sábado, 10 de março de 2018

CRÔNICAS DO GOLPE, DE FELIPE PENA

Embora algumas vozes ainda insistam em dizer, que tudo aquilo que contribuiu para a destituição da presidenta Dilma Rousseff não foi um golpe parlamentar, não é bem o que se vê  por aí. A literatura a esse respeito, bem como outras artes, como é o caso do documentário O Processo, da cineasta Maria Augusta Ramos, já é bastante vasta e, cada vez mais, intelectuais, juristas, ficcionistas, professores e artistas esmiúçam e revolvem as entranhas do monstro que, num grande acordo nacional, foi urdido para violar o estado democrático de direito do país e, de uma tacada, jogar no lixo os 54 milhões de votos que elegeram Rousseff, usando a balela das tais pedaladas fiscais. Cada dia que passa, no entanto, fica mais difícil sustentar a farsa que foi montada, para “manter isso aí”.

Entre muito daquilo que tem sido publicado sobre o golpe, um livro em especial tem praticamente passado “despercebido” do grande público leitor. Trata-se do livro Crônicas do golpe: num grande acordo nacional. Com o Supremo, com tudo, de Felipe Pena, publicado pela editora Record, no ano de 2017. A capa do livro ficou a cargo do chargista Aroeira, enquanto a orelha ficou por conta do escritor Ricardo Lísias, com apresentação de Xico Sá (p. 11). Ao todo, o trabalho está desenvolvido em 153 páginas, sendo cinquenta crônicas (p. 15-146), nota do autor (p. 13), posfácio (p. 147-150) e agradecimentos e vice-versa (p. 151-153).

Sobre como o livro foi organizado, vejamos o que afirma o próprio autor:

Todas as crônicas deste livro foram publicadas no jornal Extra, entre abril de 2016 – um mês antes do golpe de Estado contra a presidente Dilma Rousseff – e maio de 2017, quando o golpe completou um ano. Só fogem à regra os textos: “A morte e a morte do jornalismo brasileiro”, “Não vai ter conversa com o Bial” e “A tomada do palácio pelo inverno”, que foram veiculadas no portal Jornalismo de Resistência (www.jornalismoderesistência.com.br).
A ordem não é cronológica, com exceção da primeira crônica, que foi o texto de estreia da coluna “Contra a Corrente” no jornal Extra. A seleção seguiu um único critério, o tema que dá título ao livro.
Orientado pelos editores Carlos Andreazza e Luiza Miranda, escrevi um posfácio para situar o leitor no contexto histórico de algumas crônicas e orientar possíveis pesquisadores sobre o tema. Pelo mesmo motivo, as datas de publicação no jornal foram registradas ao final de cada texto. (PENA, 2017:13)

Felipe Pena foi certeiro ao escolher o gênero crônica para discorrer sobre o golpe de 2016. Por sua capacidade de abranger os mais variados assuntos e ser escrita em linguagem simples (não confundir com “simplória”), talvez a crônica permita ao escritor comunicar mais e melhor sobre a condição humana, uma vez que ela, conforme Antonio Candido (1918-2017), é capaz de dar conta daquilo que o crítico chamou de “a vida ao rés-do-chão”.

As crônicas de Pena são claras, objetivas e diretas, como devem ser as boas crônicas. O autor demonstra, ao longo dos textos, habilidade com a palavra escrita, conduzindo o leitor pelos
Felipe Pena
meandros do modus operandi do inverno que se abateu sobre o Brasil, resultando em tudo que se vê hoje. A primeira crônica do livro é “Não é golpe, é muito pior” (p. 15-16), enquanto a última é “Um ano depois, o rato pariu a montanha” (p. 143-146). Sem exceções, a leitura das crônicas do golpe, de Felipe Pena, é indispensável e urgente para se compreender a atual situação do país. 


Como atento observador da realidade brasileira, Pena conseguiu fazer um recorte de um dos períodos mais delicados da política nacional, registrando tudo de forma leve e simples, mas cortante. Para tanto, o uso recorrente da ironia e de uma certa acídia beckettiana lhe foram elementos discursivos relevantes.

Em resumo, Pena nos diz:

(...) Houve um golpe parlamentar no Brasil. Esta é a ideia central do livro, baseada em argumentos sólidos, que podem e devem ser contestados. Mas não dá para ignorar as gravações do Sérgio Machado, o acordo com o Supremo, a suruba do Jucá ou a entrevista do Temer confirmando que Dilma caiu pelo conjunto da obra e não pelas supostas pedaladas fiscais (...) (PENA, 2017:130)

É claro que grande parte da imprensa nativa não tem interesse em discutir seriamente o golpe de 2016, assim como suas implicações, tendo em vista que eles mesmos se dedicaram a produzir o jornalismo de guerra que tem se alastrado pelas redações do país. Neste contexto, Crônicas do golpe está, temporariamente, condenado à invisibilidade. Em um futuro próximo, no entanto, ressurgirá e se manterá como referência de leitura sobre um tempo que, tal qual aquele rio da canção de Paulinho da Viola, passou na vida do povo brasileiro, hoje fotografado, fichado, humilhado e sem direito ao porvir, mas que, como todo bom estivador, jamais esquece suas sapatilhas.


Boa leitura!

Nenhum comentário:

Postar um comentário