
Sem
preocupação com quantidade, o pequeno grande livro de Rodrigo Marques contém
uns trinta poemas dos bons. Todos eles tendo Marta como leitmotiv. Mas afinal, quem é Marta? Isso o autor não confessa nem
sob tortura. Mas o crítico, assim como a mulher, em tudo se mete. E eis que
encontra Marta em tudo quanto é situação, cores e tons. Descobrimos, assim, que
a linha (ou seria a vida?) de Marta é afiada, passada em esmeril, tal qual a
faca só lâmina de João Cabral de Melo Neto, a navegar pelos rústicos mares sem
abismos, pois abissal já o é a própria Marta. E não importa se Pablo Neruda
nada escreveu para Marta. Marta não dá a mínima para tudo isso. Ao contrário,
se deleita com uma taça do melhor dos vinhos, enquanto seu vestido se esvai e
seu cheiro escapa do corpo. Quanto ao eu lírico esse se banha e escorre pelo
ralo, sem direito a uma segunda chance. E é uma pena, que não consigamos ver o piercing de Marta brilhar na sua curva
mais escura, embora o saibamos lá. Mas pelas palavras do poeta, quase sentimos
seu gosto metalizado em nossas bocas e imaginamos Marta fazendo as unhas no
salão mais caro. Mas afinal, quem é Marta? Uma passista de carnaval, um
quadrúpede ou a mulher que bebe no bar ao lado do salão mais caro, enquanto a
cada um de seus goles o chão afunda mais um pouco?
Ela é a Marta
do poeta, como Aurélia e Lucíola o são de José. Como Beatrice o é de Dante,
como Ofélia o é de Shakespeare, Heloísa de Abelardo, Isabeau de Navarre; assim
como Isolda não é de Tristão, nem muito menos Guinevere de Lancelot. Marta é
assim, essa incógnita, essa esfinge, esse enigma nada claro. Mas o livro não é
de ninguém senão dela, que é citada pelo menos umas trinta vezes ao longo da
obra, e é para ela que o livro é dedicado. Marta contém em si toda essa gama de
desejos, insultos e tédios. Mas o tédio, diz-nos o poeta, já não é mais
sinônimo de amor. Assim, só resta rasgar aqueles velhos trinta bilhetes
escritos, mas jamais enviados à Marta. O mais importante agora é continuar a
escrever bilhetes outros, novos. Bilhetes não têm corpos, suor, porta ou aspas,
adverte-nos o poeta. Bilhetes são apenas ritmos de letras, continua. Mas para
que constituir provas contra si? A
incapacidade de decifrar Marta pode ser fatal, pois nunca sabemos o outro lado
da moldura. A diferença entre o que se esconde e o que se dá aos olhos. Assim
sendo, corremos o ritmo, a estrada portátil, no mesmo espaço em que Marta
prolonga o corpo ou liberta a lycra enrugada, travestindo-se em cada mulher da
rua, dos sonhos, da academia, dos desejos (in)contidos, da praia, parada no
semáforo ou a gemer na cama, a uivar na mata, enquanto seus olhos bombardeiam
horizontes plenos de hesitação e desejo.
A chegada de O Livro de Marta ao mercado editorial vem
apenas reforçar o que a crítica já sabia a respeito da qualidade literária das
obras de Rodrigo Marques. Prenhe de poesia da melhor qualidade e eivada de
apurado rigor literário, o poeta oferece sua obra a analise e ao deleite
daqueles que ainda não perderam a capacidade de sonhar e de se deixarem
envolver por uma literatura de refinada espécie. A literatura, sabemos, não
muda o mundo, mas muda as pessoas. E se O
Livro de Marta nada mudar no mundo, que fique a intenção provocadora do
poeta de instigar a Marta que cada um de nós, homem ou mulher, mantém
encalacrada nos mais recônditos escaninhos da nossa compleição humana.
Eis O Livro de Marta, caro leitor, aceitas?
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