quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

CURRAL DE PEDRAS


Imagine uma cidade no interior do Brasil, no coração do Nordeste, tomada de pedras por todos os lados. Imaginou? Agora, imagine essa mesma cidade ainda se equilibrando nos limites do atraso e do progresso. Sim, pois enquanto várias faculdades ali se instalam, movimentando a economia local e alterando comportamentos, o atraso ainda se faz presente na maneira arcaica de se fazer política. Mudam-se as moscas, mas a merda continua a mesma. Política(gem) essa, que nivela por baixo, visando o interesse de poucos em prejuízo do bem-estar da maioria. Maioria tal, conivente com essa forma imoral de dominação "curralesca", que tornou-se comum nas mais distantes e diferentes regiões do País.
Tome-se esse cenário e acrescente um narrador atento ao que lhe circunda; coloque três bons personagens, uma boa trama e tem-se Curral de Pedras (2009), primeiro romance de Jards Nobre, escritor natural de Quixadá, Ceará; autor de uma prosa universal.
O romance estreante de Jards Nobre, publicado pela editora ABC, reúne vários dos elementos comuns à estética Realista/Naturalista. Assim, caso o leitor desatento caia na "armadilha" do autor, poderá acreditar, de imediato, tratar-se apenas de mais uma história, que se desenvolverá a partir de um suposto triângulo amoroso, tão recorrente nos romances realistas. Contudo, e isso é muito bom, o autor não se limita a revisitar Madame Bovary, O Primo Basílio, Dom Casmurro, O Ateneu ou O Cortiço; mas vai além. Nobre costura a trama que envolve Nadja, Paulo e Tito, com os mais relevantes ingredientes constituintes das chamadas narrativas contemporâneas, mostrando-se um exímio contador de uma boa história, capaz de prender a atenção do leitor até o desfecho da narrativa. E essa é, ao meu ver, uma característica indispensável ao bom escritor.
Embora Nadja e Paulo nos remetam, de certa forma, a Bilinha e Alípio, de Aves de Arribação, de Antonio Sales; são outros os caminhos que o autor pretende explorar. Assim, a narrativa de Jards Nobre mostra-se eivada de aspectos comuns à narrativa contemporânea: o corpo como produto, a ausência de identidade, a morte. Só isso, no entanto, seria por demais elementar , uma vez que autores como João Gilberto Noll, Chico Buarque, Flávio Moreira da Costa e Sérgio Granja, entre inúmeros outros já o fizeram ( e ainda o fazem) aos borbotões. Mas então, o que pode haver de relevante no romance de Nobre? Numa tentativa de resposta, além da trama em si, diria ser a concatenação de elementos de diferente estéticas sem o ranço mais acentuado de uma ou de outra, cabendo ao leitor tal identificação. Falamos aqui, é claro, não do leitor comum, mas daquele leitor proficiente. Ao primeiro, apenas o prazer da leitura interessa.
Curral de Pedras, a Macondo de Jards Nobre, no coração do sertão, mostra, sem tirar nem pôr, o que de ruim, de bom e de detestável pode acontecer numa cidade que, como inúmeras outras, sofre por não permitir que seu povo alcance aceitáveis níveis de dignidade. Dignidade essa, que não brota dos imensos monólitos que a cercam ( no caso de Curral de Pedras), mas que nasce e se desenvolve na luta contínua pela emancipação humana.
E é assim que, ao longo da narrativa, tem-se uma visão distópica de como se dá a educação na cidade de Curral de Pedras. Pelos olhos dos professores Paulo e Fabíola, o leitor capta os descasos, os interesses e os desinteresses de uma sociedade, que ainda não aprendeu a importância e o valor da educação e da cultura e por isso, mas não só por isso, paga um preço alto, muito alto. A cidade, microcosmo pensado por Nobre, embora fictícia, poderia ser qualquer um dos milhares de municípios Brasil adentro, vítimas da ignorância, da incompetência e da ganância de alguns (de muitos, na verdade) políticos. Dessa forma, o título do romance é bastante oportuno por indicar a maneira como o povo é tratado: como gado.
Uma mulher bonita, um homem solitário e um adolescente perturbado servem como pano de fundo para a crítica mordaz que salta das páginas de Curral de Pedras, nítida desde o título, às relações líquidas, as perseguições políticas, os desejos (in)contidos, as desilusões.
Que Jards Nobre alcance o merecido sucesso, nesse curral de papel chamado Literatura.

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