Eric Nepomuceno é um dos
nossos autores mais relevantes. Produz ficção, não ficção, e tem traduzido para
o português, grandes autores de língua espanhola, tais como Gabriel Garcia Márquez,
Julio Cortázar, Eduardo Galeano e Juan Rulfo; entre vários outros. Seu mais
recente trabalho é o livro A memória de
todos nós (2015), publicado pela
editora Record. Trata-se de um trabalho de fôlego, que discorre sobre as
sangrentas ditaduras que, por anos, assolaram a América Latina.
Nas palavras do próprio
autor:
Este
livro conta histórias passadas na Argentina, no Chile e no Uruguai. Não são
histórias únicas, singulares. Ao contrário: fazem parte do vasto e perverso
inventário das atrocidades padecidas pelos povos das nossas comarcas ao longo
de décadas de infâmia.
Os
personagens escolhidos – a uruguaia Macarena Gelman, a chilena Marcia
Scantlebury, os argentinos Estela de Carlotto, Adolfo Pérez Esquivel e Juan
Cabandié – são representativos de uma crença de ferro: a que diz que uma
democracia só se consolida quando alcança o império da verdade, da memória e da
justiça. Quando se reconhece que ocultar ou deformar o passado é uma forma
segura de comprometer o presente e condenar o futuro. (NEPOMUCENO, 2015:51)
Muito recentemente tem-se
visto na imprensa algumas manifestações pedindo a volta dos militares ao poder,
no Brasil, como se os vinte anos de ditadura impostos à ao povo brasileiro
fosse algo para se lembrar com o mínimo de orgulho que seja. O curioso nisso
tudo, é que muitos daqueles que financiaram e apoiaram o golpe de 1964 ainda
estão por aí saudosos das trevas que se abateram sobre esse país. O mais
triste, no entanto, é vermos muitos jovens defendendo tamanha monstruosidade.
Nesse contexto, o livro de Eric Nepomuceno, além de atual, mostra-se como uma
forma de registro para, a partir da sua leitura, se renegue qualquer forma de
justificativa de regimes de exceção, seja no Brasil ou em qualquer outra parte
do mundo.
O título A memória de todos nós parece ter sido criado a partir daquilo que
sugere o documento publicado pela Secretaria Especial da Presidência da
República, no ano de 2007, quando se discutiam as primeiras ideias sobre o que
viria a ser a Comissão Nacional da Verdade. O trabalho se chamou Direito à Memória e à Verdade, e trazia
a lume os trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
À época, Paulo Vannuchi era o titular da secretaria. Trata-se, como afirma
Nepomuceno, de um trabalho imprescindível para o resgate do direito de todos
nós à memória.
O caráter didático do trabalho
de Eric Nepomuceno é outro ponto a se observar, uma vez que a maneira escolhida
pelo autor para narrar os acontecimentos é bastante leve e acessível, apesar do
assunto que trata. Dessa forma, todas as partes do livro se entrelaçam, tendo como
fator de inter-relação as memórias de cada um dos personagens citados. Assim
sendo, a primeira parte do livro, denominada de “A memória de todos nós” (pp. 7
– 47) constitui-se de um percurso histórico a partir do golpe que derrubou o
governo constitucional do presidente Jacobo Árbenz Guzmán (1913 – 1971), na
Guatemala, em 1954, até o final dos anos oitenta; quando a democracia começa a
voltar ao continente latino-americano.
Sobre essa questão, convém
reproduzirmos o que a afirma o texto na orelha esquerda da obra em questão:
Entre
1954 e 1990, a América Latina viveu um longo e tenebroso período. Começo com o
golpe de Estado que derrubou o então presidente constitucional da Guatemala,
Jacobo Árbenz, e, pouco depois, o que pôs no poder o general Alfredo Stroessner
no Paraguai. No ano seguinte, caiu o presidente constitucional da Argentina, o
general Juan Domingo Perón. A vez do Brasil chegaria em 1964. A do Chile e do
Uruguai, em 1973. E a noite escura desabou.
Nesse
turbilhão, houve um momento – 1976 – em que na América do Sul só havia dois
governos constitucionais legítimos, os da Venezuela e da Colômbia. Todos os
outros viviam ditaduras que sequestravam, torturavam, baniam e exilavam quem se
lhes opunha, fosse de armas na mão ou com atos e palavras.
A
partir se 1983, a democracia começou a voltar, primeiro na Argentina, depois no
Uruguai e em seguida no Brasil. Em 1990, seria a vez do Chile. E desde então o
continente latino-americano vive tempos democráticos, enfrentando o difícil e
doloroso processo de encarar seu passado obscuro. (NEPOMUCENO, 2015)
Na página 50, o autor
explica que o livro em questão foi escrito com o apoio da FLACSO – Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais, como parte do projeto Pensar o Brasil:
ciclo de debates Direitos Humanos, Justiça e Memória. Na sequência (pp. 51-
52), explica sobre a organização do livro e informa que o mesmo não contém
histórias de brasileiros, mas traz um breve texto de Leonardo Boff. Essa parte
do livro (pp. 53 – 59) chama-se “Brasil: a memória é subversiva”. “Argentina: o
presente é fruto do passado” ocupa, por sua vez, as páginas 61 até 79. Na
sequência, tem-se “Chile: um museu contra o esquecimento” (pp. 81 – 104); “Uruguai:
a outra margem do horror” (pp. 105 – 125); “Argentina: a vida recuperada” (pp.
127 – 155) e, concluindo o livro, “Argentina: a dor maior” (pp. 157 – 188).
Eric Nepomuceno |
O foco central de A memória de todos nós são as ações da
chamada Operação Condor que, orquestrada pelos aparelhos repressivos das
ditaduras instauradas na Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai;
tinha por objetivo roubar os bebês de militantes presas, executar suas mães e
doar seus filhos para serem criados por militares. “Para o regime dos generais
na Argentina, os filhos dos sequestrados deveriam, necessariamente, perder usa
identidade, desconhecer sua história, sua origem. O regime considerava que as
ideias de seus pais podiam ser hereditárias. Portanto, era preciso cortar
qualquer vínculo familiar”.
A
memória de todos nós (2015) é um trabalho bastante oportuno, uma
vez que discute a necessidade urgente de manter viva, sempre viva, a memória,
para que, como afirma Leonardo Boff, ninguém esqueça, para que nunca mais
aconteça.
Eric Nepomuceno fala sobre seu livro: http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-literatura/v/literatura-eric-nepomuceno-lanca-livro-sobre-ditaduras-latino-americanas/4102344/
Outras leituras de Eric Nepomuceno:
1. Coisas do mundo (1994)
2. A palavra nunca (1997)
3. Quarta-feira (1998)
4. O massacre (2007)
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