sábado, 22 de fevereiro de 2014

O CEARÁ DO GILMAR DE CARVALHO


Gilmar de Carvalho é desses pesquisadores que não se renderam ao canto de sereia da mesmice, ou seja, escolher um autor e pesquisá-lo eternamente, dizendo as mesmas coisas com palavras sempre novas. Ao contrário, Gilmar optou por caminhos outros. É reconhecidamente um grande autor. Seu livro Parabélum, escrito em 1970, mas só publicado em 1977, por exemplo, já era um romance pós-moderno bem antes de se discutir o advento do pós-moderno. A referida obra, até bem pouco tempo esgotada (meu exemplar é da primeira edição, autografado) tem se tornado uma referência para estudiosos da literatura brasileira, reeditado pelo Armazém da Cultura em 2011. Entre os estudos sobre esse trabalho, citamos Expectativas heroicas: mito, história e leitura em Parabélum, de Gilmar de Carvalho, de 2010. Trata-se de um relevante trabalho escrito pelo pesquisador Saulo Lemos, vencedor do Prêmio Braga Montenegro, da Secretaria de
Cultura do Estado do Ceará. Além dos trabalhos de ficção, Gilmar de Carvalho também produz muita coisa no campo acadêmico, propriamente dito, uma vez é Mestre em Comunicação Social (Metodista - SP) e Doutor em Comunicação Social e Semiótica (PUC - SP), tendo sido professor da Universidade Federal do
Ceará entre 1984 e 2010.

Nos últimos anos, percebemos que o autor em questão tem deixado o ficcionista "um tanto de lado" (o que será que há nas gavetas do Gilmar?), dando maior vazão ao exímio pesquisador da cultura cearense que também é. E assim sendo, entre seus inúmeros trabalhos estão, por exemplo, aqueles sobre Patativa do Assaré, referências indispensáveis para quem deseja mergulhar na poesia do grande poeta. No ano de 2002, veio a público seu livro Publicidade em cordel. No ano seguinte, Bonito pra chover - ensaios sobre a cultura cearense. No ano de 2008 foi a vez de vir a lume a obra Rangel Escultor - o artista que veio de Jardim, uma encantadora pesquisa sobre o escultor José Rangel (1895 - 1969), natural da cidade de Jardim, no sul do Ceará. Em 2011, Gilmar de Carvalho lança Xilogravura - doze escritos na madeira. Em 2013, é a vez de seus leitores serem presenteados com O Ceará do Ednardo. Isso para ficarmos em apenas alguns dos seus trabalhos.

O mais recente trabalho de Gilmar de Carvalho, O Ceará do Ednardo, é um canto de amor ao Ceará. A obra foi publicada pela Expressão Gráfica Editora, impressa em papel couchê fosco, com uma tiragem de apenas mil exemplares (logo vai se tornar raro), contando com apoio cultural da empresa de transportes Guanabara. Com fotos de Francisco Sousa e a leveza de um texto que mistura o acadêmico e o poético, Gilmar de Carvalho passeia pela cultura do Ceará, tomando como referência  as canções do cantor e compositor cearense, Ednardo. Para tanto, o autor tomou como referência nove discos de Ednardo. Conforme Carvalho (2013:88), são eles: Ednardo e o Pessoal do Ceará (1972), O Romance do Pavão Mysterioso (1974), Berro (1976), O Azul e o Encarnado (1977), Cauim (1978), Ednardo (1979), Ímã (1980), Massafeira (álbum duplo), de 1980 e Terra da Luz (1982).

Este livro comemora, afirma Gilmar de Carvalho, os quarenta anos de estreia em disco do compositor Ednardo. O foco, continua o autor, é a relação que ele estabeleceu entre as referências da cultura cearense e a recriação competente feita a partir desta matéria prima. Conforme bem afirma o autor, ao fazer a imersão neste universo sonoro e ao trabalhar os mitos da "cearensidade", Ednardo constrói uma obra que se afasta do folclore, mas mantém as "raízes" e se inscreve no contexto nacional, dialogando com uma visada cosmopolita. E assim sendo, Gilmar de Carvalho vai analisando os passos da cultura cearense, comentando-a a partir de trechos das canções do compositor, ou de outra forma, analisa trechos das canções de Ednardo, observando de que maneira o artista viu e recriou, em forma de poesia, fatos e acontecimentos da cultura cearense, brasileira e universal.

O livro não vem dividido em capítulos, mas em temas que vão desde os primeiros momentos de Ednardo ao se lançar como cantor, indo em busca da sua realização profissional, passando por temáticas relacionadas ao cordel, aos pastoris, aos reisados, aos repentes e aos "caretas" (ainda presentes no carnaval da cidade de Jardim, por exemplo). E é claro, que o autor não descuida de observar e registrar a relação do trabalho de Ednardo com os movimentos musicais ( o Pessoal do Ceará, a Massafeira), com a literatura ( a Padaria Espiritual, por exemplo), bem como a cor local e a identidade cultural da cidade de Fortaleza. Dessa forma, compreende-se que Ednardo não apenas identificou, mas registrou, colocando a cultura cearense frente a frente com uma diversidade que lhe é por demais peculiar.

Assim sendo, O Ceará do Ednardo é, tal qual escreveu Gilmar de Carvalho no meu exemplar, um Ceará de palavras, de imagens e de sons. Boa leitura!

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