segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A POESIA POLIÉDRICA DE JÁDER DE CARVALHO

        A literatura brasileira está, sem sombra de dúvidas, inserida no enorme arcabouço da literatura universal. Mesmo que ainda seja formalmente reduzida a presença de autores brasileiros no cânone da literatura mundial, tal questão não diminui a qualidade da literatura produzida por nossos autores, sejam eles clássicos ou modernos. Ao contrário, a produção literária em nosso país continua de vento em popa, sendo produzida desde os mais recônditos sítios às mais desenvolvidas regiões, ou seja, independentemente das limitações decorrentes das diversidades geográficas, culturais, econômicas, políticas e ideológicas; a literatura brasileira tem se firmado como uma das mais expressivas representações culturais do Brasil.

Assim sendo, este trabalho objetiva refletir sobre a literatura brasileira em termos gerais e, sobre a literatura de Jáder de Carvalho, em termos mais específicos. Para tanto, tendo em vista o referido autor
Jáder de Carvalho
ter transitado com destacada relevância pelo jornalismo, a prosa, o ensaio sociológico e a poesia; faz-se necessário um recorte na sua obra com o intuito de não nos afastarmos daquilo que nos propomos no título do presente artigo. Destarte, tomaremos a poesia, mais especificamente seu livro Água da Fonte, de 1966, como objeto de análise, observando o quão multifacetada ela se apresenta. Para tanto, ao discorrermos sobre sua poética, utilizaremos o termo “poliédrica” por reconhecermos as inúmeras faces da sua poesia e acreditarmos que a analise da sua obra poética não cabe em gaiolas conceituais limitadoras e finitas. Mas sim, em estudos que se pautem por uma abrangência mais ampla da concepção poética do autor, vanguardista ao seu tempo, e ainda atual quase noventa anos após a publicação do seu primeiro trabalho O Canto Novo da Raça (1927) em parceria com Sidney Neto, Mozart Firmeza e Franklin Nascimento; trabalho este que inaugura o Modernismo em terras de Alencar.

                 Ao listarmos as obras de Jáder de Carvalho, observamos as datas de publicação que separam uma obra da outra. A proximidade das datas indica o quanto o autor era dedicado ao fazer literário, publicando um livro no período de um ou dois anos, no máximo três.  Ao contrário do que possa parecer, a quantidade de livros produzidos a essa velocidade não interfere de forma negativa na qualidade da obra do autor, a qual se apresenta como de extrema qualidade literária.
Quando veio para Fortaleza, no ano de 1915, Jáder de Carvalho tinha apenas catorze anos de idade. Em 1918, ou seja, contando dezessete anos, o poeta vindo da Serra do Estevão trava contato com o escritor e artista plástico Otacílio de Azevedo (1892-1978). Sobre a qualidade da produção literária de Jáder de Carvalho, afirma Azevedo, em seu livro Fortaleza Descalça (2012):

Frequentava um grupo do qual faziam parte, entre outros, Martins d’Alvarez, Edigar de Alencar, Sobreira Filho e Aldo Prado. Nessa época, Jáder de Carvalho já escrevia muito bem, tanto o verso como a prosa. Mais tarde, seria ele grande jornalista e grande poeta. (AZEVEDO, 2012:291)

Sobre o verso de Jáder de Carvalho, Otacílio de Azevedo aponta:

Seu verso amoldou-se posteriormente à estética Modernista. Mas, ao mesmo tempo em que nos conhecemos, escrevia poemas de sabor simbolista, cheios de musicalidade, evocando noturnos e outonos. Ou então, levemente parnasiano (...). (AZEVEDO, 2012:291)

Como exemplo do que afirma, Otacílio de Azevedo cita o poema “Alma”, do livro Água da Fonte (1966:39).

“Alma de viajor de mil viagens,
sigo, num sonho, naves andarilhas
que se esfumam nas líricas paisagens
de angras azuis e solitárias ilhas.

