O ato de xingar é tão antigo
quanto o ato de respirar, se alimentar ou beber água. O xingamento deve existir
desde que o ser humano colocou os pés nesse planeta. Houve um tempo, inclusive,
que xingar alguém foi considerado coisa comum, normal. “Normal”, é claro, do
ponto de vista de quem xinga, pois para quem é xingado nada tem de “normal”,
muito menos de aceitável. Houve também um tempo em que os xingados, geralmente
as minorias, não tinham o direito de reclamar, nem que fosse apenas ao bispo
(talvez fossem até xingados de novo), pois minoria tinha ficar calada e baixar
a cabeça para tudo e para todos. Ainda bem, que não é mais assim.
Os tempos estão
em constante mutação, como bem afirma Bob Dylan. Dessa forma, o que “há algum
tempo era jovem e novo, hoje é antigo” e, como bem diz o poeta Belchior: “precisamos
todos rejuvenescer”. Não rejuvenescer no corpo apenas, mas nas nossas cabeças e
nos nossos corações, tendo em vista que existem inúmeros jovens, que são velhos
de dar dó; enquanto muitos velhos são maravilhosamente jovens. Precisamos todos
rejuvenescer, principalmente naquilo que diz respeito às nossas velhas opiniões
formadas sobre tudo. Precisamos abrir nossas janelas da alma, para que somente
dessa maneira consigamos ver a beleza da diversidade da qual se constitui o
outro. Enquanto não conseguirmos colocar isso em prática, chafurdaremos
eternamente na lama da nossa hipocrisia e na ignorância dos nossos preconceitos.
Afinal, com bem afirma Sakamoto (2016:157), a ignorância é realmente um lugar
quentinho.
E é sobre a estupidez
humana, o prazer de xingar e destilar ódio por meio da Internet, entre outros
assuntos, que trata o livro O que aprendi
sendo xingado na Internet (2016), de Leonardo Sakamoto. O livro em questão
foi publicado pela editora Leya e traz uma seleção de algumas das melhores
crônicas escritas por Sakamoto, sendo algumas já publicadas em seu próprio
blog. O livro tem cento e sessenta páginas e está organizado em doze partes,
que se sucedem da seguinte forma: “Todos nós somos responsáveis” (p. 7-11), “O
outro é um ilustre desconhecido” (p. 13- 26), “Somos educados a tomar partido”
(p. 27-50), “Jornalistas não são jornalistas, leitores não são leitores” (p.
51-70), “Falta amor no mundo” (p. 71-88), “Falta interpretação de texto” (p.
89-104), “Falta Lexotan na água desse povo” (p. 105-116), “Boatos são eternos”
(p.117-132), “Mais vale um tuíte atrasado do que um post mal apurado” (p.
133-146), “Odiar é fácil. Difícil é dialogar” (p. 141-146), “Por que devemos
continuar resistindo” (p. 147-154) e “Epílogo” (p. 155- 158). O livro conta
ainda com uma breve apresentação de Gregório Duvivier e abre com uma charge da
Laerte.
Sakamoto procurou organizar
o livro, reunindo sob títulos abrangentes, aquelas crônicas que, de alguma
forma, mantivessem aproximações temáticas. Dessa forma, O que aprendi sendo xingado na Internet não tem como objetivo dar a
palavra final sobre nenhum dos assuntos ali tratados, mas propor questionamentos
e discussões acerca do atual clima de ódio que se destila nas redes sociais, a
partir da situação sócio-política do Brasil, para que nós, leitores, não nos
tornemos massa de manobra na rede.
A formação acadêmica e a
experiência profissional de Leonardo Sakamoto permitem que ele discorra sobre
os mais delicados assuntos, de forma bastante leve, como se exige de uma boa
crônica. Não é, no entanto, a leveza do seu texto que o impede de meter o dedo
na ferida da incompreensão, questionando, o tempo todo, a necessidade que
sentem alguns em defender o indefensável, tentando empurrar goela abaixo dos
incautos e desavisados uma visão de história e de política, que não condiz com
a realidade da maioria, mas de uns poucos escolhidos. Através dos seus textos,
o autor sempre apresenta mais de uma maneira de compreensão para um mesmo tema,
desconsiderando completamente a possibilidade de defesa e manutenção de uma
história única. Para tanto, um dos recursos mais eficazes observados na sua
escrita é o uso da ironia, à qual recorre com bastante freqüência, usando-a na medida
certa.
Leonardo Sakamoto |
Os textos que compõem o
livro em questão são resultados das preocupações do autor em relação às
questões que dizem respeito à situação sócio-política do Brasil, assim como o
comportamento dos internautas no que concerne às opiniões que emitem no
ambiente virtual. Como há, na Internet, uma sensação de invisibilidade e,
consequentemente, uma sensação de impunidade no que concerne ao que se diz nas
redes sociais; as pessoas que tomam posicionamentos e mostram seus rostos, provando
que existem na vida real e que pensam de maneira livre, acabam por se tornarem
alvos fáceis para a imensa massa de agressores virtuais dispostos a impor seus
dogmas, atacando aqueles que questionam ou, simplesmente, mostram que nada é
absoluto.
Sakamoto é uma dessas
figuras que carregam um alvo nas costas. E embora determinados xingamentos
tenham deixado a Internet e o busquem pelas ruas, o autor não tem se deixado
abater por questões tacanhas, defendo sempre o diálogo como forma de se chegar
a um denominador comum. É claro que o fascismo que invade a web e bate na nossa
porta não reconhece o outro e, consequentemente, ignora a importância de se
dialogar. Por isso mesmo, toda e qualquer pessoa que passou, passe ou pretenda
passar pelo menos perto de um computador tem a urgentíssima necessidade de se
debruçar sobre os textos deste livro de Leonardo Sakamoto, como forma de apreender
as maneiras mais básicas e elementares de sobreviver à Internet, o que também,
sem dúvida alguma, o tornará uma pessoa melhor.
Leia também:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br
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