso você encontrará no livro de Forestier. Jornalista da revista Nouvel Observateur e autor da festejada biografia  Marilyn e JFK (2009), Forestier escreve uma obra travada, cheia de ranços e posicionamentos pré-concebidos, os quais em nada ajudam na narrativa empregada na tentativa de desnudar o véu da beleza, e mostrar a tal da "face sombria" do ator de Sindicato de ladrões. Ao contrário, a impressão que se tem é de uma tentativa de mostrar o "monstro" Marlon, que se escondia por dentro do homem Brando. Chega a ser patético a suposição de que Marlon Brando possuía o "dom" de fazer morrer aqueles à sua volta como se o suicídio fosse decidido por outro que não pela própria  pessoa que desejar se matar. 

O livro é sobre Marlon Brando, mas o leitor desavisado pode achar que é sobre a arte de tocar bongô, sobre Vivian Leigh, Laurence Olivier ou até mesmo sobre Russell, o guaxinim de Brando. Além disso tudo, a tradução de Clóvis Marques não contribui em nada para "melhorar" o que já não é tão bom. Sabemos, é claro, que muitas vezes essas traduções são feitas a toque de caixa e nem sempre saem como desejariam os tradutores. Sobre o quesito tradução, há um trecho que trata do "período japonês" de Brando. Na ocasião, quando morava no Taiti, Brando recebe uma visita de alguns homens de cinema. Sobre o comportamento deles na casa de Brando, a tradução diz: "Todos devem tirar os sapatos e sentar-se no chão, de terno ou sobre os joelhos" (146). Isso parece claro para você, intrigado leitor? A tradução também falha quando, na p. 156, diz: "Após sua morte, viria à tona que o próprio juiz, gostava de mulheres jovens". A tradução induz o leitor a acreditar que o tal do juiz gostava de mulheres menores de idade, o que não está claro. Parece-nos que a expressão jeune fille, do francês, confundiu o tradutor.

Em Vira-lata de raça, de Rita Lee e Beto Lee, lê-se: "Eu sou Marlon Brando vivo numa ilha/não faço papel de santo nem pra minha família/Não posso ser outra coisa senão James Dean/Eu sempre fui mais bonzinho quando sou ruim...". Esses versos da canção dos Lee diz muito mais sobre Marlon Brando do que todo o livro de Forestier. E se do texto de Forestier fossem retiradas as palavras "homossexuais", "engordar", "desejo", "nobre ferramenta"; bem com parte das inúmeras insinuações sobre questões sexuais, pouco se teria a dizer sobre Marlon Brando. É necessário deixar claro, no entanto, que ao escrever sobre um determinado assunto, o escritor, tendo em vista a exiguidade de tempo e espaço, precisa fazer um recorte para dar conta daquilo que pretende contar. 

François Forestier
O problema é que nem sempre o recorte escolhido se mostra o melhor, ocasionando resultados indesejados aos olhos do leitor, ele para quem o livro é escrito. É o que acontece com Marlon Brando - A face sombria da beleza, de François Forestier. Isso não impede, no entanto, que o leitor possa se deleitar com uma ou outra passagem da referida obra, mantendo-se consciente de que não tem em mãos um dos melhores trabalhos sobre Marlon Brando (o homem que sabia que o amor era como olhar a Medusa nos olhos), até porque há biografias e biografias. Umas são boas, umas são maravilhosas e outras, como essa do Forestier, precisam, tal qual a Irmã Beth (p.72 e 74), de uma absolvição! 


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