São-me errantes e tristes as imagens...
À lembrança das velas e das quilhas,
formam golfos e idílicas paisagens
e enchem-me os olhos de asas e de milhas:

Asas – quem sabe? – para as minhas ânsias;
milhas para eu sentir o Inalcançado,
no meu roteiro feito de distâncias,

mas onde eu cante sob um céu mirífico
e sonhe um porto virgem, mergulhado
numa doçura de ilha do Pacífico...”

No que diz respeito ao caráter combativo de Jáder de Carvalho e seu reflexo na obra do poeta, Azevedo afirma:

(...) seu profundo sentimentalismo formava apenas uma faceta do homem, que era igualmente combativo, chegando às raias da temeridade nos terríveis artigos com que atacava os inimigos nas colunas de jornais (...).
Talvez justamente por causa desse espirito de luta, Jáder aderiu ao movimento modernista, passando a escrever poemas bem diferentes daqueles que escrevia antes. Abandonando a rima e a métrica (...). (AZEVEDO, 2012: 292)

Para corroborar o que diz, Otacílio de Azevedo aponta os poemas “Cabocla” e “Poema”. Ambos estão em Água da Fonte (1966). Em “Cabocla” (p.192), lê-se:

“Cheiroso inferno dos violeiros
rainha outrora nos batuques, no xerém:
atordoante,
selvagem,
antiga e morena flor dos sambas sertanejos,
é cabocla, tu és no teu reinado extinto
a fecunda promessa do homem novo.
O homem contemporâneo de Orós
nascerá de ti, cabocla.
(Não ouves o rumor dos passos do teu filho?)”

Em “poema” (p.68), tem-se:

“Laura lê poetas.
Laura declama.
Ontem, ela me procurou:
___ Olha: poema não é o que dizes, isto é, uma poesia qualquer.
Está aqui no dicionário:
“Composição poética, de certa extensão e com enredo.”
___ Pois o livro mente ___ respondi.
E, depois de beijar a Amada e Musa:
___ Poema, Laura, às vezes nem precisa ter versos.
Às vezes, basta um nome. O teu, por exemplo.”

Os poemas citados até aqui estão publicados no livro Água da Fonte, de 1966. A referida obra foi publicada pela editora Instituto do Ceará, em Fortaleza, e é dedicada a Nertan Macedo e F.S. Nascimento. O livro é composto de cinco partes. São elas: “Água da Fonte”, “Canções do Entardecer”, “Terra Bárbara”, “Ilhota do Diabo” e “Terra de Ninguém”. Em nota aos leitores, em Toda a Poesia de Jáder de Carvalho (vol. 1,1973), o autor afirma: “Em ordem cronológica, publiquei Terra de Ninguém, Água da Fonte e Cantos da Morte. Respeitei a integridade do primeiro e do último. Quanto ao segundo, dele extrai Terra Bárbara. Assuntos regionais. Ritmo, feição e sentido modernistas. Fiz cortes e acréscimos”. Assim sendo, Terra Bárbara é relançado em 1982 pela editora Terra de Sol. Na segunda página da obra, logo abaixo do título, lê-se: “ poemas telúricos retirados da primeira edição de Água da Fonte e ora acrescidos de muitos outros do mesmo gênero ainda inéditos”. A orientação do autor é bastante oportuna, uma vez que sua obra ainda está um tanto dispersa, o que causa certa confusão quando se busca fazer um levantamento geral da sua produção.
No que diz respeito à fortuna crítica acerca da obra do referido autor, mesmo ainda tímida, observa-se um crescimento, bem como um interesse crescente por parte de novos pesquisadores. Entre estudiosos já estabelecidos, observamos a análise desenvolvida por Pedro Lyra, em Poesia Cearense e Realidade Atual (1975). Na referida obra, Pedro Lyra discorre sobre os trabalhos de autores dos Grupos Clã e SIN. Do primeiro, o autor selecionou seis escritores e denominou suas análises da seguinte forma: “Antônio Girão Barroso e Angústia”, “Jáder de Carvalho e Rebelião”, Otacílio Colares e Burocratismo”, “Artur Eduardo Benevides e Desessencialização”, “Francisco Carvalho e Reificação” e “Carlos D’Alge e Inquietude”. Quanto ao Grupo SIN, os autores em análise são: “Barros Pinho e Solitarismo”, Rogério Bessa e Desnaturação”, “Yêda Estergilda e Cotidianidade”, “Marly Vasconcelos e Nostalgia”, “Linhares Filho e Fatalismo”, “Horácio Dídimo e Esperança”, “Roberto Pontes e Libertação”.

