Ancorado em uma poética
do absurdo, o teatro de Samuel Beckett (1906 – 1989) revoluciona grande parte
do drama produzido no Ocidente, no período do pós-guerra. Impactante, a obra
dramatúrgica beckettiana opta por uma linguagem que privilegia a elipse, o
silêncio, o corte e a imobilidade; o que a coloca em oposição ao chamado “teatro
convencional”, uma vez que esse se pauta, entre outras coisas, pela ação.
Embora as obras do
autor irlandês, no que concerne à sua poesia, contística e romance, sejam
consideradas de altíssimo nível literário; são suas peças que nos parecem mais
representativas de um período histórico assolado pelo medo, a solidão e o
isolamento causados pela constante ameaça de destruição da humanidade, as quais
se apresentam como elementos basilares do drama produzido no pós-guerra. Dessa
forma, são exemplos da sua produção as peças Esperando Godot (1952), Fim
de Partida (1957) e Dias Felizes
(1962).
Como não costuma ser
muito fácil se iniciar no texto dramatúrgico de Samuel Beckett, o livro As peças de Samuel Beckett (do original The plays of Samuel Beckett, de 1972),
de Eugene Webb, apresenta-se como uma alternativa agradavelmente didática de se
mergulhar no universo do referido escritor.
O livro foi publicado
no ano de 2012, pela editora Realizações, e se insere na Coleção Ensaios, da
Biblioteca Teatral. A tradução para o português foi feita por Pedro Sette-Câmara.
O trabalho contém catorze capítulos. No primeiro, o autor faz uma introdução na
qual discorre sobre Samuel Beckett e a tradição filosófica do Absurdo (p. 13 –
30). Cada um dos doze capítulos seguintes é dedicado a análise de cada uma das
peças de Samuel Beckett, numa ordem que basicamente corresponde à sua
cronologia de publicação. O livro se inicia com uma nota de agradecimentos (p.
9 – 10), seguida por uma nota do tradutor (p. 11 – 12). O capítulo XIV é denominado
por Webb de “Visão Geral, no qual o autor opta por fazer uma espécie de “revisão”
dos principais aspectos de cada uma das peças examinadas (p. 161 – 174). Na
sequência, tem-se uma “Lista das primeiras montagens” (p. 175 – 176), a
bibliografia (p. 177 – 184) e, finalizando, tem-se o índice analítico (p. 178 –
185).
A nota do tradutor tem
como objetivo deixar claro que ao longo do trabalho, as peças serão referidas por seu nome em português.
Isso só não ocorrerá quando o autor fizer referências mais específicas. Assim
sendo, o capítulo II é dedicado à análise de Esperando Godot (p. 31 – 50); o terceiro a Todos os que caem (p. 51 – 64); o quarto a Fim de Partida (p. 65 – 80); o quinto A última gravação de Krapp (p. 81 – 92) e, na sequência, Cinzas (p. 93 – 104); Duas pantomimas: Ato sem Palavras I e Ato
sem Palavras II (p. 105 – 110); Dias
Felizes (p. 111 – 124); Letra e
Música (p. 125 – 132); Cascando (p. 133 – 138); Trios: Comédia e Vai e Vem (p. 139 – 146); Filme (147 – 156) e Eh Joe
(p. 157 – 160).
Sobre Samuel Beckett e
sua obra, Webb afirma:
Samuel
Beckett conhece bem não só o desespero do homem moderno, mas também a longa
história intelectual que desemboca nele. Suas obras contêm referências a filósofos
que vão dos pré-socráticos a Heidegger, Sartre e Wittgenstein. Essa extensiva
familiaridade com as raízes intelectuais da mente moderna é uma das principais
fontes da grande abrangência e da força de Beckett.
Sua
obra pode representar o desespero, mas ela não se entrega a ele. O desespero é
parte da realidade do nosso tempo, e como artista sincero Beckett teve de ser
fiel a essa realidade. Para encontrar um caminho além do absurdo é preciso
atravessá-lo. É isso que as peças de Beckett tentam fazer.
Foi
provavelmente por isso que Beckett disse em Berlim, em 1967, enquanto se
preparava para dirigir uma produção de Fim
de Partida, que a maneira de entender seus textos teatrais é falar “não de
filosofia, mas de situações”. As peças são explorações do sentido da vida
humana em sua realidade plena, e esse sentido não é uma ideia abstrata do tipo
que pode ser conhecido objetivamente com o intelecto, mas um mistério vivido
com o eu total. Por isso, embora tratem, em parte, de problemas filosóficos, elas
estão ainda mais interessada na psicologia – usando esse termo num sentido
bastante amplo – de indivíduos concretos. Suas peças tomam situações e
perscrutam-nas a fim de revelar a realidade humana que jaz em suas profundezas. (WEBB, 2012)
Posto isso, surge o
seguinte questionamento: Como o leitor pode fazer para “se iniciar” no trabalho
de Samuel Beckett? Assim como a obra beckettiana não aponta saídas e muito
menos dá respostas, o mais importante talvez seja mergulhar nos seus textos,
sejam quais forem, e esperar que os caminhos lhe sejam revelados. Caminhos que
podem conduzir ao longe ou “apenas” ao labirinto da espera por dias felizes,
enquanto o jogo não acaba.
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