domingo, 2 de fevereiro de 2014

EIS O LIVRO DE MARTA, CARO LEITOR, ACEITAS?

 Em épocas de livros eletrônicos, nunca se publicou tanto no Brasil. Parece contraditório, uma vez que em cada cinco brasileiros, um é analfabeto funcional, constituindo 20,3% da população. Ou seja, com menos de quatro anos de estudo. Observadas as qualidades daquilo que se publica e daquilo que se lê; aí sim, o buraco é bem mais embaixo. Mas Rodrigo Marques é homem conhecedor do caminho das letras, sabendo trilhar como poucos os meandros não apenas da poesia, mas do romance, do cordel e do conto. Premiado várias vezes, Marques surge no universo da literatura brasileira a partir do lançamento de Fazendinha (2007). Muito bem recebido pela crítica especializada, Fazendinha se mostrou como um oásis em meio ao deserto das inutilidades “poéticas” publicadas aos borbotões. Novamente premiado em concurso literário, Rodrigo Marques traz agora a lume sua mais recente publicação: O Livro de Marta.
Sem preocupação com quantidade, o pequeno grande livro de Rodrigo Marques contém uns trinta poemas dos bons. Todos eles tendo Marta como leitmotiv. Mas afinal, quem é Marta? Isso o autor não confessa nem sob tortura. Mas o crítico, assim como a mulher, em tudo se mete. E eis que encontra Marta em tudo quanto é situação, cores e tons. Descobrimos, assim, que a linha (ou seria a vida?) de Marta é afiada, passada em esmeril, tal qual a faca só lâmina de João Cabral de Melo Neto, a navegar pelos rústicos mares sem abismos, pois abissal já o é a própria Marta. E não importa se Pablo Neruda nada escreveu para Marta. Marta não dá a mínima para tudo isso. Ao contrário, se deleita com uma taça do melhor dos vinhos, enquanto seu vestido se esvai e seu cheiro escapa do corpo. Quanto ao eu lírico esse se banha e escorre pelo ralo, sem direito a uma segunda chance. E é uma pena, que não consigamos ver o piercing de Marta brilhar na sua curva mais escura, embora o saibamos lá. Mas pelas palavras do poeta, quase sentimos seu gosto metalizado em nossas bocas e imaginamos Marta fazendo as unhas no salão mais caro. Mas afinal, quem é Marta? Uma passista de carnaval, um quadrúpede ou a mulher que bebe no bar ao lado do salão mais caro, enquanto a cada um de seus goles o chão afunda mais um pouco?
Ela é a Marta do poeta, como Aurélia e Lucíola o são de José. Como Beatrice o é de Dante, como Ofélia o é de Shakespeare, Heloísa de Abelardo, Isabeau de Navarre; assim como Isolda não é de Tristão, nem muito menos Guinevere de Lancelot. Marta é assim, essa incógnita, essa esfinge, esse enigma nada claro. Mas o livro não é de ninguém senão dela, que é citada pelo menos umas trinta vezes ao longo da obra, e é para ela que o livro é dedicado. Marta contém em si toda essa gama de desejos, insultos e tédios. Mas o tédio, diz-nos o poeta, já não é mais sinônimo de amor. Assim, só resta rasgar aqueles velhos trinta bilhetes escritos, mas jamais enviados à Marta. O mais importante agora é continuar a escrever bilhetes outros, novos. Bilhetes não têm corpos, suor, porta ou aspas, adverte-nos o poeta. Bilhetes são apenas ritmos de letras, continua. Mas para que constituir provas contra si?  A incapacidade de decifrar Marta pode ser fatal, pois nunca sabemos o outro lado da moldura. A diferença entre o que se esconde e o que se dá aos olhos. Assim sendo, corremos o ritmo, a estrada portátil, no mesmo espaço em que Marta prolonga o corpo ou liberta a lycra enrugada, travestindo-se em cada mulher da rua, dos sonhos, da academia, dos desejos (in)contidos, da praia, parada no semáforo ou a gemer na cama, a uivar na mata, enquanto seus olhos bombardeiam horizontes plenos de hesitação e desejo.
A chegada de O Livro de Marta ao mercado editorial vem apenas reforçar o que a crítica já sabia a respeito da qualidade literária das obras de Rodrigo Marques. Prenhe de poesia da melhor qualidade e eivada de apurado rigor literário, o poeta oferece sua obra a analise e ao deleite daqueles que ainda não perderam a capacidade de sonhar e de se deixarem envolver por uma literatura de refinada espécie. A literatura, sabemos, não muda o mundo, mas muda as pessoas. E se O Livro de Marta nada mudar no mundo, que fique a intenção provocadora do poeta de instigar a Marta que cada um de nós, homem ou mulher, mantém encalacrada nos mais recônditos escaninhos da nossa compleição humana.

Eis O Livro de Marta, caro leitor, aceitas? 

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