A cena literária de
Fortaleza não se diferencia em nada da cena literária nacional, no que diz respeito
à reprodução da mesmice, ou seja, há sempre um livrinho medíocre sendo lançado,
para o encantamento falseado dos corroídos membros das mesmas velhas igrejinhas.
Dificilmente se vislumbra no horizonte algo que se mostre de relevante valor
literário. Há sempre muito barulho por nada. Talvez isso seja apenas reflexo da
arte produzida na contemporaneidade, mas que, com certeza, faz Adolfo Caminha (1867 - 1897) se remexer na cova.
Poeta de Meia-Tigela |
A felicidade daqueles que apreciam
um bom texto se faz quando, vez ou outra, um Quixote resolve combater os
moinhos das eternas inutilidades literárias locais, provocando o nosso
adormecido senso de compreensão da arte, seja ela literária ou não. No bojo dos
trabalhos que conseguem furar o cerco e sair da área de conforto estabelecida
pelo mainstream acangapebista, nos
chama a atenção o trabalho organizado pelo maestro de obras, o Poeta de
Meia-Tigela (pseudônimo usado para Alves de Aquino), com os “aos-cílios generosos”
de vários autores. Ao todo, são vinte e quatro quixotes.
E eis que surge o Mutirão, um livreto contendo
poesia, prosa, pintura, fotografia e muitas outras formas de se dizer a arte. A
reflexão proposta pelo trabalho segue a mesma linha dos livretos Dentes amarelos e Risque seu nome do meu
caderno, de autoria de Manoel Carlos e Deribaldo Santos. O trabalho,
acertadamente, se chama Mutirão, publicado
em Fortaleza, no ano de 2014, pela Expressão Gráfica e Editora. A capa, a folha
de rosto e o ratinho da página 11 ficaram a critério da artista Nataly Pinho;
enquanto (um por) todos (e todos por um) dividiram a revisão, como acontece em
qualquer mutirão que se preze.
Inicialmente o Mutirão reuniria apenas o Poeta de Meia-Tigela, Frederico Régis,
Nataly Pinho e Lúcio Cleto. Contudo, outros autores foram se chegando e foram
ficando. Quanto mais mãos, melhor o Mutirão!
A ideia é abrir espaço para trabalhos inéditos, apresentando novos autores. Daí
o seu caráter unitário e plural, tendo em vista a diversidade de textos e
imagens que apresenta. Convém observar que o aspecto aleatório do livreto é
apenas aparente, uma vez que possui toda uma lógica na sua organização.
Note-se, por exemplo, que a cada três textos escritos, tem-se uma imagem, um
desenho, uma pintura ou uma fotografia; o que faz do referido trabalho um
significativo repertório de relações intersemióticas.
Um livro organizado nos moldes do Mutirão mostra-se em consonância com o
tempo presente, ou seja, um tempo de fraturas, onde tudo precisa
necessariamente ocorrer de forma concatenada, conforme exige a arte na
contemporaneidade; embora tudo isso possa parecer contraditório. Dessa forma,
lembramos Agamben (2009), quando afirma que o contemporâneo que se pode
entrever na temporalidade do presente é sempre retorno que não cessa de se
repetir, portanto, nunca funda uma origem e, com isso, se aproxima da noção de
poesia. Percebemos aqui, a poesia como representação da abertura que toda obra
de arte possui; abertura essa que pode ser estendida à própria compreensão de
contemporaneidade.
Embora o Mutirão tenha nascido com o intuito de ser “apenas” um livreto
coletivo, uma reunião, sua presença provocadora já está garantida, uma vez que
no quarto mês de cada semestre um novo exemplar aportará em terras alencarinas e tigelíricas. Assim, embora saibamos que as publicações de revistas e livretos na cidade de Fortaleza apresentam
alto índice de mortalidade e desaparecimento, esperamos que o Mutirão consiga escapar à maldição do
descarte e do esquecimento e tenha vida longa e próspera.
Sugestão de leituras:
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Trad.
Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó, SC: Argos, 2009.
MEIA-TIGELA, o poeta de. Concerto nº 1nico em mim maior para palavra
e orquestra. Poema: combinação de realidades puramente imaginárias. Fortaleza:
Expressão Gráfica Editora, 2010.
_______________________. Memorial Bárbara de Alencar & outros
poemas. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2011.
Que bom que nem só de mesmices vive a literatura alencarina (sentindo uma ponta de orgulho e um pouquinho de inveja mal disfarçada). :-)
ResponderExcluirObrigado pela visita, F. Aquino. Abraço.
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