Embora algumas vozes ainda
insistam em dizer, que tudo aquilo que contribuiu para a destituição da
presidenta Dilma Rousseff não foi um golpe parlamentar, não é bem o que se vê por aí. A literatura a esse respeito, bem como
outras artes, como é o caso do documentário O
Processo, da cineasta Maria Augusta Ramos, já é bastante vasta e, cada vez
mais, intelectuais, juristas, ficcionistas, professores e artistas esmiúçam e
revolvem as entranhas do monstro que, num grande acordo nacional, foi urdido
para violar o estado democrático de direito do país e, de uma tacada, jogar no
lixo os 54 milhões de votos que elegeram Rousseff, usando a balela das tais
pedaladas fiscais. Cada dia que passa, no entanto, fica mais difícil sustentar
a farsa que foi montada, para “manter isso aí”.
Entre muito daquilo que
tem sido publicado sobre o golpe, um livro em especial tem praticamente passado
“despercebido” do grande público leitor. Trata-se do livro Crônicas do golpe: num grande
acordo nacional. Com o Supremo, com tudo, de Felipe Pena, publicado pela
editora Record, no ano de 2017. A capa do livro ficou a cargo do chargista
Aroeira, enquanto a orelha ficou por conta do escritor Ricardo Lísias, com
apresentação de Xico Sá (p. 11). Ao todo, o trabalho está desenvolvido em 153
páginas, sendo cinquenta crônicas (p. 15-146), nota do autor (p. 13), posfácio
(p. 147-150) e agradecimentos e vice-versa (p. 151-153).
Sobre como o livro foi
organizado, vejamos o que afirma o próprio autor:
Todas as crônicas deste livro foram
publicadas no jornal Extra, entre
abril de 2016 – um mês antes do golpe de Estado contra a presidente Dilma
Rousseff – e maio de 2017, quando o golpe completou um ano. Só fogem à regra os
textos: “A morte e a morte do jornalismo brasileiro”, “Não vai ter conversa com
o Bial” e “A tomada do palácio pelo inverno”, que foram veiculadas no portal
Jornalismo de Resistência (www.jornalismoderesistência.com.br).
A ordem não é cronológica, com
exceção da primeira crônica, que foi o texto de estreia da coluna “Contra a
Corrente” no jornal Extra. A seleção
seguiu um único critério, o tema que dá título ao livro.
Orientado pelos editores Carlos
Andreazza e Luiza Miranda, escrevi um posfácio para situar o leitor no contexto
histórico de algumas crônicas e orientar possíveis pesquisadores sobre o tema.
Pelo mesmo motivo, as datas de publicação no jornal foram registradas ao final
de cada texto. (PENA, 2017:13)
Felipe Pena foi certeiro
ao escolher o gênero crônica para discorrer sobre o golpe de 2016. Por sua
capacidade de abranger os mais variados assuntos e ser escrita em linguagem
simples (não confundir com “simplória”), talvez a crônica permita ao escritor
comunicar mais e melhor sobre a condição humana, uma vez que ela, conforme
Antonio Candido (1918-2017), é capaz de dar conta daquilo que o crítico chamou de
“a vida ao rés-do-chão”.
As crônicas de Pena são
claras, objetivas e diretas, como devem ser as boas crônicas. O autor demonstra,
ao longo dos textos, habilidade com a palavra escrita, conduzindo o leitor
pelos
meandros do modus operandi do
inverno que se abateu sobre o Brasil, resultando em tudo que se vê hoje. A
primeira crônica do livro é “Não é golpe, é muito pior” (p. 15-16), enquanto a
última é “Um ano depois, o rato pariu a montanha” (p. 143-146). Sem exceções, a
leitura das crônicas do golpe, de Felipe Pena, é indispensável e urgente para
se compreender a atual situação do país.
Como atento observador da realidade brasileira, Pena conseguiu fazer um recorte de um dos períodos mais delicados da política nacional, registrando tudo de forma leve e simples, mas cortante. Para tanto, o uso recorrente da ironia e de uma certa acídia beckettiana lhe foram elementos discursivos relevantes.
Felipe Pena |
Como atento observador da realidade brasileira, Pena conseguiu fazer um recorte de um dos períodos mais delicados da política nacional, registrando tudo de forma leve e simples, mas cortante. Para tanto, o uso recorrente da ironia e de uma certa acídia beckettiana lhe foram elementos discursivos relevantes.
Em resumo, Pena nos diz:
(...) Houve um golpe parlamentar no
Brasil. Esta é a ideia central do livro, baseada em argumentos sólidos, que
podem e devem ser contestados. Mas não dá para ignorar as gravações do Sérgio
Machado, o acordo com o Supremo, a suruba do Jucá ou a entrevista do Temer
confirmando que Dilma caiu pelo conjunto da obra e não pelas supostas pedaladas
fiscais (...) (PENA, 2017:130)
É claro que grande parte
da imprensa nativa não tem interesse em discutir seriamente o golpe de 2016, assim
como suas implicações, tendo em vista que eles mesmos se dedicaram a produzir o
jornalismo de guerra que tem se alastrado pelas redações do país. Neste
contexto, Crônicas do golpe está,
temporariamente, condenado à invisibilidade. Em um futuro próximo, no entanto,
ressurgirá e se manterá como referência de leitura sobre um tempo que, tal qual
aquele rio da canção de Paulinho da Viola, passou na vida do povo brasileiro,
hoje fotografado, fichado, humilhado e sem direito ao porvir, mas que, como todo bom estivador, jamais esquece suas
sapatilhas.
Boa leitura!
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