A
literatura brasileira está, sem sombra de dúvidas, inserida no enorme arcabouço
da literatura universal. Mesmo que ainda seja formalmente reduzida a presença
de autores brasileiros no cânone da literatura mundial, tal questão não diminui
a qualidade da literatura produzida por nossos autores, sejam eles clássicos ou
modernos. Ao contrário, a produção literária em nosso país continua de vento em
popa, sendo produzida desde os mais recônditos sítios às mais desenvolvidas
regiões, ou seja, independentemente das limitações decorrentes das diversidades
geográficas, culturais, econômicas, políticas e ideológicas; a literatura
brasileira tem se firmado como uma das mais expressivas representações
culturais do Brasil.
Assim sendo, este trabalho objetiva refletir sobre a
literatura brasileira em termos gerais e, sobre a literatura de Jáder de
Carvalho, em termos mais específicos. Para tanto, tendo em vista o referido
autor
ter transitado com destacada relevância pelo jornalismo, a prosa, o
ensaio sociológico e a poesia; faz-se necessário um recorte na sua obra com o
intuito de não nos afastarmos daquilo que nos propomos no título do presente
artigo. Destarte, tomaremos a poesia, mais especificamente seu livro Água da
Fonte, de 1966, como objeto de
análise, observando o quão multifacetada ela se apresenta. Para tanto, ao
discorrermos sobre sua poética, utilizaremos o termo “poliédrica” por reconhecermos
as inúmeras faces da sua poesia e acreditarmos que a analise da sua obra
poética não cabe em gaiolas conceituais limitadoras e finitas. Mas sim, em estudos
que se pautem por uma abrangência mais ampla da concepção poética do autor,
vanguardista ao seu tempo, e ainda atual quase noventa anos após a publicação
do seu primeiro trabalho O Canto Novo da
Raça (1927) em parceria com Sidney Neto, Mozart Firmeza e Franklin
Nascimento; trabalho este que inaugura o Modernismo em terras de Alencar.
Jáder de Carvalho |
Ao
listarmos as obras de Jáder de Carvalho, observamos as datas de publicação que
separam uma obra da outra. A proximidade das datas indica o quanto o autor era
dedicado ao fazer literário, publicando um livro no período de um ou dois anos,
no máximo três. Ao contrário do que possa
parecer, a quantidade de livros produzidos a essa velocidade não interfere de
forma negativa na qualidade da obra do autor, a qual se apresenta como de
extrema qualidade literária.
Quando veio para Fortaleza, no ano de 1915, Jáder de
Carvalho tinha apenas catorze anos de idade. Em 1918, ou seja, contando
dezessete anos, o poeta vindo da Serra do Estevão trava contato com o escritor
e artista plástico Otacílio de Azevedo (1892-1978). Sobre a qualidade da
produção literária de Jáder de Carvalho, afirma Azevedo, em seu livro Fortaleza Descalça (2012):
Frequentava
um grupo do qual faziam parte, entre outros, Martins d’Alvarez, Edigar de
Alencar, Sobreira Filho e Aldo Prado. Nessa época, Jáder de Carvalho já
escrevia muito bem, tanto o verso como a prosa. Mais tarde, seria ele grande
jornalista e grande poeta. (AZEVEDO, 2012:291)
Sobre o verso de Jáder de Carvalho, Otacílio de
Azevedo aponta:
Seu
verso amoldou-se posteriormente à estética Modernista. Mas, ao mesmo tempo em
que nos conhecemos, escrevia poemas de sabor simbolista, cheios de
musicalidade, evocando noturnos e outonos. Ou então, levemente parnasiano
(...). (AZEVEDO, 2012:291)
Como exemplo do que afirma, Otacílio de Azevedo cita
o poema “Alma”, do livro Água da Fonte (1966:39).
“Alma
de viajor de mil viagens,
sigo,
num sonho, naves andarilhas
que
se esfumam nas líricas paisagens
de
angras azuis e solitárias ilhas.
São-me
errantes e tristes as imagens...
À
lembrança das velas e das quilhas,
formam
golfos e idílicas paisagens
e enchem-me
os olhos de asas e de milhas:
Asas
– quem sabe? – para as minhas ânsias;
milhas
para eu sentir o Inalcançado,
no
meu roteiro feito de distâncias,
mas
onde eu cante sob um céu mirífico
e
sonhe um porto virgem, mergulhado
numa
doçura de ilha do Pacífico...”
No que diz respeito ao caráter combativo de Jáder de
Carvalho e seu reflexo na obra do poeta, Azevedo afirma:
(...)
seu profundo sentimentalismo formava apenas uma faceta do homem, que era
igualmente combativo, chegando às raias da temeridade nos terríveis artigos com
que atacava os inimigos nas colunas de jornais (...).
Talvez
justamente por causa desse espirito de luta, Jáder aderiu ao movimento modernista,
passando a escrever poemas bem diferentes daqueles que escrevia antes.
Abandonando a rima e a métrica (...). (AZEVEDO, 2012: 292)
Para corroborar o que diz, Otacílio de Azevedo
aponta os poemas “Cabocla” e “Poema”. Ambos estão em Água da Fonte (1966). Em “Cabocla” (p.192), lê-se:
“Cheiroso
inferno dos violeiros
rainha
outrora nos batuques, no xerém:
atordoante,
selvagem,
antiga
e morena flor dos sambas sertanejos,
é
cabocla, tu és no teu reinado extinto
a
fecunda promessa do homem novo.
