O estranhamento talvez seja
a primeira sensação que se tem ao ler o livro Cem ideias que deram em nada (2014), de Antonia Pellegrino. A
segunda sensação é de que as cem ideias que a autora teve, realmente não deram
em nada. Isso, no entanto, não se confirma, uma vez que as cem ideias acabaram
dando em um livro. O trabalho sobre o qual discorremos foi publicado pela
editora Foz. A imagem da capa é O
Sonhador (The dreamer), óleo
sobre tela, de 2006, de autoria de Adriana Varejão.
O estranhamento que a obra
causa está mais na sua forma do que no seu conteúdo. Na houve, por parte da
autora, nenhuma aparente preocupação em organizar seu livro seguindo estruturas formais observáveis. E nisso a autora marca ponto, uma vez que as
ideias que expõe não merecem a clausura da forma. São ideias que precisavam ser
explicitadas em seus próprios contextos. Dessa forma, a obra de Pellegrino é
composta de crônicas e textos outros que poderiam ser considerados contos;
alguns deles podem muito bem ser identificados por aforismos, versos etc. Cada
capítulo se inicia sempre com o termo “ideia”. Assim, tem-se ideia de desejo (p.15), constituído
apenas de uma “frase”: O gato branco
arranha bolhas de sabão, texto que inicia o livro; terminando com ideia de maldição (p.159): o que você não termina, te acompanha até o
fim. Desejo e maldição são as ideias antagônicas que abrem e fecham a obra.
Ao longo do trabalho, no
entanto, observa-se o uso dos mais variados gêneros de escrita, o que faz do
trabalho de Antonia Pellegrino, uma colcha de retalhos, cabendo ao leitor fazer
as leituras que bem lhe aprouver. A experiência da autora com a tevê e o
cinema (Pellegrino adaptou para as telas, por exemplo, o livro Vale Tudo (2007), de Nelson Motta, sobre
a vida de Tim Maia) pode ser percebida, por exemplo, no texto Ideia possivelmente engraçada para seriado
de baixo orçamento (p.18-19), Ideia
para execução (p.27), quando apresenta as etapas de um “plano de negócio e
estratégia de financiamento para produção do longa metragem” ou ainda Ideia para cena de amor deixada na lixeira
da montagem (p.132-133).
Há, em Cem ideias que deram em nada, ideias para todos os gostos. São
ideias que podem se efetivar no plano pessoal, no campo profissional; até
ideias que não podem jamais se efetivar, mas se manter apenas no campo das
ideias; o que também não é uma má ideia. Assim sendo, há ideias sobre o amor, o
tesão, a democracia, o ressentimento, o tempo; bem como a ideia de ideia (p.152), na qual a autora reproduz (ou simula) uma
conversa via e-mail. E o livro de Antonia Pellegrino é assim, uma espécie de brainstorming, pois se não a paramos de
pensar, por qual razão parar de escrever. Se pensamos “tudo ao mesmo tempo
agora”, esse “tudo” pode ser muito bem transposto para o papel, tal qual o
pensamos (não o papel, mas o “tudo”), sem a necessidade de ser organizado em
formas, fórmulas, escaninhos e
estruturas. Dessa forma, é possível, inclusive, unir O peixe prego com o tubarão martelo, em uma Ideia de rima (p.84) ou ter a Ideia ruim (p.96), de Escrever contos em leques e exibir em uma
galeria de arte. Nesse caso, é melhor nem dar ideias!
O livro de Antonia
Pellegrino está por aí, entregue ao mundo para o deleite do leitor. Cama cansa, o que segura casamento é feijão,
afirma a autora, em Ideia de romantismo (p.120). Parafraseando a autora, a
forma muitas vezes cansa, o que segura uma obra é o conteúdo. No caso de Cem ideias que deram em nada, a forma
parece querer engolir o muito de conteúdo que está diluído nos textos que compõem
o trabalho, cabendo ao leitor não se deixar levar pelos estranhamentos
proporcionados pela obra, pois, muitas vezes, as nuvens brancas viajam onde ninguém nunca esteve.
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