domingo, 8 de abril de 2018

DICIONÁRIO DE LÍNGUAS IMAGINÁRIAS, DE OLAVO AMARAL


Dicionário de línguas imaginárias, de Olavo Amaral foi uma das grandes publicações do ano de 2017. Trata-se de um belíssimo livro de contos, publicado pela editora Alfaguara, no qual todos os contos são conectados, de uma forma ou outra, pela comunicação. Antes do Dicionário de línguas imaginárias, Amaral já havia publicado Estática (2006) e Correnteza e escombros (2012).

Embora publique pouco, não se pode afirmar que Olavo Amaral seja um amador na arte da narrativa curta, muito pelo contrário. A qualidade literária demonstrada na concepção dos contos que constituem a obra em questão diz muito do respeito e da atenção que o autor dedica ao seu fazer literário. Talvez por isso, o escritor tenha optado por trabalhar a comunicação como elemento central das contos que apresenta, pois discorrer literariamente sobre o ato de comunicar, em época de exacerbado uso de redes sociais, parece-nos tão  relevante quanto pontual e urgente.

Em tempos líquidos, basta um clique para que nos conectemos ao outro lado do mundo. Mais um clique e lá estamos nós, caminhando pelo Louvre... Outro clique e trocamos meia dúzia de palavras com fulano ou beltrano. Retuitamos e curtirmos de tudo um pouco. Somos exímios ativistas da palavra. De frente pra tela, mas de costas para a realidade, quase nem percebemos o fechamento das fronteiras, o descaso pelo próximo, a intolerância que insiste em avançar a olhos vistos. De uma hora para a outra, a palavra parece fugir das nossas bocas. Temos dificuldades para comunicar. Somos reféns da nossa própria solidão comunicativa. Será que a liquidez da nossa era nos obriga a esquecer as línguas que aprendemos?

É sobre algumas dessas questões e muitas outras, que Olavo Amaral discorre nos dez contos que compõem a obra Dicionário de línguas imaginárias. Os contos são: “Uok phlau” (p. 11-17), “Travessia” (p. 18-25), “Mixtape” (p. 26-42), “Quarto à beira d’água” (p. 43-51), “Icebrgs” (p. 52-63), “Choeung Ek” (p. 64-68), “O ano em que nos tornamos ciborgues” (p. 69-83), “Esquecendo Valdés” (p. 84-97), “Última balsa” (p. 98-111) e “Estepe” (p. 112-125). Assim sendo, através das suas narrativas, Amaral conduz o leitor por caminhos que só podem ser percorridos tomando a linguagem como condutora dos meandros da condição humana, sob clara influência do texto de Jorge Luis Borges. Nos contos de Amaral, os jardins se bifurcam, a dificuldade da comunicação mostra-se, em certos casos, como uma torre/biblioteca de babel, de difícil decifração, pois se as línguas são imaginárias, os seres também o são.
Olavo Amaral

Um dos contos mais impactantes do presente trabalho é “Travessia”, no qual pessoas de etnias e línguas diferentes dividem o mesmo porão de um barco. Seriam refugiados, tentando fugir da miséria e da opressão que se abate sobre aqueles a quem resta muito pouco ou quase nada. Como os predadores não lhes podem arrancar a alma e a língua, isso é tudo lhes resta. Antes uma dádiva, a língua agora é praticamente uma maldição, incapaz de comunicar, dizer das dores, das fomes e dos desejos. O que uniria, aparta. São estranhos de si mesmos. Teria sido a partir daí, que começamos a nos tornar ciborgues?

É claro que o Dicionário de línguas imaginárias, de Olavo Amaral, não é um dicionário. Assim como o Dicionário de lugares imaginários (2003), de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi também não o é. Mas quem se importa? Ás vezes o leitor precisa se refugiar em lugares que não existem de verdade, falando línguas que também não existem de verdade. Tudo isso, graças a escritores que existem de verdade.

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