Dicionário
de línguas imaginárias, de Olavo Amaral foi uma das grandes
publicações do ano de 2017. Trata-se de um belíssimo livro de contos, publicado
pela editora Alfaguara, no qual todos os contos são conectados, de uma forma ou
outra, pela comunicação. Antes do Dicionário
de línguas imaginárias, Amaral já havia publicado Estática (2006) e Correnteza
e escombros (2012).
Embora publique pouco,
não se pode afirmar que Olavo Amaral seja um amador na arte da narrativa curta,
muito pelo contrário. A qualidade literária demonstrada na concepção dos contos
que constituem a obra em questão diz muito do respeito e da atenção que o autor
dedica ao seu fazer literário. Talvez por isso, o escritor tenha optado por
trabalhar a comunicação como elemento central das contos que apresenta, pois
discorrer literariamente sobre o ato de comunicar, em época de exacerbado uso
de redes sociais, parece-nos tão
relevante quanto pontual e urgente.
Em tempos líquidos, basta
um clique para que nos conectemos ao outro lado do mundo. Mais um clique e lá
estamos nós, caminhando pelo Louvre... Outro clique e trocamos meia dúzia de
palavras com fulano ou beltrano. Retuitamos e curtirmos de tudo um pouco. Somos
exímios ativistas da palavra. De frente pra tela, mas de costas para a
realidade, quase nem percebemos o fechamento das fronteiras, o descaso pelo
próximo, a intolerância que insiste em avançar a olhos vistos. De uma hora para
a outra, a palavra parece fugir das nossas bocas. Temos dificuldades para
comunicar. Somos reféns da nossa própria solidão comunicativa. Será que a liquidez
da nossa era nos obriga a esquecer as línguas que aprendemos?
É sobre algumas dessas
questões e muitas outras, que Olavo Amaral discorre nos dez contos que compõem
a obra Dicionário de línguas imaginárias.
Os contos são: “Uok phlau” (p. 11-17), “Travessia” (p. 18-25), “Mixtape”
(p. 26-42), “Quarto à beira d’água” (p. 43-51), “Icebrgs” (p. 52-63), “Choeung
Ek” (p. 64-68), “O ano em que nos tornamos ciborgues” (p. 69-83), “Esquecendo
Valdés” (p. 84-97), “Última balsa” (p. 98-111) e “Estepe” (p. 112-125). Assim
sendo, através das suas narrativas, Amaral conduz o leitor por caminhos que só
podem ser percorridos tomando a linguagem como condutora dos meandros da
condição humana, sob clara influência do texto de Jorge Luis Borges. Nos contos
de Amaral, os jardins se bifurcam, a dificuldade da comunicação mostra-se, em
certos casos, como uma torre/biblioteca de babel, de difícil decifração, pois
se as línguas são imaginárias, os seres também o são.
Olavo Amaral |
Um dos contos mais
impactantes do presente trabalho é “Travessia”, no qual pessoas de etnias e
línguas diferentes dividem o mesmo porão de um barco. Seriam refugiados,
tentando fugir da miséria e da opressão que se abate sobre aqueles a quem resta
muito pouco ou quase nada. Como os predadores não lhes podem arrancar a alma e
a língua, isso é tudo lhes resta. Antes uma dádiva, a língua agora é
praticamente uma maldição, incapaz de comunicar, dizer das dores, das fomes e
dos desejos. O que uniria, aparta. São estranhos de si mesmos. Teria sido a
partir daí, que começamos a nos tornar ciborgues?
É claro que o Dicionário de línguas imaginárias, de
Olavo Amaral, não é um dicionário. Assim como o Dicionário de lugares imaginários (2003), de Alberto Manguel e
Gianni Guadalupi também não o é. Mas quem se importa? Ás vezes o leitor precisa
se refugiar em lugares que não existem de verdade, falando línguas que também
não existem de verdade. Tudo isso, graças a escritores que existem de verdade.
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