sexta-feira, 10 de outubro de 2014

SEXO, DESVIO E DANAÇÃO

Jeffrey Richards
Se ao longo da história da humanidade o sexo tem feito a alegria de muita gente, por outro lado, a falta dele tem afetado negativamente a cabeça de outros tantos. Atualmente muita gente tem assumido posicionamentos acerca de tudo que diga respeito a vida sexual, dos outros, é claro. E, como diria Caetano Veloso: “ ... a vida é tão estreita/nada de novo ao luar/todo mundo quer saber/ com quem você se deita/ nada pode prosperar...”. Essa obsessão com a vida sexual dos outros já é, por si só, o absurdo dos absurdos. Se acompanhada da hipocrisia propagada por algumas religiões então, é o retrocesso elevado à potência infinita. É uma volta ao inferno da Idade Média. O grande problema é que estamos em uma época tida como pós-moderna, na qual abundam liberdades, tecnologias e direitos. Mas, retomando o grande compositor baiano: “... alguma coisa está fora da ordem...”, no que diz respeito a esse discurso encharcado de preconceito, atraso e violência contra as orientações que são diferentes das nossas. Seríamos homens contemporâneos com mentalidades ainda medievais?


E é também sobre questões como essas que Jeffrey Richards, professor de história da cultura na Universidade de Lancaster, Inglaterra, discorre em seu interessante trabalho denominado de Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade Média, publicado no Brasil, em 1993, pela Jorge Zahar Editor, a partir da primeira edição inglesa publicada em 1990 por Routledge. O título original do referido trabalho é Sex, Dissidence and Dannation: Minority groups in the Middle Ages. Para desenvolver sua pesquisa, o referido professor selecionou seis grupos a serem analisados. São eles: os judeus, hereges, leprosos, bruxos, prostitutas e homossexuais. O livro está dividido em oito capítulos. No primeiro, o autor faz uma abordagem histórica do contexto medieval, enquanto no segundo, discorre sobre o sexo na Idade Média. Cada grupo selecionado como objeto da pesquisa, constituirá cada um dos próximos seis capítulos. Para cada capítulo, ao final do livro, há referências bibliográficas específicas. O livro ainda conta com ricas ilustrações reproduzidas de obras literárias e documentos religiosos. A ilustração da capa, por exemplo, é uma imagem de O Juízo Final, de Stefan Lochner (1400 – 1452). A edição da Zahar conta ainda com a tradução de Marco Antonio Esteves da Rocha e Renato Aguiar e revisão técnica de Francisco José Silva Gomes.


Sobre a obra, convém observamos o que é dito na sua apresentação:


Para as autoridades da Europa medieval, tanto seculares quanto eclesiásticas, a dissensão solapava as raízes de um mundo ordenado e estabelecido. Permitir que um único herege ou espírito livre escapasse à justa punição condenaria toda a estrutura da sociedade à decadência e à dissolução. Assim, a dissensão deveria ser extirpada, inicialmente através da razão e da argumentação, mas em seguida com selvageria crescente, através da tortura  e do encarceramento, do fogo e da espada. Mas por que o perigo advindo de uma minoria de indivíduos, geralmente pobres e desprovidos de poder, era considerado uma ameaça tão forte e imediata?


E é exatamente sobre isso que se dá o trabalho em questão. Tomando os grupos mencionados, Jeffrey Richards percebeu que era a aberração sexual que os unia. Tem-se:


A igreja buscava regular até mesmo os detalhes mais íntimos da vida humana, mas sem muito sucesso. Algumas práticas sexuais não-oficiais poderiam ser toleradas; mas, progressivamente, o desvio foi considerado como uma influência maligna, não somente sobre a vida individual, mas sobre o mundo como um todo. Em uma época e expectativa pelo segundo Advento de Cristo, esperava-se que homens e mulheres levassem uma vida piedosa; e tudo que não fosse assim consistia um ultraje. À medida que se consolidaram as estruturas de poder na sociedade, os desviantes tornaram-se bodes expiatórios convenientes para todos os males de um mundo amedrontado: invasão, fomes e doenças, particularmente a Peste Negra.


Sobre seu próprio trabalho, Richards afirma:


Num tempo em que a sociedade parece estar se tornando cada vez mais intolerante com as minorias, em que todos os dias um tablóide raivoso e sem senso de medida incita ao racismo, sexismo, chauvinismo e à homofobia, talvez seja oportuno examinar as maneiras como as eras passadas encaravam e lidavam com as minorias em seus meio. Não busco fazer comparações diretas e deixarei ao leitor a tarefa de tirar as conclusões que devem ser tiradas de como a sociedade moderna difere do seu símile medieval nesta área. O que pode ser aventurado é uma explicação sobre a natureza, raízes, alcance e efeitos do tratamento dispensado pelas sociedades medievais às suas minorias. (RICHARDS, 1993:11).



É Sempre tempo de ler e reler a História, para não se correr o risco de  atirar no próprio pé (ou na cabeça), uma vez que tudo que é histórico também é cíclico. Por mais que o tempo passe, algumas pessoas insistem em não querer ver o passar do tempo. Sêneca (4 a.C - 65 d.C) nos alerta, que o que urge não é a mudança de tempo, mas a mudança de mentalidade. Algumas pessoas, diz ele, existem por muito tempo, mas não vivem. 

E eu, cá com meus botões, penso que é como alguém ter "vivido" a vida toda em Fortaleza sem jamais ter escutado Ednardo cantar "Longarinas" no aterro da Praia de Iracema. 


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