Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, o
mundo precisava de um novo redimensionamento. O homem já não era mais o mesmo.
Novos caminhos eram mais que necessários. Assim, nos estados Unidos da América,
Bob Dylan afirmava que os tempos estavam mudando. The times they are
a-changing, dizia o músico. Seus versos já eram mais discutidos que os
poemas de T.S.Eliot. No ritmo das mudanças, McLuhan era mais lido que Karl Marx
e o consumo, esse grande deus hodierno, já surgia nas pinturas de Andy Warhol e
Jean-Michel Basquiat.
Na velha Londres, David Bowie encarnava Ziggy Stardust. Caído na Terra, esse ser vindo das estrelas era capaz de assistir, ao mesmo tempo, cinqüenta telas de TV. Tratava-se, é claro, de uma releitura de Argos. E nada melhor que Argos para representar uma época capaz de fazer sentir tudo ao mesmo tempo.
Ernest Hemingway |
Essa forma semiótica de ver as coisas foi denominada por críticos literários como Ihab Hassan, Leslie Fieldler, Irving Howe e Harry Living, nos anos 50 e 60, como Pós-Modernismo. Termo esse que não deve, em hipótese alguma, ser usado como sinônimo de Pós-Modernidade, pois enquanto o termo Pós-Modernidade está relacionado aos estudos sociais, Pós-Modernismo relaciona-se aos estudos culturais. Assim sendo, no centro do que se convencionará chamar de Pós-Modernismo, surgirão termos relevantes como: metalingüística, metalinguagem, metaficção e intertextualidade, entre inúmeros outros.
A intertextualidade, compreendida como a relação, o diálogo de uma arte com outra, está relacionada aos recursos que um determinado autor utiliza com o intuito de enriquecer e diversificar seu próprio trabalho. Tal recurso pode ser identificado na obra de Ernest Hemingway, por exemplo. Para Earl Rovit e Gerry Brenner (1986), a narrativa do autor de O Velho e o Mar, pode ser compreendida como um perfeito repositório da cultura Ocidental. Dessa forma, e bem à sua maneira, o renovador da moderna prosa norte-americana traz para seus contos, por exemplo, temas como literatura, música, pintura e misticismo religioso, entre várias outras temáticas.
No que concerne à pintura, para ficarmos apenas em dessas temáticas, muitos estudiosos afirmam que a prosa hemingwayniana é fortemente influenciada pela arte de Goya. Contudo, acreditamos que, muito mais que Goya, a prosa do autor de Morte na Tarde é mais forte em intertextualidades com a pintura de Paul Cézanne, o pintor francês obcecado pela perfeição técnica. A obsessão de Cézanne é tomada à risca por Hemingway na feitura da sua narrativa.O próprio Hemingway afirma em Paris é uma festa, que muito de sua técnica foi aprendida quando das observações que fazia, num museu de paris, das pinturas de Cézanne.
Paul Cézanne |
O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty em A Prosa do Mundo, afirma: “Os atos de pintar e escrever são praticamente autônomos, pois seus únicos mestres são a natureza e a verdade”. Paul Cézanne, por sua vez, dizia que um bom pintor era aquele capaz de pintar inclusive odores. Hemingway era, podemos afirmar, capaz de escrever inclusive odores.
Paul Cézanne e Ernest Hemingway abordam, cada um ao seu modo, temas como natureza morta, paisagens e pessoas comuns. Se tomarmos como exemplo o conto Big Two Hearted River (O rio dos dois corações), não é difícil perceber o quanto da pintura de Cézanne espraia-se na prosa de Hemingway. No referido conto, do início ao fim, o narrador conduz o protagonista Nick, passo a passo, da mesma forma como um pintor escolhe e aplica suas tintas na concepção de uma tela. Assim, enquanto Nick caminha rumo ao grande rio, o narrador pinta, digo, descreve todo o cenário, como a emoldurar a narrativa.
A relação pintura/escritura ou Cézanne/Hemingway não se limita apenas ao conto
citado, mas em várias outras obras do autor de O sol também se levanta.
As pessoas comuns de O velho e o mar, por exemplo, bem como aquelas de A
clean well-lighted place são tão comuns quanto os jogadores de carta,
de Cézanne. Comparando-os, é possível observar como a dignidade, leitmotiv
da prosa de Ernest Hemingway, delas emana em todas as suas letras, cores,
idéias e odores.
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