Ao discorrer sobre poesia e rebelião em Jáder de Carvalho, Pedro Lyra afirma:

Há três faces-fases distintas na poesia de Jáder de Carvalho: a 1ª) telúrica, representada por Terra de Ninguém e identificada com o localismo do movimento modernista de 22; a 2ª) política, representada por Terra Bárbara e identificada com o substancialismo da geração de 30; a 3ª) lírica, representada por Água da Fonte, Cantos da Morte e Temas Eternos, e identificada com o instrumentalismo de 45. As duas primeiras, estilizando a estrutura e a linguagem populares da literatura de cordel, encontram-se num ritmo então original, de feição épica, onde o verso se confunde com a frase, a estrofe com o parágrafo, e a composição, embora nunca desça a um nível prosaico, resulta no que chamarei de poema-conto, - e que a terminologite semiótica poderia chamar de ‘contoema’, e o poema continuaria pagão. A terceira, fruto da maturidade do poeta, já ultrapassada a explosão da juventude, se concentra na forma fixa do soneto, opera um retorno aos temas eternos e, literariamente falando, consiste num regresso. (LYRA, 1975:27)

Para o referido crítico, o aspecto lírico da poesia de Jáder de Carvalho é um retrocesso, considerando mais representativos da poesia do poeta em estudo suas faces / fases telúrica e política. É nessas faces/fases, conforme o crítico: “onde temos, na espontaneidade da linguagem e na epicidade do verso, um poeta identificado com sua terra, seu tempo, sua gente – no que estes têm de mais característicos, - fontes da Arte que faz a História”.
Nosso trabalho, por sua vez, está ancorado basicamente nos termos “canto” e “poliédrica”. Sabendo-se que o canto nada mais é do que cada uma das partes de um poema longo; concebemos a obra poética de Jáder de Carvalho não apartada em livros com temáticas dissociadas entre si, mas como partes integrantes de um poema longo devidamente inter-relacionadas. Poema longo esse que pode ser compreendido como a poética do autor ou como a própria vida. Assim sendo, não podemos concordar com o autor de Poesia Cearense e Realidade Atual (1975), quando enclausura a poesia do poeta de Água da Fonte (1966) em três faces/fases. Para nós, trata-se de uma classificação simplista e reducionista que não abrange as temáticas propostas na poesia do referido escritor. Daí, por consideramos a poesia jaderiana, um manancial de temáticas possibilitadoras das mais profícuas interpretações, é compreendemos sua poesia como poliédrica, uma vez que um poliedro, tal qual a poesia de Jáder de Carvalho, é constituído de muitas faces. Por outro lado, vemos como coerente o uso do termo “rebelião” aplicado à literatura de Jáder de Carvalho, uma vez que o referido termo indica oposição à autoridade estabelecida; podendo significar ainda oposição, insurreição e revolta. Dessa forma, a poesia insubmissa de Jáder de Carvalho, assim como o próprio poeta, estará sempre se rebelando contra toda e qualquer forma de submissão, aprisionamento e limitação. 


 Obs: Esse trecho é parte integrante de um artigo maior, escrito em parceria com Geórgia Gardênia Brito Cavalcante Carvalho, disponível na íntegra em http://encontrosliterarios.ufc.br/ 

Um comentário:

  1. jader de carvalho atravès da sua inteligência incomodou os pensamentos ultra passado que atravessaram em seu caminho a escrita era arma para defender seus ideais de poeta sertanejo

    ResponderExcluir