
Tome-se esse cenário e acrescente um narrador atento ao que lhe circunda; coloque três bons personagens, uma boa trama e
tem-se Curral de Pedras (2009), primeiro romance de Jards Nobre,
escritor natural de Quixadá, Ceará; autor de uma prosa universal.
O romance estreante de Jards Nobre, publicado pela
editora ABC, reúne vários dos elementos comuns à estética
Realista/Naturalista. Assim, caso o leitor desatento caia na
"armadilha" do autor, poderá acreditar, de imediato, tratar-se apenas
de mais uma história, que se desenvolverá a partir de um suposto triângulo
amoroso, tão recorrente nos romances realistas. Contudo, e isso é muito bom, o
autor não se limita a revisitar Madame
Bovary, O Primo Basílio, Dom Casmurro, O Ateneu ou O Cortiço;
mas vai além. Nobre costura a trama que envolve Nadja, Paulo e Tito, com os mais
relevantes ingredientes constituintes das chamadas narrativas contemporâneas,
mostrando-se um exímio contador de uma boa história, capaz de prender a atenção
do leitor até o desfecho da narrativa. E essa é, ao meu ver, uma característica
indispensável ao bom escritor.
Embora Nadja e Paulo nos remetam, de certa forma, a
Bilinha e Alípio, de Aves de Arribação, de Antonio Sales; são outros os
caminhos que o autor pretende explorar. Assim, a narrativa de Jards Nobre
mostra-se eivada de aspectos comuns à narrativa contemporânea: o corpo como
produto, a ausência de identidade, a morte. Só isso, no entanto, seria por
demais elementar , uma vez que autores como João Gilberto Noll, Chico Buarque,
Flávio Moreira da Costa e Sérgio Granja, entre inúmeros outros já o fizeram ( e
ainda o fazem) aos borbotões. Mas então, o que pode haver de relevante no
romance de Nobre? Numa tentativa de resposta, além da trama em si, diria ser a
concatenação de elementos de diferente estéticas sem o ranço mais acentuado de
uma ou de outra, cabendo ao leitor tal identificação. Falamos aqui, é claro,
não do leitor comum, mas daquele leitor proficiente. Ao primeiro, apenas o
prazer da leitura interessa.
Curral de Pedras, a Macondo de Jards Nobre, no
coração do sertão, mostra, sem tirar nem pôr, o que de ruim, de bom e de
detestável pode acontecer numa cidade que, como inúmeras outras, sofre por não
permitir que seu povo alcance aceitáveis níveis de dignidade. Dignidade essa,
que não brota dos imensos monólitos que a cercam ( no caso de Curral de
Pedras), mas que nasce e se desenvolve na luta contínua pela emancipação
humana.
E é assim que, ao longo da narrativa, tem-se uma
visão distópica de como se dá a educação na cidade de Curral de Pedras. Pelos
olhos dos professores Paulo e Fabíola, o leitor capta os descasos, os
interesses e os desinteresses de uma sociedade, que ainda não aprendeu a
importância e o valor da educação e da cultura e por isso, mas não só por isso,
paga um preço alto, muito alto. A cidade, microcosmo pensado por Nobre, embora fictícia,
poderia ser qualquer um dos milhares de municípios Brasil adentro, vítimas da
ignorância, da incompetência e da ganância de alguns (de muitos, na verdade)
políticos. Dessa forma, o título do romance é bastante oportuno por indicar a
maneira como o povo é tratado: como gado.
Uma mulher bonita, um homem solitário e um
adolescente perturbado servem como pano de fundo para a crítica mordaz que
salta das páginas de Curral de Pedras, nítida desde o título, às
relações líquidas, as perseguições políticas, os desejos (in)contidos, as
desilusões.
Que Jards Nobre alcance o merecido sucesso, nesse
curral de papel chamado Literatura.
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