segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O QUE APRENDI SENDO XINGADO NA INTERNET, DE LEONARDO SAKAMOTO

O ato de xingar é tão antigo quanto o ato de respirar, se alimentar ou beber água. O xingamento deve existir desde que o ser humano colocou os pés nesse planeta. Houve um tempo, inclusive, que xingar alguém foi considerado coisa comum, normal. “Normal”, é claro, do ponto de vista de quem xinga, pois para quem é xingado nada tem de “normal”, muito menos de aceitável. Houve também um tempo em que os xingados, geralmente as minorias, não tinham o direito de reclamar, nem que fosse apenas ao bispo (talvez fossem até xingados de novo), pois minoria tinha ficar calada e baixar a cabeça para tudo e para todos. Ainda bem, que não é mais assim.

Os tempos estão em constante mutação, como bem afirma Bob Dylan. Dessa forma, o que “há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo” e, como bem diz o poeta Belchior: “precisamos todos rejuvenescer”. Não rejuvenescer no corpo apenas, mas nas nossas cabeças e nos nossos corações, tendo em vista que existem inúmeros jovens, que são velhos de dar dó; enquanto muitos velhos são maravilhosamente jovens. Precisamos todos rejuvenescer, principalmente naquilo que diz respeito às nossas velhas opiniões formadas sobre tudo. Precisamos abrir nossas janelas da alma, para que somente dessa maneira consigamos ver a beleza da diversidade da qual se constitui o outro. Enquanto não conseguirmos colocar isso em prática, chafurdaremos eternamente na lama da nossa hipocrisia e na ignorância dos nossos preconceitos. Afinal, com bem afirma Sakamoto (2016:157), a ignorância é realmente um lugar quentinho.

E é sobre a estupidez humana, o prazer de xingar e destilar ódio por meio da Internet, entre outros assuntos, que trata o livro O que aprendi sendo xingado na Internet (2016), de Leonardo Sakamoto. O livro em questão foi publicado pela editora Leya e traz uma seleção de algumas das melhores crônicas escritas por Sakamoto, sendo algumas já publicadas em seu próprio blog. O livro tem cento e sessenta páginas e está organizado em doze partes, que se sucedem da seguinte forma: “Todos nós somos responsáveis” (p. 7-11), “O outro é um ilustre desconhecido” (p. 13- 26), “Somos educados a tomar partido” (p. 27-50), “Jornalistas não são jornalistas, leitores não são leitores” (p. 51-70), “Falta amor no mundo” (p. 71-88), “Falta interpretação de texto” (p. 89-104), “Falta Lexotan na água desse povo” (p. 105-116), “Boatos são eternos” (p.117-132), “Mais vale um tuíte atrasado do que um post mal apurado” (p. 133-146), “Odiar é fácil. Difícil é dialogar” (p. 141-146), “Por que devemos continuar resistindo” (p. 147-154) e “Epílogo” (p. 155- 158). O livro conta ainda com uma breve apresentação de Gregório Duvivier e abre com uma charge da Laerte.

Sakamoto procurou organizar o livro, reunindo sob títulos abrangentes, aquelas crônicas que, de alguma forma, mantivessem aproximações temáticas. Dessa forma, O que aprendi sendo xingado na Internet não tem como objetivo dar a palavra final sobre nenhum dos assuntos ali tratados, mas propor questionamentos e discussões acerca do atual clima de ódio que se destila nas redes sociais, a partir da situação sócio-política do Brasil, para que nós, leitores, não nos tornemos massa de manobra na rede.

A formação acadêmica e a experiência profissional de Leonardo Sakamoto permitem que ele discorra sobre os mais delicados assuntos, de forma bastante leve, como se exige de uma boa crônica. Não é, no entanto, a leveza do seu texto que o impede de meter o dedo na ferida da incompreensão, questionando, o tempo todo, a necessidade que sentem alguns em defender o indefensável, tentando empurrar goela abaixo dos incautos e desavisados uma visão de história e de política, que não condiz com a realidade da maioria, mas de uns poucos escolhidos. Através dos seus textos, o autor sempre apresenta mais de uma maneira de compreensão para um mesmo tema, desconsiderando completamente a possibilidade de defesa e manutenção de uma história única. Para tanto, um dos recursos mais eficazes observados na sua escrita é o uso da ironia, à qual recorre com bastante freqüência, usando-a na medida certa.

Leonardo Sakamoto
Os textos que compõem o livro em questão são resultados das preocupações do autor em relação às questões que dizem respeito à situação sócio-política do Brasil, assim como o comportamento dos internautas no que concerne às opiniões que emitem no ambiente virtual. Como há, na Internet, uma sensação de invisibilidade e, consequentemente, uma sensação de impunidade no que concerne ao que se diz nas redes sociais; as pessoas que tomam posicionamentos e mostram seus rostos, provando que existem na vida real e que pensam de maneira livre, acabam por se tornarem alvos fáceis para a imensa massa de agressores virtuais dispostos a impor seus dogmas, atacando aqueles que questionam ou, simplesmente, mostram que nada é absoluto.


Sakamoto é uma dessas figuras que carregam um alvo nas costas. E embora determinados xingamentos tenham deixado a Internet e o busquem pelas ruas, o autor não tem se deixado abater por questões tacanhas, defendo sempre o diálogo como forma de se chegar a um denominador comum. É claro que o fascismo que invade a web e bate na nossa porta não reconhece o outro e, consequentemente, ignora a importância de se dialogar. Por isso mesmo, toda e qualquer pessoa que passou, passe ou pretenda passar pelo menos perto de um computador tem a urgentíssima necessidade de se debruçar sobre os textos deste livro de Leonardo Sakamoto, como forma de apreender as maneiras mais básicas e elementares de sobreviver à Internet, o que também, sem dúvida alguma, o tornará uma pessoa melhor.

Leia também:

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br


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