O homem
contemporâneo de Orós
nascerá
de ti, cabocla.
(Não
ouves o rumor dos passos do teu filho?)”
Em “poema” (p.68), tem-se:
“Laura
lê poetas.
Laura
declama.
Ontem,
ela me procurou:
___
Olha: poema não é o que dizes, isto é, uma poesia qualquer.
Está
aqui no dicionário:
“Composição
poética, de certa extensão e com enredo.”
___
Pois o livro mente ___ respondi.
E,
depois de beijar a Amada e Musa:
___
Poema, Laura, às vezes nem precisa ter versos.
Às
vezes, basta um nome. O teu, por exemplo.”
Os poemas citados até aqui estão publicados no livro
Água da Fonte, de 1966. A referida
obra foi publicada pela editora Instituto do Ceará, em Fortaleza, e é dedicada
a Nertan Macedo e F.S. Nascimento. O livro é composto de cinco partes. São
elas: “Água da Fonte”, “Canções do Entardecer”, “Terra Bárbara”, “Ilhota do
Diabo” e “Terra de Ninguém”. Em nota aos leitores, em Toda a Poesia de Jáder de Carvalho (vol. 1,1973), o autor afirma:
“Em ordem cronológica, publiquei Terra de
Ninguém, Água da Fonte e Cantos da
Morte. Respeitei a integridade do primeiro e do último. Quanto ao segundo,
dele extrai Terra Bárbara. Assuntos
regionais. Ritmo, feição e sentido modernistas. Fiz cortes e acréscimos”. Assim
sendo, Terra Bárbara é relançado em
1982 pela editora Terra de Sol. Na segunda página da obra, logo abaixo do
título, lê-se: “ poemas telúricos retirados da primeira edição de Água da Fonte e ora acrescidos de muitos
outros do mesmo gênero ainda inéditos”. A orientação do autor é bastante
oportuna, uma vez que sua obra ainda está um tanto dispersa, o que causa certa
confusão quando se busca fazer um levantamento geral da sua produção.
No que diz respeito à fortuna crítica acerca da obra
do referido autor, mesmo ainda tímida, observa-se um crescimento, bem como um
interesse crescente por parte de novos pesquisadores. Entre estudiosos já
estabelecidos, observamos a análise desenvolvida por Pedro Lyra, em Poesia Cearense e Realidade Atual
(1975). Na referida obra, Pedro Lyra discorre sobre os trabalhos de autores dos
Grupos Clã e SIN. Do primeiro, o autor selecionou seis escritores e denominou
suas análises da seguinte forma: “Antônio Girão Barroso e Angústia”, “Jáder de Carvalho e Rebelião”, Otacílio
Colares e Burocratismo”, “Artur Eduardo Benevides e Desessencialização”,
“Francisco Carvalho e Reificação” e “Carlos D’Alge e Inquietude”. Quanto ao
Grupo SIN, os autores em análise são: “Barros Pinho e Solitarismo”, Rogério
Bessa e Desnaturação”, “Yêda Estergilda e Cotidianidade”, “Marly Vasconcelos e
Nostalgia”, “Linhares Filho e Fatalismo”, “Horácio Dídimo e Esperança”,
“Roberto Pontes e Libertação”.
Ao discorrer sobre poesia e rebelião em Jáder de
Carvalho, Pedro Lyra afirma:
Há
três faces-fases distintas na poesia de Jáder de Carvalho: a 1ª) telúrica,
representada por Terra de Ninguém e
identificada com o localismo do movimento modernista de 22; a 2ª) política,
representada por Terra Bárbara e
identificada com o substancialismo da geração de 30; a 3ª) lírica, representada
por Água da Fonte, Cantos da Morte e Temas Eternos, e identificada com o instrumentalismo de 45. As duas
primeiras, estilizando a estrutura e a linguagem populares da literatura de
cordel, encontram-se num ritmo então original, de feição épica, onde o verso se
confunde com a frase, a estrofe com o parágrafo, e a composição, embora nunca
desça a um nível prosaico, resulta no que chamarei de poema-conto, - e que a
terminologite semiótica poderia chamar de ‘contoema’, e o poema continuaria
pagão. A terceira, fruto da maturidade do poeta, já ultrapassada a explosão da
juventude, se concentra na forma fixa do soneto, opera um retorno aos temas
eternos e, literariamente falando, consiste num regresso. (LYRA, 1975:27)
Para o referido crítico, o aspecto lírico da poesia
de Jáder de Carvalho é um retrocesso, considerando mais representativos da
poesia do poeta em estudo suas faces / fases telúrica e política. É nessas
faces/fases, conforme o crítico: “onde temos, na espontaneidade da linguagem e
na epicidade do verso, um poeta identificado com sua terra, seu tempo, sua
gente – no que estes têm de mais característicos, - fontes da Arte que faz a
História”.
Obs: Esse trecho é parte integrante de um artigo maior, escrito em parceria com Geórgia Gardênia Brito Cavalcante Carvalho, disponível na íntegra em http://encontrosliterarios.ufc.br/
jader de carvalho atravès da sua inteligência incomodou os pensamentos ultra passado que atravessaram em seu caminho a escrita era arma para defender seus ideais de poeta sertanejo
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