Houve um tempo em que se
pensava que as artes não poderiam
“conversar” entre si, devendo cada uma permanecer em seu espaço delimitado.
Aqueles que defendiam tal estado de coisas não conseguiam perceber que há muito
de uma arte em outra arte, sendo bastante saudável que elas interajam sempre
que possível. Vítimas dessa desnecessária polêmica, a literatura e o cinema
acabaram por romper as correntes do atraso, passando a caminhar cada vez mais
juntas, assim como também já o fazem a literatura e a música, a música e as
artes plásticas, as artes plásticas e a dança...
Partindo desse princípio,
o livro Literatura e cinema: algumas
reflexões (2017) proporciona a discussão acerca de algumas visões
contemporâneas no que diz respeito a aproximação (ou seria a simbiose?) entre
literatura e cinema a partir de sete artigos escritos por pesquisadores das
duas áreas. Assim sendo, Bruna Belmont de Oliveira discorre sobre “Cinema e
poesia: apontamento sobre um encontro”. Jamile Pequeno Soares escreve “Faces
para a criatura de Frankenstein: o que os filmes fazem que o romance não pode
fazer (e vice-versa)”. A discussão acerca de “A representação da violência na
literatura e no cinema” foi o assunto sobre o qual escreveu Francisco Romário
Nunes, que também ficou responsável por escrever a Introdução, abordando a
adaptação fílmica como prática cultural.
Juliana Goldfarb de
Oliveira, por sua vez, escreveu “Um outro olhar para A história do olho”,
enquanto Maria Bevenuta Sales de Andrade e Charles Albuquerque Ponte
discorreram sobre as “Especificidades do verbal e do visual: duas narrativas de
Estômago. “Da literatura ao cinema: a narrativa poética em O conto da princesa Kaguya” foi analisado por Francisca
Lailsa Ribeiro Pinto. Maria Graciele de Lima se deteve “Sobre versos que
costuram El cuerpo de Cristo: quando a carne e a alma estão desterradas”.
O livro em questão foi
organizado por Jamile Pequeno Soares e Maria Graciele de Lima, tendo sido
publicado pela editora Queima-Bucha, de Mossoró, em 2017. O trabalho contém ao
todo 111 páginas e conta com a apresentação “Tão longe, tão perto” (que nos
remete automaticamente ao filme de mesmo nome, de Wim Wenders, de 1993), feita
por Cícera Graciele Cajazeiras. Na sequência, tem-se a Introdução (p. 9-18)
feita por Romário Nunes, pesquisador das relações entre literatura e cinema,
tendo desenvolvido pesquisas a partir das adaptações da obra de Cormac McCarthy
para o cinema.
Os sete artigos que
compõem a coletânea, assim como todo e qualquer artigo, não se propõem encerrar
as discussões sobre literatura e cinema, o que seria, obviamente, impossível. O
objetivo desse tipo de trabalho é trazer à tona, por intermédio de novos
olhares, outras apreensões acerca de assuntos muitas vezes exaustivamente debatidos.
Isso, contudo, não consiste em nenhuma forma de problema, uma vez que umas das
funções do pesquisador é continuamente levantar questionamentos e fazer conjecturas,
estando sempre pronto e aberto às possíveis refutações.
Os artigos constituintes
do livro Literatura e cinema: algumas reflexões
dialogam entre si seja pela temática geral que os une, bem como pela base
teórica recorrente na maioria deles.
Contudo, ao lermos os artigos, deixamos
de saber qual é a compreensão de literatura e cinema sob o ponto de vista do
oriental, por exemplo, uma vez que as bases teóricas são quase todas
ocidentais. Isso também não é um problema, mas é sempre produtivo quando
buscamos a compreensão do mesmo pelos olhos do outro. E aqui registro uma
pergunta: a transposição de um texto literário para a tela deve ser
compreendida como uma adaptação, uma tradução ou uma narrativa simplesmente?
Literatura
e cinema: algumas reflexões não pretende, como já
dissemos, encerrar algo que não se pode encerrar. E, como posto no próprio
título do trabalho, tratam-se apenas de “algumas reflexões”. Reflexões tais que
gerarão outras reflexões e mais outras, fazendo com que esse excelente trabalho
de pesquisa alcance seu objetivo proposto. As escolhas das obras analisadas foram
bastante acertadas, com obras clássicas e modernas investigadas em consonância
com questões que são muito caras aos nossos tempos de liquidez. Sobre a
consciência das relações que se dão entre texto / leitor / espectador, convém
observar o que afirma Nunes, quando diz que: “as narrativas construídas a
partir do encontro entre literatura e cinema avançam na contemporaneidade. Isso
demonstra que esse contato não esgotou as possibilidades de envolver o
leitor/espectador na interação com as histórias” (pp.16-17). O texto introdutório
do professor Nunes é assertivo, quando reforça que:
(...) a ideia de intertextualidade
levantada por Julia Kristeva e por uma série de outros autores atesta o caráter
plural da literatura, por exemplo, e concebe o processo de produtividade da
obra literária como uma rede de sentidos que interpela, a partir de múltiplas
tradições, a presença de um texto em outro. Essa relação nem sempre indica
harmonia, mas também produz tensão, subversão, mutação, entre outras formas de
contatos. (NUNES: 2017, p. 9)
Ao
colocar em análise as relações intertextuais entre literatura e cinema, das
quais trata Nunes, o pesquisador precisar ficar atento às exigências da
abordagem que será feita, tendo em vista que ao propor uma investigação de um
obra literária transposta para o cinema, um mundo de proposições teóricas se
descortina. Em outras palavras, o pesquisador deverá estar atento às
idiossincrasias e epistemologias (epistemologia no sentido utilizado por
Boaventura de Sousa Santos, 2010) culturais que adaptações como as tratadas no
presente livro, requerem.
Embora
todos os autores tenham conseguido manter esse foco, considero que entre todos
os artigos constituintes do livro Literatura
e cinema: algumas reflexões (2017), muito me agradaram os artigos “Faces
para a criatura de Frankenstein: o que os filmes fazem que o romance não pode
fazer (e vice-versa)”, de Jamile Pequeno Soares, “A representação da violência
na literatura e no cinema”, de Francisco Romário Nunes, “Um outro olhar para A História do olho”, de Juliana Goldfarb
de Oliveira e “Da literatura para o cinema: a narrativa poética em O conto da princesa Kaguya”, de Francisca
Laílsa Ribeiro Pinto. Tratam-se de escolhas meramente pessoais desse resenhista
e, portanto, questionáveis.
Em
termos gerais, o trabalho que vem a público por intermédio da editora Queima-Bucha
é de inestimável valor para todos aqueles
que se dedicam a pesquisar as relações entre literatura, cinema e outros
sistemas, vindo portanto, contribuir para uma discussão que se amplia cada vez
mais. E que cada vez mais se faz necessária.
Que
venha o próximo!