Wendy Guerra |
Alejo Carpentier,
Guillermo Cabrera Infante, Reinaldo Arenas, Pedro Juan Gutiérrez e Leonardo
Padura são alguns dos autores da literatura cubana, que são possíveis de serem
encontrados nas livrarias e sebos do Brasil. Nem todos, infelizmente, habitam
as prateleiras das nossas universidades; o que não causa surpresa, uma vez que
até determinados autores nacionais, como Carolina de Jesus, por exemplo, ainda
são invisíveis para muitos dos nossos leitores.
E se voltarmos os olhos
para as escritoras cubanas, muito pouco ou quase nada se conhece por aqui. Não
que elas não existam, mas que por inúmeras razões sua literatura ainda não
chega ao Brasil como, por exemplo, já chegaram autoras como a moçambicana
Paulina Chiziane.
Se há uma culpa em tudo
isso, certamente que não está nas autoras e, muito menos nos leitores; mas nos
imbróglios políticos e culturais que acabam por barrar pesquisas, censurar
obras e tornar artistas invisíveis. Mas, como disse o líder dos Rolling Stones
em recente show em Havana: “os tempos estão mudando”. E como estão! A própria
presença dos “Rolling”, que é como os cubanos chamam a banda de Keith Richards,
na ilha, já é uma prova de algumas dessas mudanças. É claro que essas
“mudanças” são tanto aceitas quanto rechaçadas, não constituindo unanimidade
entre o povo cubano. Mas se o povo cubano curtiu o show dos Rolling Stones
tanto quanto eu curti em São Paulo, não há dúvida de que foi um momento mágico,
quase surreal, um acontecimento histórico. Entre muitos que foram (ou que
disseram que iriam), a imprensa deu certo destaque para a escritora Wendy
Guerra, autora de uma prosa das mais relevantes produzidas atualmente em Cuba.
O primeiro romance de
Wendy Guerra chama-se Todos se vão,
de 2006, publicado no Brasil no ano de 2011. Além desse, também nos chama a
atenção as narrativas Nunca fui
primeira-dama (2008) e Posar nua em
Havana (2011), publicados no Brasil, respectivamente, nos anos de 2010 e
2012. Os dois primeiros foram traduzidos por Josely Vianna Baptista, enquanto a
tradução do terceiro foi feita por José Rubens Siqueira. Os três livros em
questão foram publicados pelo selo Benvirá. No ano de 2013, Guerra publicou
pela editora Anagrama o livro Negra, ainda
sem tradução para o português brasileiro.
Wendy Guerra, embora
traduzida para vários outros idiomas, ainda é uma “famosa desconhecida” no seu
próprio país, onde sua obra ainda está vetada. Conforme suas próprias palavras:
“lá, sou um personagem de ficção”. Foi o que afirmou a autora quando esteve no
Brasil, para participar da Festa Literária Internacional de Parati, FLIP, no
ano de 2010.
O hábito de escrever
diários na infância, acabou contribuindo para que Wendy Guerra recorresse a
esse gênero de escrita como forma de estruturar algumas das suas narrativas,
como é o caso do romance Todos se vão; narrativa
que pode muito bem ser compreendida como uma espécie de microcosmo de uma
situação mais ampla, naquilo que diz respeito às questões de organização
política e social, bem como de comportamento e relações entre as pessoas. Seria
o universo da personagem Nieve uma alegoria da Cuba de Wendy? Como se assumir
em uma sociedade na qual as opções de vida se resumem a ter que “atirar bem” ou
“fugir”, correndo o risco de passar pela humilhação dos chamados “atos de
repúdio”? Embora o cenário político-social descrito pela personagem Nieve seja
de causar indignação e terror, ele não se diferencia em muito daquilo que
ocorre na realidade, em outros países, como o Brasil, por exemplo.
Todos
se vão pode, como toda obra literária, ser lido por diferentes
perspectivas, inclusive podendo ser considerado um livro de caráter feminista,
uma vez que a força e a determinação de Nieve não se mostram em consonância
com o que indica a fragilidade do termo “neve”, mas com a fortaleza que habita
cada mulher que, frente as pressões impostas pela sociedade, se agigantam a
cada novo embate pela liberdade, pela vida. Essa característica da personagem
talvez seja resultado das leituras da autora que, entre outras, cresceu lendo
Marguerite Duras e Marguerite Yourcenar.
Se todo grande escritor tem preocupações e acalenta sonhos, o de Wendy Guerra é provavelmente, registrar, na sua
literatura, o sentimento humano. Mesmo o constrangimento absoluto do silêncio do
seu país em relação ao seu trabalho não a faz menor. E já que “não existe”
mesmo em Cuba, Wendy vai vivendo sua vida e as mais outras vidas que desejar, em
outros mundos, em novas obras; pois bem sabe ela que de uma forma ou outra, mais
cedo ou mais tarde, todos se vão. E o que restará? A memória, os registros, a
história e as palavras. Nada mais.
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