quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A EPISTOLOGRAFIA DE ELIZABETH BISHOP

A poeta Elizabeth Bishop (1911-1979) aportou no Brasil, em santos, no ano de 1951. Ao deitar seus olhos norte-americanos sobre o país, certamente a autora não se sentiu brasileira, morena como cada um dos nativos com os quais passaria a estar vez ou outra. o olhar da autora em questão estava então prenhe de um compreensível estranhamento, mas desde o início também estava prenhe do olhar estrangeiro, vertical, superior, da mulher norte-americana branca, culta, formada em medicina e dada aos prazeres das viagens mundo afora. 


Vivendo por quase duas décadas no Brasil, a autora produziu uma vasta correspondência que cobre as décadas de 50 e 60. Através desses escritos, é possível perceber o olhar estrangeiro, o estranhamento dos hábitos brasileiros, o governo dúbio de Vargas, bem como as transformações socioeconômicas fomentadas por Juscelino Kubitschek. Nesse sentido, as missivas de Bishop são reveladoras do comportamento tacanho da elite local. Dessa forma, a poetisa discorre sobre os mais variados assuntos, enfatizando a natureza, os imigrantes e as favelas, por exemplo. A maior parte da correspondência de Elizabeth Bishop está publicada nas coletâneas One Art (1994), Uma Arte: as cartas de Elizabeth Bishop (1995) e Words in Air: The complete correspondence between Elizabeth Bishop and Robert Lowell (2008). As cartas de Bishop com Lowell foram editadas por Thomas Travisano e Saskia Hamilton, ainda sem tradução para o português. As cartas da edição norte-americana de One Art, por sua vez, foram selecionadas e organizadas por Robert Giroux. A edição nacional de One Arte, de 1995, teve suas cartas selecionadas por Carlos Eduardo Lins e Silva e João Moreira Sales, publicada pela Companhia das Letras e traduzida por Paulo Henriques Britto.
Através da correspondência de Elizabeth Bishop é possível perceber a visão da autora sobre o modo de viver no Rio de Janeiro, bem como nas outras cidades pelas quais a poetisa passou e morou enquanto esteve no Brasil. Pelos olhos e pela pena de "dona Elizabetchy" passa toda a sorte de problemas vividos pela população brasileira. Problemas esses que vão dos mais simples aos mais complexos e que, comuns nas décadas de 50 e 60, ainda assombram o povo brasileiro geração após geração. Tratam-se de problemas culturais, políticos, educacionais e socioeconômicos, entre inúmeros outros.

Além dos problemas mencionados, as cartas de Bishop também abordam com bastante recorrência o cotidiano da própria escritora, no que concerne às suas questões pessoais, à sua produção literária e aos seus amigos e pessoas próximas.Deslocada geograficamente, mas sempre a procura de um porto, a correspondência de Elizabeth Bishop dialoga com a sua poesia, quando a poeta não se põe no centro dos acontecimentos, mas à margem, no papel de  espectadora privilegiada.

Elizabeth Bishop escreveu milhares de cartas ao longo de toda sua vida. A edição americana das suas cartas cobre um período que vai de 1928 até 1979. Na edição brasileira, no entanto, a carta mais antiga é de 1934. Para Bishop, escrever cartas era algo quase obsessivo, não se limitando a autora a escrevê-las , mas dedicando muito de seu tempo a ler as cartas dos outros. Na introdução à edição brasileira, Robert Giroux diz: "Elizabeth Bishop afirmou que uma vez, estando hospedada na fazenda de sua amiga Jane Dewey, uma física nuclear, escreveu quarenta cartas num único dia...". Sobre o ato de escrever cartas, é a própria Bishop, citada por Giroux, na mesma introdução, que afirma em carta a amiga Ilse Barker: "Tenho pena das pessoas que não conseguem escrever cartas. Mas desconfio também que eu e você, Ilse, adoramos escrever cartas porque é como trabalhar sem estar de fato trabalhando".

A epistolografia da autora norte-americana pode ser vista como um grande mosaico de relevante importância para a compreensão do período vivido pela autora de uma das mais importantes obras do século XX. E nesse arcabouço, a produção epistolográfica de Elizabeth Bishop tem muito a contribuir com os estudos sobre o mundo em geral, e sobre o Brasil, em específico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário